terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

O FASCÍNIO TOTALIZANTE


Discipulado e espiritualidade a partir de Lucas 5,1-11

Introdução

Os Evangelhos canônicos podem ser vistos sob três pontos de vista distintos. Há quem os veja como produto artificial da fé dos primeiros crentes. Geralmente essa é a posição de uma fé mais intelectualizada, alimentada pelos resultados da exegese. Gente com iniciação teológica formal. Na contramão dessa posição, há aqueles para os quais os Evangelhos representam ipso facto a caminhada histórica de Jesus de Nazaré. Isto é, para esses, aqueles relatos correspondem aos fatos concretos de um determinado período de sua história. É o povo de fé simples, sem iniciação formal em teologia e que mal suspeita da existência de algo chamado exegese.

Numa posição que se poderia chamar de intermediária se situam aqueles que mesclam essas percepções e dizem que os evangelistas promoveram uma amálgama de elementos históricos com elementos não-históricos, frutos da fé. O símbolo dessa amálgama seria o próprio nome Jesus Cristo: Jesus representando os elementos históricos; Cristo representando os construtos não-históricos da fé.

Sem penetrar mais nessa discussão um tanto estéril, o que não se pode negar, qualquer que seja a posição assumida aí, é que os Evangelhos sejam produto da fascinação exercida por Jesus de Nazaré nas mentes das comunidades surgidas em torno do seu ideal. Em paralelo aos elementos da fé, da esperança messiânica, e mesmo dos ideais nacionalistas de Israel como motivadores para a redação desses escritos, os Evangelhos surgem também sob a força da fascinação provocada por Jesus de Nazaré naquelas testemunhas.

A perícope de Lucas 5,1-11 que se irá observar aqui, além de ser juntamente com os demais relatos evangélicos, produto da fascinação exercida por Jesus de Nazaré, constitui-se como relato mínimo dos porquês e do como esse poder fascinante foi exercido pelo jovem nazareno. A nosso ver, ela sintetiza elementos que permanecem eficazes como fatores fascinantes a fim de informar e alimentar a caminhada das comunidades e dos homens e mulheres que insistem na senda do discipulado ainda hoje.

Jesus de Nazaré permanece fascinante. Seu legado, seu sonho, sua companhia revivida e atualizada na comunhão dos discípulos de hoje, permanecem fascinantes. Por outro lado, nenhum de nós pode negar que as instituições de todo tipo, mormente as religiosas, parecem reservar uma pulsão ontológica para a repetição acrítica como preservação da tradição. Tal impulso acaba por embotar a caminhada comunitária e pessoal com o enfado inerente a toda ausência de novidade e de criatividade. A rotinização da fé é uma maldição para a fé. Talvez o fascínio que emana de Jesus de Nazaré ajude a todos e todas a recuperarem o fulgor de um seguimento vivo, alegre, celebrante e espontâneo. Se não for atravessado pela fascinação, o discipulado poderá ser expressão de opressão existencial, oculta sob as formas das obrigações religiosas e institucionais.

Doravante, chamaremos de fascínio totalizante a esse poder que é concomitantemente destrutivo e construtivo. Porque somente à luz dessa idéia é que se pode compreender que Pedro, Tiago e João tenham “deixado tudo” (v. 11) a fim de que o discipulado lhe devorasse as vidas. O fascínio totalizante é destrutivo porque faz ruir antigas visões de mundo, junto com toda esperança que delas deriva. Mas é também construtivo, visto que no lugar disso edifica a esperança que se funda no sonho do Reino de Deus e em tudo que lhe é peculiar.

1. O fascínio totalizante nasce de uma palavra cheia de vida e de amor (v. 1-3)

A palavra é fio condutor das relações humanas. Ao mesmo tempo em que é veículo de significados, a palavra é a própria forma concreta com que o significado existe. De outra forma, nenhum significado é imparcial e totalmente estéril do ponto de vista afetivo. A palavra, qualquer que seja o contexto onde se dê, comunica e encarna afetos, para além do seu significado. Se digo “casa”, não comunico apenas um significado que remeterá às imagens correlatas com as quais identificamos esse ente. Ao dizer “casa”, além disso, evoco a afetividade apegada à imagem que a casa comporta para quem me ouve: afago, proteção, descanso, miséria, tormento, humilhação, e etc.

Fundamentalmente a palavra e o discurso podem se articular sob duas expressões: uma dirigida pelo caráter conceitual/digital, e outra dirigida pelo caráter imagético/icônico. Essas expressões da palavra e do discurso não são antagônicas. São derivações inerentes à própria comunicação humana. As culturas orientais, tais como a própria cultura judaica, sempre foram notoriamente caracterizadas pela articulação imagético/icônica da palavra. Por exemplo, se desejo dizer quem é Deus, evoco uma imagem que melhor exprima minha percepção: Deus é o Leão da Tribo de Judá. Já a articulação conceitual/digital da palavra e do discurso, embora tenha fortes raízes entre os antigos gregos, é um dos desenvolvimentos da modernidade e particularmente do projeto positivista no que diz respeito à descrição do mundo. Por exemplo, se desejo dizer quem é Deus, faço-o por meio de conceitos objetivos, neutros e frios: Deus é o fundamento do Ser.

