segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

EM MEMÓRIA DOS MORTOS DE SANTA MARIA


Minima Theologica: em memória dos mortos de Santa Maria


Por Leonardo Boff

Os antigos já diziam:”vivere navigare est” quer dizer, “viver é fazer uma viagem”, curta para alguns, longa para outros. Toda viagem comporta riscos, temores e esperanças. Mas o barco é sempre atraído por um porto que o espera lá no outro lado.
Parte o barco mar adentro. Os familiares e amigos da praia acenam e o acompanham. E ele vai lentamente se distanciando. No começo é bem visível. Mas na medida em que segue seu rumo parece aos olhos cada vez menor. No fim é apenas  um ponto. Um pouco mais e mais um pouco desaparece no horizonte. Todos dizem: Pronto! Partiu!
Não  foi tragado pelo mar. Ele está lá, embora não seja mais visível. E segue seu rumo.
O barco não foi feito para ficar ancorado e seguro na praia. Mas para navegar, enfrentar ondas, vencê-las e chegar ao destino.
Os que ficaram na praia não rezam: Senhor, livra-os das ondas perigosas, mas dê-lhe, Senhor, coragem para enfrenta-las e ser mais forte que elas.
O importante é saber que do outro lado há um porto seguro. Ele está sendo esperado. O barco está se aproximando. No começo  é apenas um ponto levemente acima do mar. Na medida em que se aproxima é visto cada vez maior. E quando chega, é admirado em toda a sua dimensão.
Os do porto dizem: Pronto! Chegou! E vão ao encontro do passageiro, o abraçam e o beijam. E se alegram porque fez uma travessia feliz. Não perguntam pelos temores que teve nem pelos riscos que quase o afogaram. O importante é que chegou apesar de todas as aflições. Chegou ao porto feliz.
Assim é com todos os que morrem.  O decisivo não é sob que condições partiram e saíram deste mar da vida, mas como chegaram e o fato de que finalmente chegaram. E quando chegam, caem, bem-aventurados, nos braços de Deus-Pai-e-Mãe de infinita bondade para o abraço infinito da paz. Ele os esperava com saudades, pois são seus filhos e filhas queridos  navegando fora de casa.
Tudo passou. Já não precisam mais navegar, enfrentar ondas e vencê-las.  Alegram-se por estarem em casa,  no Reino da vida sem fim. E assim viverão para sempre pelos séculos dos séculos.
(Em memória dolorida e esperançosa dos jovens mortos em Santa Maria na madrugada do dia 27 de janeiro de 2013).

Fonte: http://leonardoboff.wordpress.com/2013/01/28/minima-theologica-em-memoria-dos-mortos-de-santa-maria/

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

A EFICÁCIA DA MAGIA HOJE


Meu amigo Cacau (para alguns Rev. Cláudio Márcio) me perguntou por que a magia, sobretudo essa patrocinada pelas religiões, seria algo tão fascinante e que suscitaria adesões tão apaixonadas ainda hoje. Eu dizia a ele que não tinha muita certeza sobre a razão disto, mas desconfiava que a resposta tivesse a ver com duas palavras: imediatismo e conforto. Hoje eu acrescentaria mais um elemento: significado.
Todas as soluções mágicas para a resolução dos problemas cotidianos prometem ser imediatas. Poupa-se, dessa forma, o tempo considerável em resoluções não-mágicas. E tempo é moeda forte na atualidade, sobretudo quando aplicado como empreendedorismo. Uma das contradições de nossa vida pós-moderna consiste no fato de que trabalhamos e investimos esforços para uma plenitude de vida que está sempre a nossa frente, como uma terra prometida à qual nunca chegamos. Portanto, remir o tempo na solução de nossos conflitos ajuda-nos a manter os passos firmes nesse caminho para um futuro de plenitude (que nunca se realiza!). A magia, por sua promessa de imediatismo, faz todo sentido num esquema como esse.
Ela também nos poupa dos conflitos e dos desconfortos sempre implicados em soluções não-mágicas de dilemas humanos. Ela nos poupa, por exemplo, dos desgastes de um vis-a-vis. Nesse sentido, funciona mais ou menos como aquilo que a psicanálise chamou de “mecanismos de defesa”. Os mecanismos de defesa, segundo Freud, são dispositivos inconscientes cuja finalidade seria proteger o ego do sofrimento. Opera-se essa proteção do ego a partir de uma modificação da realidade. Assim, a pessoa em luto racionalizará a perda de seu parente como tendo sido “a vontade de Deus”, e seu sofrimento terá sido, pelo menos, atenuado. A magia, por evitar um face a face do indivíduo com seu próprio dilema, também tende a protegê-lo dos possíveis sofrimentos de encarar a realidade de forma nua e crua. Ela deposita esse trabalho nas mãos de um Outro mais poderoso: o deus, o espírito, as forças da natureza, ou qualquer Outro Ente em que a pessoa possa creditar a resolução do seu dilema, e ver-se livre do sofrimento de ter que resolvê-lo ela mesma.
A magia também seria uma maneira de imprimir significado a situações confusas. Por meio dela, o indivíduo “compreende” a raiz do seu dilema, e por meio dela também se desresponsabiliza da parte que lhe cabe no aparecimento do mesmo. Grande parte do sofrimento humano está ligado a questões de significado. Por isso são tão frequentes questões como “por que sofro?”, ou “por que isto ocorreu justo a mim?”. E é só significando magicamente a raiz do seu dilema que o indivíduo poderá manipular as forças mágicas na sua solução.  
Não se pode negar aquele aspecto de fascínio que Rudolf Otto apontou como uma das faces do sagrado. O sagrado, conforme Otto, é simultaneamente aterrorizante e fascinante. A magia, por seu pertencimento à esfera do sagrado, também é fascinante. Não acredito que as pessoas de hoje possuam mais dilemas humanos que as de qualquer outro tempo. Mas tudo indica que o objetivo de racionalização radical da vida, buscado pela Modernidade, vai se mostrando fracassado numa pós-modernidade em que o pensamento mágico se vê mais fortalecido a cada dia.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

