domingo, 23 de maio de 2010

PALESTRA SOBRE PSICOLOGIA E RELIGIÃO


Olá minha gente boa!

Como vocês podem ver no cartaz ao lado, no próximo dia 11/06/2010 teremos um interessante bate-papo sobre Psicologia e Religião. O tema da palestra é
Experiência religiosa e saúde mental. Nossa convidada é a profª Drª Heliane Leitão, da UFAL. O evento será realizado com a parceria entre o núcleo alagoano da FTL e o Seminário Teológico Batista de Alagoas. Será às 19:00h no Colégio Batista Alagoano. Apareça!

Paulo Nascimento

(Coordenador do FTL-AL e professor do SETBAL)

sábado, 22 de maio de 2010

UMA POLÍTICA PÚBLICA DA COAÇÃO?


Sobre a proposta de realocação dos moradores da Vila do Jaraguá em Maceió


Na última sexta-feira (22/05) eu estive pela primeira vez na comunidade dos pescadores do Jaraguá, aqui em Maceió. Quem não mora aqui dificilmente deve saber que a vila dos pescadores do Jaraguá se encontra no centro de uma polêmica contra a atual gestão municipal dessa cidade. Isso porque – agora posso dizer com a convicção proporcionada por uma aproximação concreta – a comunidade de pescadores do Jaraguá representa uma pedra no sapato das elites desse estado que vive de vender um simulacro aos turistas. Sim! A indústria turística de Alagoas vive de um enorme simulacro!

Faz mais de quatro séculos que Alagoas é um estado programado para atender às vontades de uma diminuta elite: abastada, confortável, soberba e insensível frente às condições de vida das maiorias populares. Em Alagoas, por maior esforço que empreendamos a fim de não sermos marxistas, alguns dos postulados do barbudo alemão ganham uma incrível efetividade. Por exemplo, para Marx, nas sociedades capitalistas o estado sempre se constitui como uma espécie de “comitê político da burguesia”. Nada mais aplicável à realidade alagoana. Como comitê político de uma pequena elite, em Alagoas o estado sempre se constituiu como alavanca dos interesses econômicos desses poucos, que, aferrados à idolatria da indústria canavieira, vem condenando por mais de quatro séculos à sub-vida o grosso da população, hoje com cerca de três milhões de pessoas espalhadas pelas três principais regiões locais – a Zona da Mata, o Agreste e o Sertão.

No fim de 2009 fiz com minha esposa uma viagem de ônibus que nos proporcionou cruzar essas três regiões de Alagoas. Embora as viagens aéreas nos proporcionem as grandes vantagens do conforto e da rapidez, somente as viagens por terra nos proporcionam as melhores condições de observação e de análise social. Enquanto as alturas do avião transformam as contradições sociais em belas paisagens, as janelas do ônibus acentuam essas contradições. Observar da janela do ônibus o cotidiano das cidades alagoanas, as feiras livres, as pessoas caminhando pelas ruas, as fachadas das casas, as condições de saneamento básico, tudo sob o olhar crítico de quem deseja discernir as contradições sociais de nosso povo, foi, de fato, o melhor remédio contra uma cansativa viagem entre Maceió e Delmiro Gouveia.

Esse “cruzeiro” pelas três regiões de Alagoas serviu como forma de confirmação do caráter nefasto da economia canavieira, e de como o estado, pelo menos aqui entre nós, confirma a opinião de Marx: é sim o comitê político da burguesia! As cidades do interior com as piores condições estruturais de Alagoas, cujos déficits habitacionais e as demais discrepâncias sociais são mais gritantes, estão localizadas justamente na faixa geográfica que hospeda o “carro-chefe” da economia de Alagoas: na Zona da Mata. E quanto mais nos afastamos geograficamente do raio de abrangência da cana, mais topamos com as cidades interioranas com as melhores condições estruturais de Alagoas.

Não é curioso que o carro-chefe de nossa economia estadual, em lugar de produzir na faixa geográfica que lhe hospeda (a Zona da Mata) as melhores condições de vida, faça exatamente o contrário, produzindo pobreza, medo, escassez, subdesenvolvimento e morte? Não é curioso que as faixas geográficas menos favorecidas pelo carro-chefe de nossa economia, e cujas condições climáticas são mais adversas (o Agreste e o Sertão), proporcionem no interior de Alagoas o aparecimento das cidades com as melhores condições estruturais?

Desde o final de década de 1980 deu-se em Alagoas o início da construção de uma nova “vocação econômica”, identificada com o turismo. Pensando com os referenciais da economia, talvez seja possível relacionar essa “nova vocação” econômica à desaceleração do setor canavieiro ocorrida nesse período. Esteja essa leitura correta ou não, o certo é que a nova vocação econômica de Alagoas identificada com a indústria turística, até aqui ainda não serviu como meio de superação dos terríveis dilemas estruturais desse estado. Pelo contrário, uma avaliação provisória revela a ambivalência trazida pela economia do turismo.

