segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

BREVÍSSIMA HISTÓRIA DE UMA NEUROSE

Essa é rapidex!

É simples. O atual movimento evangélico brasileiro reproduz fielmente as neuroses pertencentes às suas matrizes norte-americanas. De que neurose se trata, neste caso? Daquela na qual não se pode viver sem "inimigos públicos", cujo confronto ajuda a reforçar nossa identidade adoecida [vide a própria política internacional dos EUA na segunda metade século 20: Vietnam, Cuba, União Soviética, América Latina, Oriente Médio]. 

O protestantismo de missão, vindo dos EUA, e que aqui chegou a partir da segunda metade do século 19, já trouxe na bagagem seu inimigo público: o Catolicismo, visto como responsável pelo atraso e pela minoridade da cultura brasileira. Os pentecostais, ainda cheirando a leite, foram nessa onda, embora sempre rivalizassem com os próprios protestantes históricos também. E por todo século 20, praticamente, nesses meios a Igreja Católica foi eleita como contra-identidade. 

Já os neopentecostais, visceralmente ligados também a matrizes norte-americanas, decidiram dar continuidade à neurose por outro caminho. E elegeram, por muito tempo, as religiões de matriz africana como seu "inimigo público". Inimizade safada, com certeza, já que nesse pega-pá-capá muitos elementos dos cultos afroameríndios foram assimilados pelos "irmãos". E até hoje isso continua em voga. Mas a bola da vez mudou. 

E estranhamente, o "inimigo público" atual teve a capacidade inédita de suscitar o horror de todo mundo: de protestantes e pentecostais históricos e de neopentecostais também. E mais: também de forma inédita, o "inimigo público" da vez é externo ao Grande Arraial Religioso. Tô falando desse pessoal da sexualidade diferente, tirada do armário recentemente. E a neurose continua, pois sem inimigos públicos pra fazer guerra "nóis num vévi" !!! E se vivermos mais uns anos, ainda vamos ver esse "inimigo público" com cara nova. 

Quem será? Não faço ideia. Viva e verá !!!

