segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

TRÊS MENSAGENS PARA O NATAL (2008)


O Evangelho nos constrange a celebrar o Natal diferenciadamente. Depois que a gente conhece, experimenta e vive o Evangelho de Jesus Cristo, nós ficamos desautorizados a celebrar o Natal da mesma maneira que todo mundo. Poderemos até fazê-lo, mas será sacrilégio. Portanto, os rituais todos que acompanham essa data podem perfeitamente ser observados por nós, conquanto que estejam encharcados do Evangelho!
Reúna sua família! Reveja aqueles e aquelas cuja existência lhe uniu consanguineamente. Brinde, cante, celebre em comunhão com os seus. Reafirme esses laços de afeto, pois família é aquela coisa que sempre estará presente quando todos estiverem ausentes. Mas não esqueça de uma coisa: que um dos grandes intentos do Emanuel é fazer desse mundo uma fraternidade, é fazer desta terra uma Grande Família. Jesus radicalizou tanto esse propósito que chegou a dizer: "minha mãe e meus irmãos são aqueles que fazem a vontade de meu Pai". Portanto, quando você estiver reunido em família lembre desse projeto análogo de Deus, e, se puder, se engaje nele!
Ceie com os seus! No que estiver em seu alcance, repita um dos hábitos mais recorrentes de Jesus registrado nos Evangelhos: comer com quem se gosta. Não exagere, afinal, mesmo pelo fato de nenhum pastor ou padre pregar contra glutonaria, ela ainda assim é o que é: pecado (principalmente para o corpo). Reúna-se à mesa, ore com os seus, diga alguma coisa inspirada que sempre nos vem nesses momentos, e coma. Mas não esqueça algumas coisas. Há, no Brasil, mais de 32 milhões de famílias que não têm o que comer todos os dias. Também ninguém prega esse sermão na Igreja, mas é pecado dos mais vis. Não esqueça também que "nem só de pão, peru e chester vive o homem, mas também do conteúdo sólido do Evangelho, isto é, da Palavra de Deus". Então, ao cear, abrace esses dois projetos, um social, o outro pessoal: lutar contra a miséria e nutrir-se também do Evangelho.
Adorne sua sala com enfeites natalinos e com a tradicional árvore. Cuide da casa, limpe a fachada, deixe tudo com cara nova, afinal, ferve a expectativa de um novo ano, quem sabe tempo de boas novidades. Não gosto dos pisca-piscas, mas se lhe convir, por que não? Só não esqueça de algumas coisas: nem sempre o adorno da fachada é o importante; na maioria das vezes serve de esconderijo para feiúras, traumas, pesares e injustiças. Portanto, nesse tempo não esqueça de adornar seu interior. Faça uma faxina também na psique. Tire daí esse lixo emocional que é praga das piores. Uma vez feito esse exercício, tudo do lado de fora fica limpo, tudo brilha, por tabela!
Dê presentes às pessoas que você estima: filhos, parentes e amigos! Eu mesmo sou de opinião de que a satisfação de quem dá o presente é maior e melhor do quem a de quem recebe. Não precisa ceder às tentações mercadológicas dessa época. Afinal, quem gosta de iniciar o ano novo já mergulhado em dívidas? Deus me livre! Mas, mesmo que singelos sejam os presentes – um cartão, um lembrete, um suvenir qualquer –, presenteie a quem você ama. Mas não esqueça de uma coisa: se você não ganhar presente de ninguém, o maior presente foi dado por Deus a todos – Emanuel, Deus conosco, Jesus Cristo. É o presente mais sublime, e é de graça e cheio de Graça! Lembre-se também que, conforme Jesus disse e São Francisco de Assis ratificou, é muito melhor dar que receber!
Enfim, não deixe esse tempo ser natal, mas Natal. Ou melhor, NATAL!!!
E não esqueça do fato de que é o Evangelho que nos constrange a todas essas coisas. Caso isso não ocorra, terá sido somente mais um feriado vazio. Terá sido somente mais uma celebração tradicional aprendida na cultura, como tantas outras. Terá sido submissão à voracidade capitalista de fim de ano. Terá sido exercício de formalidades coletivas sem qualquer significado em consonância com o que sentimos interiormente. Terão sido somente atos mecânicos, sem enraizamento na profundidade do ser. Terá sido natal, ou talvez Natal, mas nunca NATAL.