Logicamente a linguagem imagético/icônica comporta maior possibilidade de afetividade em relação à linguagem conceitual/digital. Dificilmente nos emocionamos perante a leitura de uma dissertação científica. As teses, dissertações e monografias, ao custo da eficácia, devem pagar o preço da frieza e da imparcialidade afetiva. Por outro lado, é comum que nos emocionemos perante um breve trecho de poesia, porque perpassado por imagens que fazem eco no interior de nosso ser. Acessam mais facilmente as “zonas quentes” de nossa personalidade.

Jesus de Nazaré, fiel à cultura do entorno, foi prolixo no uso de uma linguagem imagético/icônica cheia de vida e amor. No lago de Genesaré, no barco emprestado de Pedro (v. 3), exerce um dos papéis mais recorrentes de sua atividade: o de didáskalos – mestre das multidões.

A sua palavra carregada de vida e amor, ou a sua palavra que deriva de uma vida de amor, é uma palavra fascinante. É palavra fascinante capaz de aguçar o senso crítico perante outras palavras, pois é palavra dita “com autoridade”, a despeito da palavra que diziam os teólogos (Mt 7,29). É palavra fascinante porque redescobre a santidade do cotidiano do povo pobre. À luz dessa palavra fascinante não é sacrílego que se compare o Reino de Deus, por exemplo, com uma mulher que perde e procura uma moeda dentro de casa (Lc 15,8-10). Fascina, portanto, porque devolve ao povo pobre uma dignidade de dimensões inauditas: Deus e seu mistério lhe são tão próximos que podem ser a eles comparados. É palavra fascinante porque rejeita o logocentrismo e a verbolatria, vícios da religião organizada. O mistério de Deus e de sua vontade – para além do que informa a Lei – reverberam nas imagens proporcionadas pela natureza: entre as aves do céu e os lírios dos campos, por exemplo (Mt 6,25-33).

Geralmente, o caminho da religião organizada faz com que a vida sirva à palavra. Também no barco de Pedro se presentifica a inversão desse vício. A palavra de Jesus de Nazaré é fascinante porque é palavra que serve à vida. Daí deriva a liberdade interpretativa de Jesus perante a Lei: “ouvistes o que foi dito aos antigos, mas eu vos digo...”. Se o povo se aglomera junto ao lago de Genesaré (e em muitos outros lugares) para ouvir e dar assentimento a essa palavra fascinante que serve à vida, é porque já doíam as algemas de uma vida subserviente à palavra da religião. Portanto, essa palavra é fascinante porque é palavra libertadora e emancipadora.

Por todos esses motivos a palavra e o ensino de Jesus de Nazaré são portadores do fascínio totalizante. É ela que, em primeiro lugar, fundamenta o “deixaram tudo” de Pedro, Tiago e João. É essa palavra, em primeiro lugar, que veicula e encarna o fascínio totalizante de Jesus de Nazaré.

2. O fascínio totalizante cresce em meio ao milagre (v. 4-7)

Definitivamente eu não desejaria me envolver numa discussão acerca da legitimidade dos milagres descritos nos Evangelhos. Sim, é verdade que a sociedade na qual viveu Jesus de Nazaré era uma “sociedade milagreira”, como afirmava José Comblin. Se tomarmos a mentalidade de nosso tempo como referência, também é correto dizer com Bultmann que aqueles dias eram caracterizados pela hegemonia de uma visão pré-cientifica do mundo, onde os relatos de milagres e intervenções divinas faziam parte do cotidiano das pessoas.

Não obstante, nenhuma dessas opiniões é suficiente para obstaculizar a possibilidade do milagre. Mais ainda: a fé em Deus traz a possibilidade do milagre na sua raiz. Confessar a fé em Deus é, desde já, confessar que esse mundo está aberto à transcendência. Portanto, é contraditório confessar a fé em Deus e obstaculizar definitivamente a possibilidade do milagre.

Sendo assim, o que nos importa aqui não é tanto a legitimação da historicidade do fato. Nem os autores dessas narrativas se esforçaram para isso. Simplesmente narraram! A evidência dos fatos repousa sobre a própria força da narrativa. Então, o que nos importa aqui é o sentido que a narrativa evoca, e esse sentido é: o milagre reforça o fascínio exercido pela palavra dita por Jesus no barco!

Mas por que o milagre fascina? O que justifica dizer que o milagre também veicula um fascínio totalizante capaz de fazer aqueles pescadores “deixarem tudo”?