EU SOU UM SER SINCRÉTICO


Por Roberto Amorin
Pastor da Igreja Batista da Proclamação (Salvador-BA)
Nasci católico, fui batizado por pais católicos, embora minha avó materna tivesse lá os seus apegos às religiões de matriz africana - bastava o relâmpago clarear o céu e a palha benta e santa Bárbara eram invocados para protege-la (fato é que nenhum raio jamais a atingiu rsrsrs). Ainda na minha infância vi a minha mãe converter-se ao protestantismo, sua vida e apego à fé são fundamentais na pessoa que tenho me tornado. 
Tenho uma tia esotérica (que me ensinou que há dois tipos de pessoas vivendo no mundo: as que querem ter razão e as que querem ser felizes), fiz a primeira comunhão e desejava o sacerdócio (franciscano) - pela influência da religiosidade da minha familia, mas também dos sacerdotes que serviam na minha cidade. A influência dos meus avós paternos e os seus exemplos de vida me fizeram me apegar aos ensinos de Jesus. Minha tia paterna exerceu forte influência sobre a minha vida com sua alegria de viver.
Moro numa cidade acolhedora e sincrética, tenho amigos das mais diferentes correntes religiosas e até os sem nenhuma corrente ... 
Tentei "produzir" uma religião puro sangue, fracassei. Vez por outra me pegava negociando, fazendo acordos para continuar sendo quem sou ... minha religião sempre foi morena, mistura. Assim sendo fui aprendendo a unir coisas aparentemente diferentes em favor de algo maior. Fui aprendendo o que significa:"ouvistes o que foi dito aos antigos, eu porém vos digo ...". 
Hoje me dei conta que sou um ser sincrético, ou parafrasenado Cora Coralina: vive dentro de mim todas as crenças... 
Hoje me dei conta que apesar disso tenho uma fé convicta, definida (embora não definitiva), em processo, resultado do caminhar comunitário ao lado do meu Salvador, fruto da minha experiência com o sagrado.
No Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa AME, mesmo aquele "infiel" que pratica uma religião diferente da sua, se seu amor nao chegar a tanto, ao menos tolere ... continue crendo do seu jeito, segundo a sua caminhada e sua experiência com o sagrado, mas perceba que o outro tem o mesmo direito e este deve ser não apenas respeitado, mas defendido ...

sábado, 19 de janeiro de 2013

A RAZÃO ESPIRITUAL DO CRISTIANISMO DE LIBERTAÇÃO

Por Jung Mo Sung

Recentemente assisti uma entrevista de um padre famoso por suas liturgias-show em um canal de TV aberto. Ele disse que respeitava a Teologia da Libertação, mas que ela levava somente assistência social aos pobres, mas não a fé; e que ele levava a fé e também a assistência social.



