quinta-feira, 10 de setembro de 2015

A IDEIA DE DEUS EM FREUD E JUNG

Professor do Instituto de Psicologia (UFAL) tem obra difundida entre profissionais franceses


Rodrigo Barros Gewehr debate a ideia de Deus, de acordo com Jung e Freud
Jhonathan Pino - jornalista
Com livro lançado em maio deste ano, na França, pela editora L'Harmattan, o professor do Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Alagoas, Rodrigo Barros Gewehr, recentemente soube que sua obra L’Idée de Dieu chez Freud et Jung [A ideia de Deus em Freud e Jung] será tema de discussão na publicação francesa Cadernos Junguianos de Psicanálise. O ensaio está sendo escrito por Mariette Mignet, doutora em psicanálise e membro da Sociedade Francesa de Psicologia Analítica (SFPA) e deve sair neste segundo semestre.
Rodrigo relata que está aguardando a publicação para repensar a obra. “É importante, porque a partir da análise dela eu vou poder também repensar os argumentos que estão no livro. Ela é uma especialista na área, sobretudo no que diz respeito ao Jung. A partir da leitura que ela fizer e do que ela propuser nos estudos dela, eu vou poder também ampliar a discussão do meu texto, rever os argumentos e escrever a partir do que ela vai propor”, frisou o professor.
Fruto de seu doutorado, realizado entre 2008 e 2012, na Universidade Denis Diderot - Paris VII, o livro é “uma análise das teorias de Freud e Jung por meio da noção de Deus, da forma como eles usam esse conceito, com que propósito e que lugar essa ideia ocupa em suas teorias. A hipótese de fundo é que com esse conceito é possível entender como os dois autores pensavam a estrutura e funcionamento do aparelho psíquico, bem como a noção que tinham de ciência e de religião”, resumiu o pesquisador.
Rodrigo ressalta que o texto é de interface entre várias áreas das ciências humanas, como Filosofia, História, Teologia e, principalmente, Psicologia. Ele foi retrabalhado para que não ficasse em formato de tese acadêmica. “Penso que, embora técnico e, por vezes, minucioso, o texto pode ser lido por qualquer pessoa. Penso que o tema desperta grande interesse, e como se trata de um estudo comparado, com certo viés histórico, não são necessários grandes conhecimentos prévios para acompanhar o argumento”, ressaltou.
O autor diz que na França a obra tem encontrado boa receptividade entre psicólogos clínicos, “que não estão necessariamente ligados à universidade, mas que se interessam pela fundamentação teórica de suas práticas”, salientou Rodrigo
O docente lembra como é mais fácil publicar naquele país. “Os incentivos à publicação na França são muito maiores que aqui no Brasil. Aqui a gente sofre e muitas vezes as editoras cobram dos autores. Não é o caso na França. Por certo que quero publicar no Brasil, mas isso ainda depende de vários fatores”, lamentou.
A falta de tempo para traduzi-lo, além das dificuldades editorias impostas pelo mercado brasileiro colocam o projeto de traduzi-lo mais à frente, bem diferente da agilidade com que a editora parisiense teve, ao demonstrar interesse pela obra em 2014. “O contato foi feito por meio de uma amiga que também está com trabalho em vias de ser publicado, então eu enviei a proposta em texto para a editora, passou pela comissão editorial da coleção em estudos psicanalíticos. Daí então começou o período de revisão dos textos, que durou cerca de um ano”, detalhou.
Como está em língua estrangeira, Rodrigo disse que ainda não aplica a obra em suas disciplinas, embora alguns de seus alunos compreendam o francês. Mas o docente relata que parte das discussões são direcionadas pelas pesquisas ali presentes. “As reflexões contidas no trabalho fazem parte do que venho trabalhando com os estudantes, tanto nas disciplinas regulares, quanto no grupo de estudos que coordeno”, lembrou.
Outro detalhe da obra é o prefácio, que foi assinado por Christian Gaillard, psicanalista, membro didata da SFPA, que carrega em seu currículo a presidência desta instituição e da Associação Internacional de Psicologia Analítica (IAAP), além de anos de atuação como professor da Escola Nacional de Belas Artes de Paris.
O livro pode ser encontrado na página virtual da editora L'Harmattan, na Amazon.fr, na Fnac francesa e na Chapitre.