Uma resposta rápida seria a de que o milagre fascina por seu poder visual. É verdade! Eu também me fascinaria diante dos peixes transbordando de uma hora para outra no barco depois de uma longa noite de trabalho debalde no lago de Genesaré (v. 6-7). Eu babaria perante uma mão atrofiada que se recompõe à sua postura normal num segundo. Eu não saberia o que dizer perante alguém que diante de mim caminha sobre as águas. Eu permaneceria estupefato por uma semana se presenciasse a cura instantânea de um leproso, de um paralítico ou de um cego de nascença. O milagre fascina, portanto, já pelo poder visual que se diferencia de toda normalidade da vida. Mas isso não é tudo. É somente a dimensão superficial do fascínio que o milagre exerce.

Mais profundamente, o milagre fascina por sinalizar a abertura de nosso mundo ao transcendente. O milagre não é a única maneira de dizer isso, mas é uma das possibilidades. A oração, mesmo aquela não atendida, é milagre, porque se funda na mesma lógica: a de que não há obstáculos em relação à transcendência! Em linguagem bíblica, tanto o milagre quanto a oração são vaticínios de que “o véu da separação se rasgou de alto a baixo”. Por isso oro! Oro porque, conforme o milagre sinaliza, a cisão entre transcendência e imanência já não faz mais sentido.

Outra questão sobre o milagre necessita ser dita.

Tornou-se senso comum entre crentes de todas as confissões (e mesmo entre teólogos notáveis!) a idéia de que o milagre é um recurso de última instância. Em outras palavras, o lugar do milagre estaria na incapacidade humana, no extremo das suas impossibilidades. O milagre ocorreria quando já não houvesse recursos disponíveis no plano habitual das coisas. Dietrich Bonhoeffer se opunha a essa idéia ferrenhamente. Dizia ele que aí se trata de um deus ex machina, ou seja, de um “deus que sai da máquina” quando a força humana termina. Também dizia que Deus (e o milagre) deve sair dos extremos e vir para o centro da vida. O milagre, enquanto a abertura do mundo à transcendência, não se dá somente nos extremos das impossibilidades humanas, mas também se dá nos interstícios do cotidiano a fim de fascinar, de reforçar a confiança e de legitimar a parceria de Deus junto ao ser humano.

O milagre da perícope que nos ocupa ratifica essa noção. Ocorre no centro da vida, e não nos extremos das impossibilidades humanas. Embora o trabalho de toda uma noite não tivesse logrado sucesso, Pedro, Tiago e João não estavam definitivamente impossibilitados do sucesso da pescaria. O fracasso de uma noite poderia ser sucedido pelo sucesso da próxima. Não se trata, portanto, de algo “impossível” o milagre que Jesus realiza. Trata-se de algo perfeitamente “possível” e até “provável”.

É justamente por causa dessa parceria incondicional – nos possíveis e nos impossíveis da vida – que o milagre é fonte de um fascínio totalizante e arrebatador. Os discípulos “deixam tudo” justamente porque o milagre de Jesus aponta para uma inserção de Deus em todo o cotidiano, e não somente nos extremos da vida. Junto com o fascínio de uma palavra cheia de vida e amor, o milagre faz crescer esse poder arrebatador que temos adjetivado de fascínio totalizante.

3. O fascínio totalizante se consolida no seguimento e no discipulado (v. 8-11)

O seguimento e o discipulado surgem como efeitos diretos do fascínio exercido por Jesus de Nazaré por meio da palavra e do milagre.

“Deixar tudo” é uma profunda decisão existencial. É normal que “deixar tudo”, qualquer que seja o caso, seja uma atitude tomada com muita ponderação, como resultado de extensa reflexão pessoal. Mas nada disso esteve implicado no episódio, posto que não houve tempo. Então, o mais correto seria dizer que Pedro, Tiago e João foram “arrebatados” por isso que temos chamado de fascínio totalizante presente em Jesus de Nazaré.

Todavia, o texto também indica que essa não foi a reação súbita daqueles pescadores. Certamente marcados pelo imaginário religioso popular, a reação súbita é um senso de indignidade diante de alguém tão especial. Dessa forma, Pedro pede que Jesus se afaste dali (v. 8). Talvez essa atitude corrobore a suspeita posterior de Rudolf Otto, de que ninguém atravessa a experiência do sagrado sem o sentimento de estar diante de um mistério tremendo e fascinante. Ao mesmo tempo em que o sagrado atrai por meio de um fascínio peculiar, ele também repele por meio de um assombro peculiar, psicologicamente traduzido num sentimento de auto-depreciação. Também Isaías parece ter experimentado a dimensão de mistério tremendo do sagrado: “estou perdido, porque sou um homem de lábios impuros e habito no meio de um povo impuro” (Is 6,5).

Todavia, o que recebem como resposta é algo de fato surpreendente. O fascínio antes exercido por meio da palavra e do milagre se plenifica no interesse pessoal que Jesus de Nazaré expressa por aqueles pescadores.

