sábado, 2 de abril de 2016

SOBRE A ARTE DE DESVINCULAR-SE


Você já parou pra pensar na qualidade dos seus vínculos humanos? Me refiro aos vínculos familiares, profissionais, e principalmente aos vínculos afetivos. Você já avaliou alguma vez a qualidade emocional desses seus vínculos?
O grande filósofo judeu Martin Buber (1878-1965) escreveu uma obra seminal, intitulada Eu e Tu (1923). Nela, Buber avalia esses vínculos humanos, e denuncia uma mania muito comum entre nós, que é a de estabelecer relações do tipo eu-isso. Nessas relações o outro é um "isso", um objeto, um fetiche, uma projeção do nosso desejo. O outro é tudo, menos um "tu". Essas são as relações sem alteridade.
Zygmunt Bauman (1925-), por sua vez, também nos ajudou a entender os vínculos humanos mais recentemente, com um livro gostoso chamado Amor líquido (2013). Segundo o autor, esse é um livro sobre a fragilidade dos laços humanos nesses dias atuais. Bauman explica que o fascínio das redes sociais não está nas conexões que elas possibilitam. O fascínio das novas redes está justamente na facilidade de desfazer vínculos, tamanha a fragilidade deles. Um clique e tudo resolvido! Já na vida off-line...
Hoje (02/04) eu realizei uma visita a uma pessoa querida, internada no hospital psiquiátrico José Lopes, aqui em Maceió. Lá, conheci outra pessoa, em profundo quadro depressivo, e descobri que o seu quadro havia se instalado após uma separação afetiva. Eu não sou especialista em nada, muito menos em saúde mental. Mas estou me especializando cada vez mais em fazer perguntas a partir das experiências que vivencio.
Para além de possíveis predisposições genéticas a certos transtornos mentais, que tipo de vínculo é esse que leva uma pessoa a afundar-se num quadro semi-catatônico, em função do fim de uma relação amorosa? Qual era a qualidade emocional desse vínculo afetivo? O outro dessa relação era um "tu" ou um "isso"?
Há um investimento cultural pesado sobre o estabelecimento de vínculos afetivos saudáveis. Isso é salutar e necessário. Mas acho que necessitaríamos do mesmo investimento na arte de desvincular-se. Desvincular, desapegar, superar separações, é algo que nunca se faz sem certo sofrimento e pesar. Flávio Gikovate explica que nossa dificuldade com as separações afetivas vem do fato de que toda ruptura desse nível tem cheiro de morte.
Em Mal-estar na civilização (1930) Freud chega a afirmar que "nunca nos encontramos tão indefesos contra o sofrimento como quando amamos, nunca tão desamparadamente infelizes como quando perdemos o nosso objeto amado ou o seu amor".
Mas, se criar vínculos afetivos saudáveis é necessário e urgente, talvez mais urgente seja aprendermos a arte de desvincular-se do modo mais digno, menos traumático, e menos violento do ponto de vista de nossa saúde mental e emocional. Nos relacionarmos com o outro como um "tu", e não como um "isso" parece ser um início interessante para o aprendizado da difícil arte de desvincular-se.