Fonte: http://www.ufal.edu.br/noticias/2015/08/professor-do-instituto-de-psicologia-tem-obra-difundida-entre-profissionais-franceses

terça-feira, 8 de setembro de 2015

QUEM TEM OUVIDOS, VEJA!

 Resenha de Vendo vozes: uma viagem ao mundo dos surdos 
(Oliver Sacks)
Vendo vozes: uma viagem ao mundo surdos é a tradução de Seeing voices: a journey into the world of the deaf, publicado originalmente no ano de 1989 pelo famoso neurologista Oliver Sacks, recentemente falecido. No Brasil, o livro tem sido publicado pela Companhia das Letras, e esta resenha foi escrita com base na edição de 2010, presente na série Companhia de Bolso. São 191 páginas de texto (com as notas de fim), e a tradução é de Laura Teixeira Motta. 


Em termos gerais, o livro apresenta algumas discussões relacionadas a um conjunto de pesquisas que tomam as surdezes pré-linguística e pós-linguística como objetos de estudo. A surdez pré-linguística, que pode ser congênita ou adquirida, é a estabelecida antes da fase de aquisição da linguagem oral, por volta dos dois anos. A surdez pós-linguística é a adquirida depois da fase em que os sujeitos já possuem fluência oral. Segundo Sacks, o título do livro foi sugerido por uma sobrinha, e deriva das palavras de Píramo a Tisbe: “Vejo uma voz [...]”.
O livro está organizado em três capítulos não intitulados.
No primeiro capítulo, o autor busca desenvolver uma espécie de genealogia das relações entre nossa cultura e a surdez. A força central nesse argumento de base histórica consiste em mostrar como a condição de surdez esteve relacionada a formas muito cruéis de exclusão. A história da surdez, especialmente da surdez pré-linguística, é uma história de exclusão e de calamidade, tanto no espaço público das interações sociais, quanto no espaço privado das relações familiares. Sacks chega a comparar os flagelos advindos da surdez com a condição de cegueira. A valorização da visão, enquanto um dos mais importantes sistemas sensoriais de contato com a realidade, faz pensar que sua privação seja o que há de pior no campo dos problemas perceptuais.
Segundo nosso autor, a surdez pré-linguística impõe ao sujeito uma condição muito mais severa e comprometedora que a cegueira, pois priva o sujeito, em parte, do mundo da linguagem, que é o que nos torna humanos.
A partir de relatos de casos clínicos, o autor discute os efeitos de diagnósticos tardios de surdez pré-linguística para as crianças. E não foram poucos, historicamente falando, os casos em que diagnósticos tardios de surdez pré-linguística induziram a diagnósticos equivocados de retardo mental. Excluídos do campo da linguagem verbal, e sem acesso à língua de sinais, muitas crianças foram consideradas retardadas sem o serem. Sacks também coloca em discussão as querelas entre aqueles que ele chama de “oralistas” e os defensores de uma educação na linguagem dos sinais para os surdos. Os oralistas partiam da crença na possibilidade do desenvolvimento da linguagem verbal nos surdos. Atrelados a uma visão normalizadora da ciência, pretendiam promover inclusão a partir da adaptação radical dos surdos ao mundo dos ouvintes. Negavam, portanto, a surdez como uma possibilidade de experiência sensorial peculiar. Toda a narrativa dá a entender que o autor do livro posiciona-se desfavoravelmente em relação à tendência oralista, e isso por razões que o resto do texto apresenta tacitamente.
O segundo capítulo, que de acordo com o autor é “o cerne do livro”, no meu modo de entender é o mais “neurológico” de todos. Isso porque é nele que Oliver Sacks apresenta um dos argumentos mais instigantes do livro: o de que a surdez proporciona uma compreensão muito interessante sobre as potencialidades do sistema nervoso humano. Na verdade, aqui o autor segue uma tendência peculiar em toda sua obra como escritor: a de que as patologias têm seu aspecto positivo, por revelar importantes elementos acerca do funcionamento da mente. Mais do que isso: elas podem ser expressões legítimas de outros modos de relação com a realidade, sem que necessitem ser “normalizadas”.
Em diálogo com a literatura médica e científica do momento, Sacks discute as implicações que as surdezes pré-linguística e pós-linguística têm para o reordenamento das funções dos hemisférios direito e esquerdo do cérebro. Seu argumento é o de que a surdez impõe uma forma de reordenamento das funções do sistema nervoso central, potencializando nos surdos certas sutilezas no processamento cortical de estímulos visuais que os ouvintes não possuem. É no contexto dessa discussão que o autor defende entusiasticamente o caráter da língua de sinais como uma língua sui generis, com estrutura gramatical e sintática próprias, e que exige processos neuronais muito peculiares. Isso coloca em cheque, segundo o autor, as visões simplistas que encaram as muitas línguas de sinais presentes no mundo como meras pantomimas relacionadas às línguas faladas.