Mas a adesão ao discipulado e o seguimento súbito e incondicional não reservam um poder per se. Isso porque estão imbricados aí um elemento objetivo e um elemento subjetivo nesse ato. O elemento objetivo é a própria causa à qual estão sendo arrastados. É o fator externo da questão. Esse elemento é objetivo porque não procede dos próprios pescadores. Antes, está dado a eles de fora. O elemento subjetivo, por sua vez, é a possibilidade de “encontro com o sentido da existência” que se caracteriza como uma pulsão universal, embora encontre as mais diversificadas respostas. Em outras palavras, se Pedro, Tiago e João são capazes de “deixar tudo e seguir a Jesus”, é porque essa exigência de suas personalidades (a busca de sentido) foi aplacada mediante o fascínio totalizante que Jesus de Nazaré havia exercido sobre eles.

É inegável que encontrar o sentido para a existência humana é uma exigência de nossa personalidade. Mesmo o sujeito que diz “a vida não possui sentido” acabou de professar um dos possíveis sentidos para ela. Quer acreditem que o sentido da vida seja uma responsabilidade de cada pessoa (como os filósofos existencialistas), quer acreditem que o sentido da vida é objetivamente verificável em alguma religião, filosofia ou ideologia, viver em conformidade com isso é um poderoso elemento de integração da personalidade. A anomia de viver num “mundo sem sentido” ou de “perder o sentido da existência” é sempre um fator de desintegração do ego. O suicídio, em média, permanece como um ótimo exemplo disso.

O seguimento de Jesus, para além de seus aspectos objetivos, resolve um dilema subjetivo ao posicionar Pedro, Tiago e João num lugar específico no mundo: “vocês serão pescadores de homens” (v. 10). O peculiar do episódio narrado é que esses pescadores já exerciam o que hoje chamamos sociologicamente de papéis sociais. Eram pescadores. Entretanto, como podemos ver, os papéis sociais nem sempre se prestam a integrar a personalidade e aplacar a sua exigência por sentido. Se assim fosse, Pedro, Tiago e João teriam permanecido no exercício de sua atividade. Abandonaram-na porque foram expostos a um apelo maior que relativizou tudo o mais. Abandonaram-na porque foram fisgados por um fascínio incomum e extra-ordinário, porque totalizante.

Conclusão

O caminho de Jesus é uma proposta para encher a vida de encanto. É um caminho que nasce do encanto, do espanto, e de uma fascinação que chamamos de totalizante, e que se traduz numa entrega existencial capaz de “deixar tudo” a fim de segui-lo.

A maioria daqueles que entre nós abraçou o caminho de Jesus e se inscreveu na vereda do discipulado, o fez pelas diferentes vias institucionais. E eis aqui um dilema não confessado, mas presente e real. Pois o próprio Jesus de Nazaré fez seu caminho histórico desatrelado das formas institucionais da religião em seus dias. Seu movimento foi periférico, marginal, desviante e subversivo. A palavra servindo à vida, o discipulado de iguais (mulheres e homens), a intimidade não-mediada com o Abba, a legitimidade da experiência de fé dos “pagãos”, a percepção de um Deus visível no cotidiano do povo pobre, e muitos outros elementos da práxis de Jesus de Nazaré são todos exemplos claros do caráter subversivo de sua proposta.

O elemento fascinante de sua práxis compõe a arché (o princípio) do discipulado daqueles que iam abraçando seu caminho. Uma vez que nesse caminho não existem os rigores e as obrigações institucionais (lembremos, é esse o espírito que mantém viva a dinâmica institucional), o fascínio acaba sendo uma das forças que mantém viva a esperança do Reino de Deus. Nesse sentido, os Evangelhos constituem o testemunho de como Jesus de Nazaré manteve coeso por meio de atos fascinantes um grupo de homens e mulheres crentes.

Nossa confissão sincera é a de que não é nada fácil atualizar essa experiência no interior da instituição. A lógica desta é outra. Seus vícios são poderosos e seus ranços já mortificaram boa parte daquilo que deveria ser expressão espontânea de um discipulado vibrante e alegre, cheio de vida e de amor verdadeiros.

A despeito disso tudo Jesus de Nazaré e seu caminho permanecem fascinantes. Homens e mulheres, ainda que na realidade institucional de suas igrejas, podem à luz de tamanho poder encher sua espiritualidade de amor, de vida e de alegria. O fascínio totalizante mediado pela palavra e pelo milagre (entre os quais o maior de todos é o da Graça) pode infundir nova vitalidade ao caminho que abraçaram. Homens e mulheres cujos papéis sociais não satisfazem a exigência de suas personalidades por sentido, ainda podem dar nova e plena orientação às suas existências.

sábado, 21 de fevereiro de 2009

OUTRA EVANGELIZAÇÃO E OUTRA MISSÃO


Pistas para uma ação eclesial/pastoral pertinente e libertadora

Introduzindo

É enorme o desafio que os/as pastores/pastoras e líderes protestantes têm no Brasil em termos de missão. Como essas igrejas não contam com uma estrutura unificada como no catolicismo, cabe a cada uma delas elaborar por si mesmas essas reavaliações. O Brasil dispõe de todos os aspectos negativos que convocam à vivência de um evangelho mais integrado e inserido socialmente. Perduram entre nós os piores indicadores sociais, resumidos na péssima distribuição de renda, na péssima ocupação da terra e o conseqüente problema da habitação, na criminalidade galopante, nas péssimas condições de saúde da maioria da população, acrescidos ao insistente problema da educação.

