Na semana que se passou, por meio de um processo de
orientação de trabalho de conclusão de curso, o tema das relações entre
religião e ciência reapareceu para mim. Duas estudantes do nono período de
Psicologia da UFAL decidiram enfrentar o preconceito de tomar a religião como
um objeto de estudos em seu TCC.
Sim, falo em preconceito porque na minha forma de entender, há uma obsessão tão arraigada na cultura universitária por
distanciar-se da religião, que mesmo como um objeto de investigação científica ela
se tornou maldita. Maldita como matriz cultural da conduta e do pensamento dos
sujeitos, e maldita como objeto de investigação.
Mas atenção! Uma ressalva a ser feita é que tal
maldição parece ter a ver especialmente com o Cristianismo, uma vez que outras
matrizes religiosas – a africana, por exemplo – gozam de certo flerte por parte
da Universidade Pública.
Mas justiça seja feita. Tudo isso é justificado com
a explicação de que o Cristianismo, enquanto religião ocidental hegemônica, estaria
associado a subjetivações e a formas de exercício de poder opressoras. Há muita
verdade nisso, embora essa percepção continue simplista e reducionista na forma
de conceituar o potencial ambivalente de qualquer religião. Joga-se fora a água
suja da bacia, junto com o bebê.
Alguém informou às duas concluintes acerca do meu
caso com a religião, e elas vieram a mim em busca de orientação para o seu
trabalho. Elas querem compreender um fenômeno que também já fisgou a minha atenção,
mas que nunca cheguei a investigar: a presença de grupos de oração no campus, e seus efeitos na formação acadêmica
dos seus frequentadores. Querem realizar uma pesquisa qualitativa, utilizando
grupos focais como uma ferramenta de produção de dados.
Como deve ser de conhecimento geral, esse tipo de
presença religiosa nos diversos campi universitários
não se trata em hipótese alguma de um fenômeno novo. Há muitos anos diferentes
grupos, oriundos de diferentes confissões religiosas e voltados para diferentes
objetivos, marcam presença nas universidades. Alguns exemplos famosos são a ABU
(Aliança Bíblica Universitária) e o grupo Alfa & Ômega, ambos voltados para
a evangelização e aproximação de estudantes que compartilham a mesma fé. No meu
modo de entender, esses grupos acabam funcionando também como um reforço contra
as “investidas” da mentalidade acadêmica sobre a fé dos estudantes crentes. Afinal,
a ciência também é um tipo de discurso a constituir subjetividades!
Mas ainda que não se trate de um fenômeno absolutamente
novo, o momento atual traz certas peculiaridades. Parece-me que um fato dessa
natureza deve ser compreendido em referência com coisas maiores. Refiro-me ao
que Jürgen Habermas chamava de “ressignificação política da religião”, que
ocorre em todo mundo de diferentes formas. Essa retomada da potência política
do discurso religioso é, a meu ver, um dos vetores da crise público/privado em todo mundo. Um número
considerável de estudos das ciências humanas e sociais tem investido esforços
para a compreensão dessa crise, promovida pela religião, no âmbito das
políticas de Estado. Falo da crise atual do Estado Laico. Meu trabalho de
mestrado, entre outras coisas, flertou com esse debate.
O trabalho das formandas pode trazer contribuições
interessantes a esse papo, pois se posiciona em um ângulo diferente, até então
pouco explorado. O que significa o aumento de grupos religiosos para a Universidade?
Que papel eles exercem nesse contexto? Eles servem apenas como defesas
coletivas contra as “tentações” da academia? Que relações instituídas eles
contestam? Que implicações têm para a formação acadêmica e profissional? O que o
fortalecimento dessa presença significa para a compreensão de nossa cultura contemporânea?
Andam dizendo ultimamente que “Deus não está morto”.
Além das tribunas legislativas, ele decidiu fortalecer sua presença também em
um dos templos da ciência contemporânea?