*** 
Todo nascimento de uma nova criança é um grito de esperança do mundo contra a maldade dos homens. Toda nova criança concebida é um grito de fé da natureza, um facho de luz em meio às trevas que os homens lançaram sobre a criação. Todo nascimento de um ser humano é uma espécie de Natal, uma vez que cada pessoa carrega em si um leque de enormes potencialidades, boas e ruins. À medida que os sujeitos vão crescendo a gente vai se dando conta de quais potencialidades latentes vão se evidenciando neles. Mas, enquanto criança, tudo é expectativa e apreensão. O pequeno Luís Inácio da Silva, mais um menino pobre entre os milhares do nordeste, carregava silenciosamente uma potencialidade que mais tarde ficou patente. O pequeno Paulo Freire, também menino pobre do nordeste, alfabetizado já adolescente, carregava silenciosamente sementes que mais tarde brotariam fantasticamente, e que hoje todos nós conhecemos bem. Também o pequeno Adolf Hitler, um dócil alemãozinho, carregava silenciosamente em sua infância uma potencialidade latente, mais tarde tornada patente, infelizmente.
Uma criança, portanto, é um vulcão adormecido.
Há coisa de dois milênios, na periferia de uma das províncias do Império Romano, nascia uma criança cujo primeiro feito fora inflamar a todos com profundas esperanças. Acerca desse menino já os profetas diziam: "o nome dele será Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade e Príncipe da Paz" (Isaías 9,6). Conselho, força, paternidade e paz foram as primeiras virtudes esperadas da potencialidade daquele menino. Depois, deram-lhe o nome de Emanuel (Mateus 1,23), que quer dizer "Deus conosco", na esperança de que aquele menino fosse uma epifania ambulante do próprio Deus. Por fim, referiram-se ao menino como "Salvador e Senhor" (Lucas 2,11), como quem vê o invisível no visível, o infinito no finito, a força na fragilidade e o divino no humano. Somente a esperança é capaz dessas doces contradições.
É bem verdade que no início de tudo essas esperanças eram bem locais e nacionalistas. O menino era uma esperança para Israel, que vivia uma história milenar de cativeiro e subjugação nas mãos dos egípcios, assírios, babilônicos, medo-persas, gregos e romanos. Mas havia no menino alguma coisa grandiosa demais que não cabia em projetos locais e nacionalistas. A força da esperança que dele radiava rompeu todas as barreiras geográficas, e desde cedo a esperança que o menino evocava começou a se espalhar por toda terra.
Era um vulcão.
Foi soltando labaredas para o alto. E elas foram alcançando outros lugares, outras pessoas. Nunca cessou. Nos alcançou aqui, nesse tempo e nesse lugar.
Nele, nossos corações continuam inflamados de conselho, força, paternidade e paz. Conselho, porque na peregrinação da vida muitos caminhos nos são oferecidos, enquanto outros se insinuam, e no meio dessas bifurcações oMaravilhoso Conselheiro nos acalma e nos diz: "vem e me segue... ou, joga a rede desse lado...". Força, porque por vezes nos fatigamos e nossos joelhos ficam trôpegos de tanto caminhar. Então chega o Deus Forte e diz: "deixa, Eu te carrego...". Paternidade, porque por vezes ficamos órfãos, desamparados, desprotegidos, vulneráveis. Justamente aí oPai da Eternidade sussurra ao nosso ouvido: "meu filho, estou aqui...". E paz, porque mesmo crédulos, somos por vezes possessos de medo, pavor, desconfiança, instabilidade e insegurança. Então, vem o Príncipe da Paz e diz: "dou a vocês a minha paz...".
Isso é Natal. Quem souber de um que seja melhor e diferente desse, por favor, me avise!
***
Anselmo de Cantuária (1033-1109 d.C.), teólogo escolástico da Igreja Cristã, fez uma pergunta capital para a compreensão do mistério da Revelação: Cur Deus homo? Ou, traduzido do latim, Por que Deus se fez homem? Natal é justamente a época de desenterrar essa pergunta de nossa tradição. É tempo de mais uma vez queremos saber as razões da Encarnação. João, o Evangelista, se contenta em dizer que “A Palavra se fez carne e armou sua tenda entre nós” (1,14). Com Anselmo, mais uma vez perguntamos: por quê?