O terceiro e último capítulo é o mais contemporâneo do livro, pois trata dos avanços políticos relacionados à surdez, especialmente no campo da Educação. Curiosamente, Oliver Sacks entende que as instituições religiosas estão entre aquelas poucas em que a linguagem dos sinais recebe a devida valorização. Há, inclusive, um relato de sua participação em um culto cristão todo realizado na Língua Americana de Sinais. Do ponto de vista das políticas públicas, a Venezuela e o Uruguai são descritos como os países latinoamericanos mais avançados nesse tocante, por apresentarem políticas voltadas para o ensino realizado na língua dos sinais para surdos.
Este último capítulo, entretanto, consiste quase que em sua totalidade em um diário de campo de um dos eventos paradigmáticos para as transformações políticas mais importantes em relação aos surdos na atualidade. Trata-se dos protestos ocorridos no ano de 1988 na instituição mais tradicional de formação universitária para os surdos nos Estados Unidos: a Gallaudet University, fundada por Edward Gallaudet ainda em 1817. Em síntese, os protestos giraram em torno da reinvindicação de um reitor surdo para a Gallaudet, o que nunca havia ocorrido em toda sua história. Os relatos coletados por Sacks, provindos das fontes à sua disposição, comparam esse evento ao Movimento pelos Direitos Civis, relacionados às políticas raciais nos Estados Unidos, na década de 1960.
Entretanto, a narrativa do protesto dos surdos na Gallaudet University, feita por Oliver Sacks, não é a exaltação da mera transformação nas relações hierárquicas de uma instituição. Com efeito, a eleição do primeiro reitor surdo na instituição universitária mais importante para surdos nos Estados Unidos remete à uma nova tomada de consciência, que consiste fundamentalmente na recusa da visão subserviente dos surdos em relação aos ouvintes e suas propostas de “inclusão”. Na compreensão de um surdo, relatada no livro por Oliver Sacks, estes devem ser considerados como “um único povo, com cultura própria, com língua própria, que os distingue das pessoas ouvintes”. O próprio Oliver Sacks, bem ao modo de um neurologista, vai falar dos surdos em todo o mundo como “um povo adaptado a outro modo sensorial”. Esse “outro modo”, tão legítimo quanto o modo-ouvinte, deve ser respeitado, e, porque não, celebrado.
Por razões óbvias o livro se dirige, em primeiro lugar, a todas as pessoas que lidam com surdos: profissionais da saúde, educadores, familiares etc. Mas eu acredito que a grande mensagem desse livro não é técnica, mas política. Isso faz com que seu público se amplie consideravelmente. Creio que precisamos lê-lo de olho em nosso próprio tempo. Desde que o livro foi escrito (1989), muita coisa mudou em relação a esse assunto, especialmente no campo das políticas públicas no Brasil. Desse modo, o livro nos ajuda a colocar em questão as formas de “inclusão” com as quais queremos nos engajar. Como se diz hoje com certa profusão, algumas inclusões são perversas. Não estão atentas à singularidade de certas experiências humanas. Incluem com base na norma, o que no fundo acirra a exclusão.
Conforme essa leitura, foi muito importante saber da existência de uma “cultura surda”, ou de uma “cultura dos surdos”. Há intelectuais surdos, escritores surdos, artistas surdos de um modo geral, e em demasia. Há comunidades exclusivamente surdas no mundo. Reconhecer a legitimidade desses outros modos de existência é fundamental para a criação de um tipo de sociedade em que ninguém seja invisível. Se o escritor sagrado dizia “quem tem ouvidos, ouça”, aqui precisaríamos dizer: “quem tem ouvidos, veja!”.
Uma última questão de caráter técnico. O livro possui ao todo 166 notas, organizadas separadamente como notas de fim. As notas do livro, em sua maioria, são explicativas, e quase sempre se alongam mais do que as próprias orações e parágrafos de onde partem no corpo no texto. A impressão que se tem é a de estar lendo dois livros. Isso pode tornar a leitura enfadonha e cansativa. Pessoalmente, eu incluiria essas notas no corpo do texto, por considerar que o conteúdo delas é fundamental às discussões apresentadas. Como é amplamente sabido, as notas de rodapé de um livro devem ser escritas de uma maneira que sejam dispensáveis. No caso de Vendo vozes, eu entendo que não são.