Eu não quero discutir aqui se a opinião dele sobre a TL está correta ou não, mas temos que reconhecer que essa é uma imagem muito divulgada sobre a TL. Isto é, difundiu-se na sociedade, e também em muitos setores das igrejas cristãs, que a TL se preocuparia somente ou prioritariamente com as questões sociais e políticas (o que é mais do que mera assistência aos pobres dito por aquele padre) e, com isso, deixaria sem segundo plano a religião, fé e espiritualidade.

Quem conhece melhor a TL sabe que isso não é correto, mas algo deve ter passado para que essa "falsa imagem” tenha se espalhado. Não pode ser somente culpa ou responsabilidade de algum tipo de "difamação” ou incompreensão por parte dos que se opõe a TL. Talvez não tenhamos sido suficientemente claro em explicitar os fundamentos bíblicos, a experiência viva da fé e a espiritualidade que nos move nas lutas e debates sociais e políticos. Em me lembro de uma aula que tive com Hugo Assmann, no mestrado em teologia, em 1988, quando ele nos dizia muito seriamente: se a TL perder a bandeira da espiritualidade para setores carismáticos conservadores será o início do seu fim.

Não sei se já perdemos essa bandeira e luta, mas penso que é fundamental sempre nos relembrarmos e reforçarmos uma das convicções fundamentais dos primeiros teólogos da libertação: a TL é uma teologia espiritual! Não porque discute a espiritualidade na Bíblia ou retoma o estudo dos grandes mestres espirituais – coisas que também faz –, mas porque assume como o seu momento "zero” uma experiência espiritual. É bastante divulgada a tese de que a TL é o momento segundo, sendo o momento primeiro as lutas pela libertação. (Por isso, a TL não é uma simples releitura dos tratados teológicos a partir da opção pelos pobres, ou como diversos propõe hoje a partir do pluralismo religioso, mas uma reflexão teológica a partir e sobre as lutas de libertação.) Mas, poucos se lembram que, na tradição do cristianismo de libertação, o que nos motiva para essa luta é a indignação ética frente a realidade da injustiça social, do sofrimento dos pobres. E que essa indignação é mais do que meramente uma questão ética. Como a primeira geração da TL afirmou: é uma experiência espiritual de ver na face do pobre a face de Jesus.

Talvez esse ponto fundamental, que está no fundamento, deva ser mais aprofundado e difundido pelo cristianismo de libertação. Quando se diz que no encontro solidário com os pobres e outras vítimas das injustiças e preconceitos encontramos com Jesus ressuscitado, é claro que isso não deve ser entendido no sentido literal, como se pudéssemos ver Jesus com os olhos que " a terra irá comer”. É uma linguagem espiritual-teológica. Entendemos melhor o seu sentido quando nos perguntamos de onde vem essa força que nos empurra a lutar por pessoas que não podem nos pagar ou retribuir – lutar de "graça” – e quando nos perguntamos também porque, apesar de tanta dificuldade e incompreensões, essa luta deixa nossa vida com mais "graça” de ser vivida, razão pela qual nos mantemos fieis a luta.

É da sabedoria espiritual cristã ser capaz de "ver” esses "mistérios da fé” – a experiência da "graça” de Deus no cotidiano – que estão por detrás, para além da mera aparência, de "assistência social” ou de "luta política”. Uma sabedoria que é capaz de perceber e compreender o Espírito de Jesus Crucificado e Ressuscitado nas nossas vidas. É isso que quer dizer "encontrar Jesus no encontro solidário com os pobres e vítimas”.

Pessoas e grupos que vivem movidas por essas experiências espirituais se congregam em comunidades para celebrar sua fé e sua caminhada espiritual. É uma celebração "energizada” por algo mais profundo do que performances de rituais humanos, uma celebração movida por esse Espírito de Amor solidário, que nos faz compreender o que diz a primeira carta de são João: "Ninguém jamais contemplou a Deus. Se nos amarmos uns aos outros, Deus permanece em nós e o seu Amor em nós é realizado” (1Jo, 4, 12).

Talvez o que precisamos é melhorar nossa comunicação com a igreja e a sociedade para mostrar mais claramente que o que move o cristianismo de libertação não é ideologia política ou problemas sociais, mas é a fé em Jesus e o Espírito Santo, que nos movem ao encontro das pessoas que sofrem e juntos lutar pela Vida. E isso porque, além de ser teologicamente correto, a força social do cristianismo está na sua espiritualidade.

[Jung Mo Sung, autor, com Hugo Assmann, de "Deus em nós: o reinado que acontece no amor solidário aos pobres” (Paulus). Twitter: @jungmosung].

Fonte: http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=73185

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

JESUS E FREUD

Um pouquinho de bom humor pra quem não se achar mais santo que Jesus!