Todos esses indicadores sociais desfavoráveis ganham realce na realidade urbana. Ali os contrastes deixam de ser estatísticas frias e assumem as cores vivas e quentes em imagens que nos enchem de indignação e retratam fielmente os níveis de desigualdade que grassam em nossa sociedade. Em minha opinião, é profundamente escandalizador que essa realidade toda não conste em nossos programas missionários. Mais ainda, a ausência dessa inserção denuncia silenciosamente que a alcunha de “evangélicos” é usurpação do termo. Qualquer leitura atenta dos Evangelhos evidenciará que o alvo da libertação é todo o homem e o homem todo, incluindo a realidade que lhe cerca[1].

1. Caminhos de uma evangelização/missão integral, pertinente e libertadora

1.1 A dimensão e o alvo subjetivo da evangelização/missão

Para que não transpareça a idéia de que essas igrejas devem diluir sua identidade em função dos desafios sociais, cabe iniciar essas pistas à pastoral relativas à reelaborarão do conceito de missão dizendo que permanece sendo imprescindível a dimensão do anúncio das Boas Novas do Evangelho ao homem como sujeito, pecador e carente de redenção pessoal. Não prescindimos da idéia de que a experiência do Evangelho se configura como um chamado pessoal a cada homem e a cada mulher.

Como o fermento que leveda toda massa, a partir dos encontros pessoais esse projeto de uma nova sociedade vai ganhando corpo, e a antecipação histórica do reino pode ir sendo ensaiada. O homem, sujeito privado e solitário em sua experiência pessoal, necessita conectar-se novamente à fonte de onde se encontra alienado e distante, e essa experiência só se dá no nível da subjetividade, jamais podendo resultar de esforços objetivos a ele impostos.

É como convicção pessoal e alimentado somente por isso que o sujeito pode compreender e cooperar nesse plano maior que prevê uma nova realidade. Não se consegue isso por procuração nem por objetivações de quaisquer espécies. Por tudo isso é imprescindível aquele modelo de evangelização sujeito a sujeito, onde os aspectos da redenção pessoal são enfatizados. Essa é, a meu ver, uma das conquistas perenes do Protestantismo e nenhum programa de revisão do conceito de missão pode prescindir dela.

1.2 Ampliando o alvo da evangelização/missão

Todavia, aos teólogos/teólogas, pastores/pastoras e líderes que conduzem essas igrejas já extrapolou o momento de perceberem que tal modelo de evangelização é somente um dos aspectos da missão, não sendo nem mesmo o prioritário, já que não há hierarquias e prioridades na missão eclesial conforme os Evangelhos.

Caso as igrejas compreendam a si mesmas não mais como concretizações do reino, mas como ensaios antecipatórios da nova humanidade, o conceito de missão e de evangelização necessitará elastecer-se. Reiteramos a sugestão de Yves Congar quanto à necessidade de que as igrejas têm de “enfronhar-se dos verdadeiros problemas do mundo atual e esforçar-se por esboçar uma resposta, abrindo novo capítulo de epistemologia teológico-pastoral. Em vez de partir unicamente do dado da revelação ou da tradição, como geralmente o fez a teologia clássica, deverá partir de fatos e indagações, recebidos do mundo e da história”.

A missão deverá incluir uma reverberação das dores do mundo no interior das igrejas. Em linguagem bíblica trata-se de “se alegrar com os que se alegram e chorar com os que choram” (Romanos 12,15), e em nosso caso os motivos são muitos mais abundantes quando se trata de chorar com os que choram. O modelo missionário fundado no arquétipo da Arca de Noé – bem vivo nas igrejas do protestantismo evangélico brasileiro – onde a Igreja “flutua em direção à salvação sobre as ondas bravias da humanidade” deve ser abandonado. No lugar dele, urge a irrupção de um modelo onde as igrejas “mergulhem nas águas e sintam junto com os demais a possibilidade da morte”, e assim sintam-se motivadas a dar sua contribuição conjunta na salvação de todos. Mas, na prática, como é possível seguir a indicação de Congar e enfronhar-se dos verdadeiros problemas humanos?

2. Articulação prática de uma evangelização/missão integral

2.1 As bases teórico-epistemológicas da nova evangelização/missão

Primeiro, tal tarefa só é possível a partir de um conhecimento lúcido das chagas estruturais que afligem a sociedade. Cada contexto particular apresentará uma configuração distinta que merecerá tratamento diferenciado. Isso, entretanto, não se faz sem um adequado instrumental de análise.