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

PSICOLOGIA E ESTADO LAICO

No dia 26 de agosto de 2015 o Conselho Federal de Psicologia (CFP) realizou um debate on line com o tema A atuação da Psicologia no Estado Laico. Você pode acompnhar todo o seminário no link abaixo.


segunda-feira, 30 de março de 2015

HOLOCAUSTO BRASILEIRO - Resenha

Para a maior parte das pessoas interessadas em Ciência, um livro vale pelo seu potencial de aproximação da Verdade. Mesmo que a ideia de Verdade, em Ciência, tenha sido profundamente questionada pelas perspectivas pós-modernas como um produto de lutas pelo poder – “a verdade é deste mundo”, dizia Foucault –, Ciência e Verdade continuam formando um binômio forte. Para Karl Popper, por exemplo, não é outro o ideal da Ciência, senão o de nos aproximar sempre mais da verdade acerca das coisas. A tarefa é eterna, sem dúvida.
No meu caso, estou numa fase da vida em que um livro vale não necessariamente pelo seu potencial de aproximação da Verdade, mas pelo seu potencial de fissurar o mundo! Era Foucault também quem dizia que o pensamento serve para rachar as coisas. Trata-se de uma metáfora, obviamente. Rachar as coisas com o pensamento é desnaturalizar aquilo que, muitas vezes em nome da Verdade, foi postulado como normal, natural, essencial, imutável, ahistórico, estrutural. Rachar as coisas com o pensamento é reconstruir o roteiro histórico onde os conceitos foram forjados. Fissurar o mundo com o pensamento é denunciar os jogos de poder pelos quais a Verdade chegou ao seu trono.
Em adição a isso, minha fase também é aquela em que um livro vale muito mais pelo seu potencial estético. É necessário ser prazeroso, ser leve, ser direto, e, sem exigir demais, ter um quê de beleza e sensibilidade. Há coisas assim na Ciência! Já na cultura acadêmica e universitária... Bem, na Universidade escrevemos para os pares e para pontuar no Lattes. E todo mudo sabe que sem hermetismo não há salvação no mundo da produção científica universitária. Uma lástima e uma pena!
É por todas essas razões que eu tenho dito que o livro Holocausto brasileiro, da jornalista Daniela Arbex, foi uma das melhores experiências literárias que tive nos últimos meses.
Lançado em novembro de 2013, Holocausto brasileiro foi prêmio Jabuti – a maior condecoração literária no Brasil. Lançado pela Geração Editorial, são 255 páginas entre fotos e uma narrativa que prende como visgo de jaca dura. Li praticamente em dois fôlegos.
Daniela Arbex nos reconduz por uma página nefasta da história do Brasil, ligada à psiquiatria mineira, e especialmente ao hospital psiquiátrico Colônia, em Barbacena-MG. Ela nos conta como num lapso de 50 anos (1930-1980), 60 mil pessoas morreram no interior do Colônia. Daí a alusão a um holocausto.
Contudo, mais do que o escândalo de um número tão grande de mortes, era o modo como os pacientes eram ali tratados que justifica a referência a um holocausto. O sequestro da identidade, a submissão a tratamentos científicos arcaicos e letais (como a eletroconvulsoterapia), a exploração do trabalho forçado e gratuito, e a exposição às mais degradantes condições sanitárias e alimentares fizeram do Colônia a reprodução de Auschwitz em solo brasileiro. No auge da matança, eram 16 óbitos a cada dia. Uma parte desses cadáveres alimentava as Faculdades de Medicina da região. Com o excesso de cadáveres, os corpos eram dissolvidos em ácido no pátio central do hospício, à vista dos pacientes, para que os esqueletos pudessem ser comercializados junto às mesmas instituições acadêmicas.
A força dessas denúncias, entretanto, não é maior que a beleza das narrativas de superação de pacientes do Colônia, presentes no livro. Talvez a grande proeza do trabalho de Daniela Arbex tenha consistido em dar a palavra aos protagonistas dessa história horrível. Todo o livro é composto pela voz dessas pessoas que um dia tiveram suas vidas alijadas em nome de certas convicções científicas, terapêuticas, e em nome de uma certa visão de sociedade. Segundo a autora, mais da metade dos pacientes do Colônia não tinha diagnóstico psiquiátrico. Eram simplesmente pessoas excêntricas: meninas que engravidaram antes de casar, bêbados contumazes, esposas rejeitadas para o que os maridos pudessem usufruir de suas amantes, homossexuais, ou simplesmente alguém com uma tristeza profunda. Incrível imaginar que algumas dessas pessoas passaram a vida inteira no hospício por essas razões.
Em Holocausto brasileiro algumas delas falam. Contam sua história. Reinventam sua identidade. Falam também funcionários do Colônia: médicos psiquiatras e funcionários encarregados das tarefas diárias. Falam especialmente funcionários indignados, e que antes do movimento de Reforma Psiquiátrica tentaram resistir a uma estrutura de poder arcaica e desumanizante. Falam aqueles e aquelas que, de algum modo, tentaram enfrentar a estrutura de dentro dela, seja com ações minúsculas e capilares (micropolítica), seja no âmbito maior da política institucional (macropolítica).
Por razões óbvias, o livro interessa bastante às pessoas envolvidas com a Saúde Pública e àquelas que se ocupam do “campo psi”. Para nós, ocupados com esse campo, o livro reedita a seu modo uma pergunta suscitada pelo Conselho Federal de Psicologia, no contexto da epidemia das internações compulsórias no Brasil: “que práticas estamos endossando em nome do cuidado que queremos exercer?” Mas minha convicção é de que o livro tem uma pertinência muito maior. Como afirma a Eliane Brum no prefácio, atrocidades como a do Colônia, levadas a cabo por tanto tempo, não são possíveis sem certo consentimento social. Isso serve para todas as violações de direitos humanos!
Indico a leitura de Holocausto brasileiro com entusiasmo. Ele nos faz pensar que a loucura dos normais é muito mais perigosa e nefasta que a loucura dos loucos.
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ARBEX, Daniela. Holocausto brasileiro. São Paulo: Geração Editorial, 2013, 255p.