Os antigos gnósticos foram os primeiros a desconfiar da Encarnação. Em suas variadas formas, todos eles defendiam a idéia de que nunca houve essa coisa de “Deus se fazer homem”. Jesus havia sido um “espectro”, como diziam os docetas. A carne, como toda matéria, era impura demais para abrigar a Encarnação da divindade. A matéria era o abrigo do mal, portanto, indigna de acolher e abrigar corporalmente qualquer resíduo de bem, e muito menos O Bemem plenitude. Para os gnósticos, portanto, qualquer Natal é a celebração de um sacrilégio. [Há muitos gnósticos em nosso tempo.]
Para nós, não-gnósticos, parece mesmo que as razões da Encarnação se encontram ocultas somente em Deus. Mas desconfio de uma coisa: “Deus se fez gente porque ser gente, apesar dos pesares, é muito bom!” Ele poderia ter encarnado em um animal qualquer, e ser uma espécie de “Totem dos Totens”. Mas não quis!
Daí pra frente, o que se vê no mistério da Encarnação é um mundo de contradições... Doces contradições!
I.
Jesus poderia ter armado sua tenda numa linhagem nobre. Ter nascido num palácio, ou, à semelhança de Moisés, ter sido ao menos educado sob as tutelas da realeza. Poderia ter armado sua tenda entre os Césares de Roma, donos do mundo na época. Poderia ter nascido sob os cuidados mínimos devidos a qualquer pessoa desse mundo, independente de sua condição existencial. Nada disso lhe teria sido privilégio. Tudo isso lhe teria sido absolutamente natural. Afinal, não é Deus o Autor de todas as coisas? Nada mais justo que, ao encarnar-se, serem-lhe oferecidas as condições mais honrosas e pomposas da terra. Mas não quis!
II.
Pelas razões que só Ele mesmo conhece – e é sem nenhum anti-semitismo que eu digo isso –, armou sua tenda na escória da terra, entre o povo judeu [Escória não num sentido étnico, mas pelo fato dos judeus virem carregando o fardo milenar da opressão por outros povos]. Por que não ter armado sua tenda entre os poderosos romanos? Poderia ao menos ter pertencido à elite sacerdotal de Jerusalém. Pronto, estaria mais adequado! Mas, outra vez, não quis. Preferiu uma família pobre do interior, da cidade de Nazaré, cujo sustento dependia de um carpinteiro. Pelo menos à sua concepção eram devidas as honras mínimas. Mas contraditoriamente nasceu em local destinado à alimentação dos eqüinos, cujas nossas Bíblias aliviam semanticamente chamando de “manjedoura”. Fica romântico demais. O jeito mais ajustado é chamar de “cocho” mesmo. Pergunte ao homem da roça se não é assim?
As razões disso? Pertencem somente a Ele mesmo!
III.
Por último, tudo era favorável a que levasse uma vida de regalias e bajulação. Servi-lo seria mais que uma obrigação: seria uma dívida imputada aos homens. Contudo, surpreendentemente optou viver como pobre e como “servo de todos” (Marcos 10,45). Lavou os pés dos discípulos e disse parabolicamente que se tratava de um exemplo a ser seguido (João 13,1-17). É por tudo isso que os primeiros cristãos diziam num cântico que Ele havia “se esvaziado de si mesmo e assumido a forma de servo...” (Filipenses 2,7).
Não sei se essa resposta satisfaria ao Anselmo de Cantuária, mas parece que Deus se fez homem para, entre outras coisas, mostrar aos homens que há uma maneira ainda melhor de ser gente: no serviço ao outro em humildade de coração!
Outra vez, isso é Natal. E quem souber de um que seja melhor e diferente desse, por favor, outra vez me avise!
Dezembro de 2008

2 comentários:

Marconi Gadelha disse...

É isso, Paulo. O NATAL prescinde de enfeites, festas e cantorias. Necessita de Espírito e de coração aberto a recebê-Lo e assimilá-Lo. Parabéns e... feliz NATAL.

Paulo Nascimento disse...

Querido Marconi!

Muito obrigado pelas palavras e pelo carinho dispensado a mim sempre. Tenha um ótimo Natal e um Feliz Ano Novo, com muita leitura, debates e reflexões!

Grade abraço mano!!!