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

POR UMA HERMENÊUTICA BÍBLICA DA SUBVERSÃO


Considero muito oportuno o que nos propõem os editores da revista e editora Novos Diálogos, quando nos convidam a pensar conjuntamente a nossa fé a partir do espírito da Quaresma. Três coisas muito boas temos aí: 1) o convite a continuarmos pensando a nossa fé, com seriedade, humildade e amor, para a edificação de todo povo de Deus e para promoção da vida; 2) o convite para pensarmos a fé coletivamente, pois ninguém sozinho é capaz de dar conta de toda a demanda reflexiva desse tempo no campo da espiritualidade cristã. Creio que essas reflexões devem ser entendidas como um convite ao pensamento para todos e todas que compõem a comunidade cristã, já que pensar a fé não é privilégio de especialistas; 3) o convite para fazermos isso tudo a partir do sentimento da Quaresma, negligenciada por nós, evangélicos e protestantes brasileiros, mas presente nas mais antigas tradições cristãs como um tempo de contrição e de preparação para a Semana Santa.
Muito mais do que oferecer-lhes um pensamento pronto, o que eu desejo fazer nessas breves linhas é partilhar interrogações, e convidar a você, leitor e leitora, a pensarmos juntos. Como você verá a seguir, escolhi o tema das relações entre as igrejas evangélicas e a Bíblia. Acredito ter feito isto por razões muito óbvias.
A primeira delas diz respeito à centralidade que se busca dar à Bíblia enquanto texto fundamental, com autoridade exclusiva na vida de nossas comunidades e de nossas tradições religiosas. A despeito das enormes diferenças ideológicas que nos distinguem, somos todos parte dessa grande “religião do livro”, na qual se tornou o Cristianismo ocidental. E enquanto herdeiros diretos e indiretos das reformas religiosas do século 16 na Europa, a luta pela preservação do sola scriptura tem sido uma das marcas distintivas dessa espiritualidade que nos caracteriza enquanto evangélicos e protestantes no Brasil. Prova disto é que o protestantismo, como nenhuma das demais religiões do livro, tem contribuído nos últimos anos para uma difusão massiva da Bíblia em grande parte das culturas do mundo. Tudo isto sinaliza para a centralidade conferida ao texto bíblico na autocompreensão que evangélicos e protestantes têm de si, como povos da fé bíblica.
Contudo, não é apenas essa centralidade conferida à Bíblia entre os evangélicos e protestantes que me instiga. Além disto, são seus usos, suas leituras e interpretações, que considero serem muito peculiares no contexto das demais grandes igrejas que formam o cristianismo ocidental. Instiga-me o fato da Bíblia servir aos mais diferentes tipos de propósitos entre nós, desde o fomento à fragmentação grupal que nos marca, até a estigmatização de grupos sociais cujo estilo de vida difere daquele preconizado pelos evangélicos. Confesso a minha insistente sensação de que as formas com as quais nos relacionamos com a Bíblia, via de regra, estão muito distantes da maneira como o próprio Jesus de Nazaré leu e interpretou sua Escritura Sagrada.
Assim, neste ensaio parto de um pressuposto, que é ao mesmo tempo uma interrogação para pensarmos juntos. Considero que a centralidade conferida à Bíblia entre evangélicos e protestantes brasileiros tornou-se tão autoevidente e tão naturalizada, que nos impede de questionarmos a nossa própria relação com esse texto religioso e com a vida de um modo geral. Creio ser unânime a ideia de que a autocompreensão de nossas comunidades está imbuída do sentimento de que pertencemos, de forma quase exclusiva, ao povo da fé bíblica. Para ficarmos com apenas o exemplo de um teólogo famoso, o suíço Karl Barth afirmaria que as reformas religiosas do século 16 na Europa se constituíram como recuperações e continuações históricas da fé experimentada por Israel, testemunhada nos textos bíblicos.
É justamente os efeitos dessa autocompreensão e da suposta autoevidência desta “fé bíblica” que gostaríamos de interrogar a partir de agora. São esses efeitos que, a nosso ver, nos impedem de problematizar a relação que estabelecemos com a própria Bíblia, e consequentemente com a vida.
Eu nos questionaria: por que nossa relação com a Bíblia não tem a mesma liberdade que Jesus de Nazaré tinha diante dos textos sagrados de sua religião?[1] Evidencia-se muito a atitude subversiva de Jesus frente as autoridades político-religiosas de seu tempo, e mesmo o seu enfrentamento (quer velado quer explícito) ao imperialismo romano. No entanto, pouco falamos da liberdade subversiva de Jesus de Nazaré frente à Lei, e o modo de relação dele com os textos sagrados. Quase nunca notamos que a novidade da pregação e da atividade de Jesus de Nazaré tem como pano-de-fundo uma profunda releitura dos textos fundamentais de sua tradição religiosa, feita com muita liberdade e tendo na defesa da vida mais frágil uma espécie de “princípio hermenêutico”.
Jesus subverte aquele tipo de leitura que se relaciona com as Escrituras Sagradas a partir de um modelo jurídico, circunscrito ao esquema mandamento-observância, em que as demandas da vida devem se submeter às exigências da lei. Antes da observação irrestrita e inflexível da lei grafada com tinta, Jesus sempre privilegiou a restauração das forças da vida, feita à base da fé, do acolhimento e do amor manifestado em gestos muito concretos. A letra da lei só faz sentido na medida em que contribui para que a “lei do amor” restaure as relações humanas. Em sua liberdade de intérprete das Escrituras Sagradas, a preservação da vida é que tem proeminência, e a palavra sagrada só faz sentido se se prestar a protegê-la e afirma-la. É a santidade da vida que faz luzir a sacralidade da Escritura.