segunda-feira, 16 de março de 2015

SEMPRE À ESQUERDA !!!

Nunca fui filiado a partido político algum. E além das questões de fé religiosa, nunca me envolvi em nenhum tipo de militância. Hoje, milito na Educação, atuando como um profissional do ensino de Psicologia no nível superior. É a minha maneira de intervir na realidade nesse momento.

Não obstante, a pensar com as categorias político-conceituais “esquerda” e “direita”, tudo o que fiz até aqui tem ligação com o que se chama “pensamento de esquerda”. E isso de forma consciente, como um ato de escolha.

Descobri o pensamento de esquerda por meio da fé religiosa, especialmente por meio da Teologia da Libertação. Primeiro, uma reflexão evangélica sobre a pobreza e sua superação. Depois, muitas reflexões evangélicas sobre outros sujeitos oprimidos por nossa estrutura social: negros, mulheres, religiões não-cristãs, povos originários e lgbts. O marxismo veio a reboque. Com a Psicologia, tomei consciência de outros sujeitos silenciados pelas estruturas de poder, como as pessoas com transtornos mentais. Tudo sempre azeitado por pensadores de esquerda.

A adesão dada ao projeto do PT, no meu caso, sempre foi uma maneira de permanecer coerente com minhas opções pessoais. Sem nunca atribuir um papel messiânico a ninguém, o PT era indubitavelmente aquilo que, em termos de política partidária, se aproximava do tipo de visão de mundo que eu escolhi.
Resumindo: primeiro a visão de mundo, de ser humano, de política e de sociedade; depois, as adesões político-partidárias.

Se as visões de mundo são bastante relativas, podendo mudar durante a história de vida de um indivíduo, as opções concretas (político-partidárias) muito mais. Parece-me que o próprio PT se relativizou. Como diria o Frei Betto, mordido pela mosca azul, o PT se reprovou na prova do poder.