Enquanto do ponto de vista dos benefícios econômicos podemos afirmar que o turismo serve como meio de “aquecimento da economia local”, injetando-lhe capital e criando uma rede de empregos diretos e indiretos, do ponto de vista da identidade cultural o turismo vem proporcionando uma invasão estrangeira em certas comunidades praieiras que contribui no atentado crescente às formas tradicionais de vida dessas comunidades nativas, como bem mostra o trabalho de pesquisa da professora Adélia Augusta Souto, do departamento de Psicologia da UFAL.

A presente polêmica entre a prefeitura de Maceió e a comunidade dos pescadores do Jaraguá revela outra estranha faceta presente na vocação turística deste estado: ela se alimenta da negação daquilo que, para o estado (e obviamente para as elites locais), é considerado repulsivo, impuro e feio aos olhos dos visitantes. É Zygmunt Bauman quem melhor vem tratando do tema da eliminação e do confinamento do “lixo humano” por parte de nossas sociedades pós-modernas. Em nome dos ideais pós-modernos de “pureza” e de “ordem”, a palavra da vez é reciclar as sociedades do “lixo humano”, sejam os imigrantes ilegais nos países europeus e nos Estados Unidos, sejam aqueles que estão fora do circuito de consumo nos grandes centros urbanos, sejam os pescadores ditos favelados que “mancham” a bela e organizada orla de Maceió.

O fetiche de momento da prefeitura de Maceió consiste em realocar os moradores da vila do Jaraguá. Foi lá, em frente à AMAJAR (Associação de Moradores e Amigos do Jaraguá), comendo camarão e lagosta oferecidos por Enaura, que entendi a coisa de forma integral. A vila está situada ao lado do cais do Porto de Maceió, que é por onde escoa boa parte do açúcar que adoça o café dos europeus, e é também onde os navios turísticos podem ter sua primeira impressão visual da capital alagoana. Os cruzeiros chegados à Maceió não têm outra opção: antes da Pajuçara, da Ponta Verde, da Jatiúca, e das outras belíssimas praias dessa capital, a vila de pescadores do Jaraguá é a primeira visão que se pode contemplar dos navios ali aportados. De fato, uma pedra no sapato da elite político-econômica alagoana preocupada em salvaguardar os olhos dos turistas da “presença imunda” dos pescadores.

A orla de Maceió, como é atestado pelas próprias pessoas aqui chegadas de outros cantos, está entre as mais belas do Brasil. Tanto em seus aspectos naturais quanto naqueles relacionados à estruturação paisagístico-urbanística, ela merece destaque. A vila de pescadores do Jaraguá existe nesse contexto há sessenta anos. No entanto, é gritante o descaso da prefeitura quanto à mesma, sobretudo no que tange à infra-estrutura. Falta absolutamente tudo. Desde a atenção à saúde até a educação. Desde os investimentos em educação até o fomento à cultura. Eu chamaria o descaso do poder público municipal com a vila de pescadores do Jaraguá como a sua “política pública de coação”.

Em diálogo com a presidente da AMAJAR, pudemos conhecer algumas das razões da resistência à realocação proposta pela prefeitura de Maceió aos pescadores do Jaraguá. A razão fundamental está associada à localização estratégica da vila e sua relação com a economia de pesca que sustenta as mais de quatrocentos e cinqüenta famílias ali presentes. Além de situar-se numa enseada, o que é fundamental para a alocação dos barcos sobretudo quando estão aportados, a localização da vila justifica-se como ponto estratégico em função dos ciclos tradicionais da pesca dos diferentes produtos do mar. Entretanto, para além dessas razões ligadas à economia da pesca, a líder comunitária nos falava de outras razões ligadas à sociabilidade existente entre os homens e mulheres da comunidade. O partilhar da vida, o cuidado mútuo dos filhos, os momentos celebrativos etc., são todos exemplos dessa rede de sociabilidades existentes numa comunidade com sessenta anos de idade.

O que podemos afirmar é que para a atual administração pública as razões dos turistas valem mais que as razões desse povo tido como feio, sujo e favelado. Desde quando as razões de nossas maiorias populares determinaram a condução das políticas públicas em Alagoas? Ao que me parece, o grito dos excluídos está longe de ser, ao menos em Alagoas, ouvido pelo estado, de olhos e ouvidos sempre arregalados para uma fração mínima de nossa população.

Então, para concluir, eu perguntaria: quem de fato são os impuros e os desordeiros nesse jogo? Nenhum de nós estaria doido a ponto de dizer que ordem e pureza não são elementos importantes na organização da vida humana. O problema é quem elegemos como sendo impuros e desordeiros (ou desordenados). O problema, de outra forma, consiste no fato de que pureza e ordem implicam sempre na negação e na tipificação da alteridade, isto é, na transformação do diferente em lixo humano. O problema, enfim, é que a tipificação do outro como lixo humano nunca leva em consideração as razões desse outro, que diferente do lixo-lixo, fala, sente, e é capaz de significar a si mesmo e à sua própria existência.

Em minha opinião, impuros e desordeiros são aqueles que esqueçam que o “lixo” e a “desordem” a quem desejam expurgar são produtos de sua própria atividade: suja, desordeira e desordenada.