
Podem me chamar do que quiser! De pessimista a radical. Mas nada me convence de que as últimas matérias sobre a ação social evangélica no Brasil, veiculadas no Jornal Nacional da Rede Globo, tenham um fundo de boas intenções. Não! Minha posição de rejeição ao jornalismo da Rede Globo é a priori e incurável. E minha convicção de que religiosamente ela é antievangélica segue na mesma linha. Nem a simpatia do William Bonner e da Fátima Bernardes muda isso!
É desejo de todos nós que pertencemos a estas tradições de difícil tipologização – evangélicas, protestantes, pentecostais, neopentecostais, e etc. – que todas elas exalem pertinência social. Para muitos de nós essa é a grande luta interna. É verdade a assertiva de que o protestantismo ainda deve muito em termos da construção de uma sociedade justa e fraterna no Brasil. Não que nunca tenhamos ensaiado isso historicamente. Mas quando o fizemos, os poderes reacionários de nossas igrejas sempre impuseram sua força abafando os novos brotos aí presentes. Todavia, permanece a luta e o empenho para que essas tradições contribuam na gestação de algo novo em termos estruturais, e dêem sua contribuição no aparecimento de comunidades e sociedades com feições mais humanas.
A Rede Globo deveria veicular o fato de que a ação social sempre foi uma prática presente entre os evangélicos do Brasil. Além disso, deveria também veicular o fato histórico de que a própria Teologia da Libertação (TdL) teve seus primeiros brotos no Brasil sobretudo em círculos evangélicos. Quem investigar, por exemplo, o pensamento e a práxis de Richard Shaull entre as décadas de 1950 e 1960 no Brasil, se surpreenderá com aquilo que poderíamos chamar tranquilamente de “antecipações” ao que mais tarde se formalizaria como TdL. Além disso, o texto acadêmico considerado fundante da TdL, para quem o enfrentamento da pobreza e da opressão tem dimensões paradigmáticas, foi The Theology of a Human Hope, escrito por Rubem Alves ainda em 1969.
É bem verdade que foram poucos os grupos evangélicos que chegaram a desenvolver uma teologia onde a ação social fosse o elemento paradigmático. Também é verdade que os evangélicos sempre tiveram extrema dificuldade de discernir entre ação social e assistencialismo, quase sempre tomando o segundo pelo primeiro. Em muitos casos esse assistencialismo aparecia (e ainda aparece) como mero adendo da missão cristã no mundo, sobretudo como isca para os fins proselitistas. Mas como valor reconhecidamente cristão – para saber se ele o é basta que se pergunte a quem tem fome –, o assistencialismo sempre constou na dinâmica de uma fração majoritária das igrejas evangélicas no Brasil.
A Rede Globo, por sua vez, nunca fez questão de ocultar o substrato católico que lhe subjaz religiosamente (o que não é nenhum problema, ao menos para mim!). Aos evangélicos sempre foi vedada a notoriedade, e a invisibilidade destes sempre foi a tônica nas relações com esta televisão. Em meados da década de 1990, nos embates com o Bispo Macedo e sua igreja, lembro do tratamento indiscriminado dados aos “evangélicos” pela Rede Globo, como se Macedo fosse uma espécie de representante de um grupo homogêneo que envergonhava o Brasil com sua astúcia. Só muito depois tomei conhecimento das batalhas travadas pela AEVB (Associação Evangélica Brasileira) para desvincular a figura e a práxis de Macedo da imagem dos demais evangélicos, sobretudo dos pastores.
Por tudo isso, essa guinada radical da Globo em face dos evangélicos brasileiros não é pra levantar nossos cabelos? O que explicaria essa “conversão” tão súbita?
Será que a atual visibilidade dessas ações só se tornou um fato em função do crescimento evangélico que segue acima da média da população nacional? Por que será que as práticas sociais pregressas, relativas a mais de 150 anos de presença evangélica no Brasil, nunca puderam ser alcançadas pelas câmeras “globais”? Quais elementos desse momento histórico poderiam ser pistas para entendermos uma guinada tão aguda na atitude da Globo quanto aos evangélicos? Que relações podem existir entre essa guinada e o projeto de hegemonia midiática da Rede Record gerenciada pela Igreja Universal do Reino de Deus? Seriam os evangélicos brasileiros de hoje um seguimento social com poder suficiente para determinar o resultado de um processo eleitoral presidencial? [vote Dilma 2010!] Enfim, o apreço e a simpatia “globais” dirigidos aos evangélicos brasileiros se devem a quê?
Como sei que logo alguns pastores midiáticos saltarão de alegria e exultarão esse vislumbre “global”, me adianto com essas questões que nascem como síntese do meu pessimismo e do meu radicalismo em relação ao jornalismo da Globo.
Sim, os evangélicos cresceram e apareceram! Saltamos de 5 ou 7 por cento no início da década de 1990 para mais de 15 por cento em dez anos. Em 2000 o IBGE dizia que éramos uns 26 milhões de crentes tupiniquins. Talvez beiremos os 30 milhões atualmente. Tamanho crescimento religioso é um dado sociológico impossível de passar despercebido por quem quer que seja. Já que crescemos tanto e já estamos aparecendo positivamente até na Rede Globo, seria também o momento de não entrarmos num jogo cuja regra maior parece evidente: fazer-nos massa de manobra! Afinal, gente crescida é gente que deve aprender a cuidar bem de si!