Contudo, jamais darei adesão ou me vincularei a nenhum tipo de pensamento que flerte com o retrocesso, com o conservadorismo, com o reacionarismo visto nos últimos dias no Brasil. Não será em nome de nada – nem a decepção com o PT, nem a crise pela qual passa o país atualmente – que me vincularei ao sentimento de saudade da ditadura militar, ao pensamento único de qualquer teor, a intervenções políticas antidemocráticas e anticonstitucionais em relação ao processo eleitoral, ou à restrição de liberdades fundamentais de nossa vida política. No meu itinerário não há desvios pela direita.

Jamais me vincularei a um movimento cujo simbolismo remete à data da posse dos presidentes militares: 15 de março. Jamais me vincularei a um movimento fomentado pela Rede Globo de forma tão ideologizada. É urgente e necessário reinventar a vida política do país, moralizar o Executivo e respaldar as Instituições. Mas nada disso deve ser confundido com o retrocesso a um tempo nefasto, página imunda da História do Brasil.

Se o que estamos vendo é o colapso de um projeto político-partidário específico – e só o tempo dirá! –, o momento é de reinvenção. Se o PT de hoje representa uma traição aos ideais de esquerda sobre os quais foi construído, então eu me vincularei a quem estiver disposto a construir novas alternativas aos mesmos ideais. Partidariamente sou um homem livre, graças a Deus!

Inegavelmente, os governos Lula-Dilma promoveram as mudanças mais profundas na sociedade brasileira desde a redemocratização do país. O tempo dirá se esse projeto se esgotou. Caso seja assim, há muito que fazer, exceto retroceder.

Na fé religiosa, na atividade acadêmica, no pensamento político como um todo, meu caminho é orientado pelos mesmos valores.

Meu caminho é pela esquerda, sempre !!!


quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

IGREJA, TÚMULO DE DEUS? (resenha)



Esse estranho título – Igreja, túmulo de Deus? –, que pode parecer uma ofensa aos mais sensíveis, está longe de sê-lo. É apenas uma brincadeira com uma passagem de Nietzsche, em A gaia ciência, onde um louco faz a famosa afirmação de que Deus está morto.

O livro é de 1967, e foi escrito pelo padre holandês Robert Adolfs. A data da publicação talvez faça pensar que são reflexões anacrônicas. Não são. Mas é obvio que o livro precisa ser lido com os olhos e o coração na atualidade. Precisa também ser lido tendo como horizonte reflexivo todas as igrejas cristãs, e não somente a Igreja Católica, como fez o autor.

O livro faz uma reflexão sobre a relevância do Cristianismo em seu contexto. Teologicamente falando, foi escrito no calor do desenvolvimento das teologias da secularização, cujo resumo tem a ver com reflexões sobre o lugar da religião (especialmente o Cristianismo) nas sociedades modernas, em processo avançado de secularização. Para o autor, as referidas propostas teológicas a este problema são insuficientes e insatisfatórias. Alguns interlocutores criticados são R. Bultmann, P. Tillich, Harvey Cox e P. Van Buren.

No meu modo de entender, a relevância e a atualidade do livro se encontram no diagnóstico apresentado por seu autor. Para ele, o problema do Cristianismo moderno tem a ver com seu projeto de poder. É daí que procedem seu desgaste e sua irrelevância no mundo atual. A alternativa apresentada Adolfs, que permanece vigente hoje, é apenas esboçada no livro. Ele a chama de “Igreja kenótica”, explorando o hino cristológico de Filipenses 2,5-11.

Kenósis é um verbo grego que quer dizer “esvaziar-se”. Portanto, segundo o autor, é se esvaziando de todas as formas de poder, presentes desde a relação entre clérigos e leigos, até a relação das igrejas com a sociedade, que o Cristianismo pode manter a relevância de sua mensagem e de sua vocação no mundo. Para o momento em que vivemos, creio que essa é uma reflexão muito atual e muito bem-vinda. O projeto de poder dos diferentes Cristianismos na atualidade, para mim, é um problema de primeira ordem, e que extrapola inclusive os muros da própria Teologia.

O livro é muito bem escrito. A tradução parece muito bem feita, o que facilita muita coisa. Indico bastante a quem ainda acha que essas coisas são importantes.