Tradicionalmente a Filosofia sempre constou como parceira privilegiada no diálogo com a fé e com a Teologia. A partir da década de 1950 teólogos protestantes se deram conta de que a Filosofia havia se tornado insuficiente enquanto parceira epistemológica da fé para confrontar a realidade de cativeiro, de subdesenvolvimento e de dominação em que se encontravam os países latino-americanos. Desde então as Ciências Sociais têm sido encaradas como o instrumental analítico que mais se adequada à perspectiva cristã e evangélica de leitura da nossa realidade continental.

As Ciências Sociais compreendem em seu quadro a Sociologia, a Economia e a Ciência Política. Os dados que essas análises fornecem acerca da realidade social são extremamente fecundos para a Teologia e para a missão engajada por dois motivos: (1) por descreverem qualitativa e quantitativamente as anomalias sociais com dados estatísticos e análises especializadas; (2) e, além disso, por apresentarem as causas estruturais das disfunções sociais. Pastores/pastoras e líderes fazem muito bem em acessar a esses dados e pesquisas.

Perverterão assim seu chamado e vocação? De nenhum jeito! Instrumentalizarão o Evangelho em função de causas estranhas? De forma alguma! Do contrário, se utilizarão de instrumental analítico especializado que converge para os mesmos temas e prioridades evangélicos: a dignidade da pessoa humana (e da sociedade) como imagem de Deus[2].

2.2 Caminhos para uma práxis eclesial engajada, pertinente e libertadora

Em seguida a esse momento de leitura da realidade mediado pelos devidos instrumentais de análise, pode-se empreender um programa de inserção nas instâncias organizadas da sociedade civil. Tem sido uma enorme tentação para líderes evangélicos optarem pela inserção na institucionalidade político-partidária. Quero evitar toda polêmica em torno dessa atitude e apontar as institucionlidades organizadas da sociedade civil com outra via de inserção social, tais como as ONG’s, as associações de bairros, os centros comunitários, os Conselhos Municipais de Saúde e Educação e etc.

Em minha maneira de ver, a inserção social por essa via oferece algumas vantagens de ordem prática e de ordem moral. Do ponto de vista da práxis, a presença de pastores e pastoras nessas organizações põe-nos diretamente conectados com a realidade popular. Nesses encontros e reuniões tem-se a oportunidade de ouvirem-se relatos, partilhar-se idéias, dividirem-se anseios pessoais e comunitários que podem lançar pistas interessantes à uma práxis engajada e relevante.

Já do ponto de vista moral, a inserção nessas instâncias da sociedade civil por parte de pastores e pastoras proporciona menos chances de corrupção pessoal ou de submissão a ideologias contrastantes com a ideologia pessoal do pastor ou da pastora. Num contexto de desconfiança crescente no tocante à idoneidade das autoridades religiosas, isso não deixa de ser uma grande vantagem. Não obstante, não compreendemos essa tarefa como sendo exclusiva a pastores/pastoras e líderes. Na verdade, trata-se de um chamado concomitante a toda comunidade de fé, incluindo aqueles e aquelas que não possuem status de liderança.

Tudo isso implica no rompimento de uma das históricas dificuldades das igrejas que compõem o protestantismo evangélico no Brasil: a eliminação das fronteiras entre igreja e sociedade. Nesse imaginário subjaz ainda a imagem da Arca de Noé, da Cidade de Deus em antagonismo com a cidade dos homens, para usar linguajem agostiniana[3]. Uma honesta reavaliação do conceito eclesiológico de missão deve levar esse problema em consideração.

Constitui escândalo o fato de que os “sem voz” não encontrem na comunidade do Evangelho lugar para sua voz. Falam ali o catedrático, o diplomado, o candidato, mesmo quando não são membros formais. Não falariam também aqueles a quem Jesus comparou a si próprio? Não falariam ali o pobre, o nu, o doente, o forasteiro, com quem Jesus identificou-se diretamente (Mateus 25,31-46)?

É dever de pastores/pastoras e líderes abrir esse capítulo da dinâmica de suas comunidades. Afinal, creio que seja veraz a afirmativa de que “a Igreja, em muitas partes, constitui o único lugar legal onde se pode exercer a palavra livre e crítica, e onde se podem realizar os laços mínimos de sociabilidade” (Leonardo Boff). Se isso já vem acontecendo em termos das “membresias” das igrejas locais, por que não estendê-lo à comunidade como um todo? Também as experiências que já se fazem nesse sentido têm-se mostrado profundamente profícuas, e em lugar de corromperem o Evangelho, resgatam sua dimensão profético-periférica e fontal junto aos pobres.

Concluindo

Para finalizar essa seção de pistas à missão eclesial-pastoral, sugere-se aos pastores/pastoras a promoção sistemática de atividades práticas que não só remediem os fatos da desintegração social, como a pobreza, o analfabetismo, a fome e o problema das drogas, por exemplo, mas também previnam contra esses fatos e promovam libertação.

Essas atividades podem constar do cronograma eclesial, assim como constam as atividades evangelísticas e discipulares. Geralmente essas igrejas contam em seu quadro de membros com profissionais de áreas específicas que podem oferecer seus serviços nessas atividades, como médicos/médicas, enfermeiros/enfermeiras, assistentes sociais, e etc.

É dessa forma que a comunidade eclesial vai construindo paulatinamente uma práxis integrada e relevante, e vai se tornando parceira da comunidade como um todo no processo de humanização condizente com o Evangelho.

O pentecostalismo parece ter invertido a fórmula basilar da Teologia da Libertação, que versava sobre a opção preferencial pelos pobres. Tem-se dito que a Teologia da Libertação fez opção preferencial pelos pobres e os pobres fizeram opção preferencial pelo pentecostalismo. Não seria o momento de uma nova inversão preferencial de todo protestantismo evangélico brasileiro em relação aos pobres?


[1] Cf. René PADILLA. Missão integral – Ensaios sobre o Reino e a Missão. Londrina: Melhoramentos: 2003

[2] Um exemplo da utilização do instrumental analítico vindo das ciências sociais extraído da realidade alagoana é o recente trabalho do economista maceioense José Fernando LIRA. Formação da riqueza e da pobreza de Alagoas. Maceió: EDUFAL, 2007. Aí se elucida a relação entre o setor sulcroalcooleiro, hegemônico no contexto da economia estadual, e a construção histórica da sociedade alagoana. A tese do autor ali se resume nessas linhas: “Sua identidade [a de Alagoas] foi construída através das imposições de um setor agroindustrial dominante, cuja elite desenvolveu formas de controle rígido e antidemocrático, apropriado aos seus interesses econômicos e de poder. Esse poder que, ao definir suas prioridades, privilegiou uns poucos e excluiu o grosso da população da riqueza gerada, é um poder autocrático, porque gera um ambiente econômico, social e político que dificulta a acumulação de capital social e humano, bem como o acesso aos meios de sobrevivência à maioria da população” (p. 6).

[3] Uma das versões dos Princípios Batistas, justamente a adotada pela Convenção Batista Brasileira, ainda adota a compreensão dos dois mundos para descrever a relação da Igreja com a sociedade. Vide ali o tópico 3, A vida cristã, subtópico 3.3, em www.batistas.org.br.

domingo, 8 de fevereiro de 2009

QUEM PROFETIZA FALA AOS HOMENS


Em memória do centenário do nascimento de Dom Helder Câmara


No último dia 7 de fevereiro de 2009, deu-se o centenário do nascimento de Dom Helder Câmara. Nascido a 7 de fevereiro de 1909, Dom Helder partiu em 28 de agosto de 1999, aos 90 anos de idade, na cidade do Recife. Minha esposa teve o enorme privilégio de conhecê-lo pessoalmente enquanto ela cultivava a espiritualidade católica no Convento das Irmãs Sacramentinas em Feira de Santana. Para mim, de outra forma, a existência de Dom Helder passou despercebida por muito tempo.

Só o conheci por meio dos livros. Especialmente por meio de um livro – Helder, o Dom – que adquiri num sebo ambulante instalado na porta do pavilhão do curso de Filosofia, na Universidade Estadual de Santa Cruz (Ilhéus-BA). Até hoje essa coletânea de artigos dedicados à sua memória permanece como uma das coisas mais instigantes e impactantes que eu já li.

Há uns quatro anos pude visitar seu túmulo situado no interior da Catedral da Sé, em Olinda-PE. Em sua lápide se encontram essas palavras: “O profeta do século 20”. É forçoso que nós, cristãos brasileiros protestantes e católicos, reconheçamos a verdade dessa declaração.

A tradição profética veterotestamentária é pródiga em sinalizar os distintivos de um autêntico profeta. No entanto, também aprecio sobremaneira a forma pontual com que Paulo tratou a questão. Em um dos argumentos usados na polêmica contra os pneumáticos (espirituais) de Corinto, Paulo simplesmente apela para o fato de que “quem fala em língua estranha fala em mistérios com Deus, mas quem profetiza fala aos homens para edificá-los, exortá-los e consolá-los” (1Co 14,2-3).

Noutras palavras, o profeta é servo de Deus na medida em que serve aos homens com e através da Palavra de Deus. Portanto, é servo de Deus e dos homens concomitantemente. Por meio da Palavra, edifica onde há aridez de amor, de fé e de esperança. Exorta os opressores a que se convertam de sua práxis opressora. E consola os oprimidos, mas não superficialmente, e sim lhes fazendo enxergar a oportunidade de serem artífices de seus próprios destinos, isto é, de forjarem sua libertação na companhia de Deus.

Fazendo alusão às expectativas construídas após a eleição de Obama, Jung Mo Sung dizia num artigo recente que os homens necessitam de “pessoas-símbolo” para animarem seus projetos utópicos e libertários. Fazia alusão a Rosa Parks e a Martin Luther King Jr. como exemplos de pessoas-símbolo da luta racial nos Estados Unidos. No Brasil, poderíamos dizer que Dom Helder tornou-se uma dessas pessoas-símbolo quando se trata de alimentar, perseverar e animar uma práxis evangélica articulada com o tema da opção preferencial pelos sem vez/voz. Recebeu os epítetos de “bispo das favelas”, “voz dos sem-voz”, “advogado do Terceiro Mundo”, “profeta da Igreja dos pobres”, “apóstolo da não-violência”, “bispo-vermelho”, entre outros. Dizia preferir o de “irmão dos pobres e meu irmão”, dado a ele por João Paulo II.

Aqui eu não desejo fazer uma resenha de sua biografia. Há amplo material bibliográfico e eletrônico disponível. Eu desejo somente, à luz do critério paulino, resgatar pequenos fragmentos do profetismo de Dom Helder. Porque ele “falou aos homens para edificá-los, exortá-los e consolá-los”.

Falou aos homens acerca da essência humana e cristológica das realidades sacramentais:

“Há uma Eucaristia no santo sacramento: a presença viva do Cristo, sob as aparências do pão e do vinho. Há também a outra Eucaristia, a Eucaristia do pobre: aparência de miséria? Realidade do Cristo!”

Falou aos homens acerca do poder da bondade e de seu triunfo e eficácia perante a violência:

“É mais fácil estar no ódio do que na bondade. Somente os fortes – fortes pela graça do Senhor – podem manter-se verdadeiramente na bondade. E é curioso como os poderosos da terra temem a bondade...”

Falou aos homens sobre a necessidade de não se renderem aos estreitamentos da realidade:

“Nunca se deve temer a utopia. Agrada-me dizer e repetir: quando se sonha só, é um simples sonho, quando muitos sonham o mesmo sonho, é já a realidade. A utopia partilhada é a mola da história”.

Falou aos homens sobre uma atitude inteligente e visionária ante a juventude:

“Demos à juventude, enquanto é tempo, um crédito de confiança, corajoso e ilimitado. Os jovens não aceitam uma confiança pela metade. Enfim, meus irmãos adultos: os jovens são ou não são vossos filhos? No dia em que a juventude for comedida, prudente e fria como a velhice, o país morrerá de tédio”.

Falou aos homens de igreja sobre a coragem de não negligenciarem as posições que assumiram:

“Fala-se muito em crise de autoridade na Igreja, e mesmo crise de fé. Minha experiência pessoal permite-me afirmar que há uma crise de autoridade, sobretudo quando as autoridades não têm a coragem de aceitar as conseqüências das opções que estudaram, deliberaram, votaram e assinaram”.

Falou aos homens de igreja sobre a primazia do testemunho eclesiástico:

“Se não estou enganado, nós, homens de Igreja, deveríamos realizar dentro dela aquelas mudanças que exigimos da sociedade”.

Falou aos homens de igreja sobre a primazia do serviço e sobre a benção da pluralidade:

“Nós, os excelentíssimos, estamos necessitados de uma excelentíssima reforma! Basta de uma Igreja que quer ser servida; que exige ser sempre a primeira; que não tem o realismo e a humildade de aceitar a condição do pluralismo religioso...”

Falou aos homens sobre as dimensões não-institucionais do amor de Deus:

“Os que não crêem têm em comum com os que crêem que o Senhor acredita neles. Será a surpresa de cristãos e de católicos quando virem que não entrarão sozinhos na casa do Pai... Porque o coração do Pai é muito maior que os registros de todas as nossas paróquias, e que o Espírito do Pai sopra por toda parte, mesmo lá onde os missionários ainda não aportaram!”.

Falou aos homens sobre a extensão da missão evangélica:

“Porque a fome, a miséria, são conseqüências das estruturas de injustiça, o Senhor exige de nós a denúncia das injustiças. Isso faz parte do anúncio da Palavra”.

Por fim, falou aos homens sobre as razões profundas do exercício da espiritualidade:

“Se Deus é verdadeiramente Deus e verdadeiramente Pai, que necessidade tem de nossas preces? Não é porque oramos menos que ele será menos Deus, menos Pai, menos perfeito! Nós é que temos necessidade de orar, porque se não mergulhamos no Senhor, esquecemos nosso próximo e nos tornamos tão inumanos...”.

Que tenhamos em mente o fato de que Dom Helder não foi um teólogo de gabinete, enclausurado em meio a muitos livros, e teorizando distante da realidade de miséria do povo. Esses excertos todos expressam textualmente uma práxis viva, labutadora e orante de um nordestino (cearense) que, de acordo que Paulo Evaristo Arns “terá seu nome lembrado junto com o dos apóstolos mais insignes de todas as gerações que souberam honrar o Brasil e usar o carisma de defensor da paz e da justiça para os filhos de Deus”.