Como lemos e interpretamos hoje a nossa Bíblia? Que relações estabelecemos entre a Bíblia e a vida? Que nível de liberdade temos ao ler e interpretar a nossa Bíblia hoje? O quanto ainda estamos identificados com uma leitura feita no modelo jurídico do mandamento-observância? Como esse modelo arcaico, subvertido pela forma com que Jesus de Nazaré lia a sua Escritura Sagrada, molda ainda hoje o nosso sentido de missão na sociedade? Quem tem proeminência na leitura que fazemos de nossa Bíblia hoje: a preservação da vida frágil, ou a aplicação insensível da letra à vida?
É preciso observamos ainda que aquele modelo arcaico de interpretação das Escrituras Sagradas, subvertido por Jesus de Nazaré, e fundado sob o esquemamandamento-observância, foi bastante lucrativo do ponto de vista do exercício do poder. O sistema de opressão simbolizado pelo Templo de Jerusalém, enquanto exercício do poder das elites religiosas sobre os mais fragilizados, só podia manter-se mediante uma concepção jurídica das Escrituras. Havia a própria Escritura Sagrada, concebida como lei inflexível a ser aplicada literalmente à vida. Havia uma elite privilegiada daqueles que mantinham o monopólio da interpretação correta. E havia grupos sociais fragilizados, a quem só restava os altos custos da submissão, quase sempre traduzidos em altos custos financeiros, já que nenhum bem simbólico era gratuito nesse esquema. Em resumo, manter uma leitura das Escrituras no esquema mandamento-observância é fundamental para o exercício do poder.
Creio firmemente que nosso chamado, nossa vocação e nossa missão como comunidades cristãs na sociedade não devem se dar no nível do exercício do poder. Pelo contrário, imitar a atitude de Jesus de Nazaré é assumir o papel de agentes proféticos diante dos poderes que fazem minguar a vida, quaisquer que sejam seus meios de ação: políticos, religiosos, ideológicos etc. Não estou certo de que tem sido este o papel, de um modo geral, representado pela grande comunidade evangélica em nosso país. Os expressivos números do crescimento de nossas comunidades ainda não se converteram no crescimento da justiça social, na diminuição da violência e da corrupção política, ou na consolidação de uma cultura de paz e fraternidade. Desconfiamos profundamente que o projeto de grande parte da comunidade evangélica no Brasil vai se convertendo acintosamente em um projeto de poder, cuja face mais recente é a presença maciça nas plataformas político-institucionais de Estado.
Desconfio que esta inércia social, assim como a atitude de flerte com o exercício do poder, estejam profundamente arraigadas pela forma arcaica de ler e interpretar a Bíblia, que ainda caracteriza grandemente as comunidades evangélicas em nosso país. É por isso que lhe convido, neste tempo de Quaresma em que nos preparamos para celebrar a Semana Santa, a pensarmos um pouco acerca de nossa relação com o documento central de nossa identidade religiosa. Carlos Mesters, conhecido biblista holandês radicado há muitos anos no Brasil, apelidou a Bíblia de “flor sem defesa”. Bela, singela, capaz de aromatizar a vida, a Bíblia pode ser instrumentalizada em função de projetos completamente antagônicos ao espírito de Jesus. Como flor sem defesa, ela pode instrumentalizar o ódio em lugar do amor, a arrogância em lugar da simplicidade, e o poder em lugar do serviço gratuito ao próximo.
Meu convite, portanto, nesse tempo de Quaresma, é para seguirmos a Jesus de Nazaré também em seu gesto subversivo de leitura das Escrituras Sagradas. E como ele, fazer da leitura da Bíblia motivo para tornar a vida mais bela, mais justa e boa de ser vivida para todo mundo (João 10,10). 
PARA APROFUNDAR
COM JESUS NA CONTRAMÃO
Carlos Mesters
Edições Paulinas│2007│135pp.
[Neste pequeno livro o biblista Carlos Mesters tenta nos aproximar do contexto mais amplo (social, político, geográfico, econômico) que serviu como pano-de-fundo para a atividade de Jesus de Nazaré. Muito mais do que a formulação de novos valores religiosos, Mesters nos mostra como a prática de Jesus buscava resgatar as potencialidades da vida em todas as suas dimensões. A releitura dos textos fundantes da tradição religiosa judaica tem importância pivotal para essa prática subversiva de Jesus, registrada nos evangelhos canônicos. Esse livro pode nos ajudar a repensar nossa forma de ler a Bíblia e de fazer missão hoje.]


[1] Cf., por exemplo, Mt 5,17-48.

Texto também disponível em Novos Diálogos.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

"ABANDONEI A FÉ"


Por Pr. Reginaldo Silva 
(mais um que não se vê representado pelo $ilas)

Depois que deixei de ser “pastor de igreja” (coloquei entre aspas apenas para identificar um tipo de pastorado) e de passar a pensar em falar coisas que a oficialidade de minha denominação religiosa condena, algumas pessoas que me conhecem começaram a afirmar que abandonei a fé. Eu sempre respondi dizendo que não foi isso que ocorreu comigo. Mas, depois de assistir à entrevista de Silas Malafaia no programa de Marília Gabriela, chego à conclusão que as pessoas que falam isso de mim têm razão. Abandonei a fé.

Não acredito na Bíblia como o livro que encerra todas e quaisquer questões sobre ciência e filosofia, como afirmou Silas Malafaia.

Não acredito que seja normal ser um milionário num país de tantos miseráveis, conforme defende o milionário Silas Malafaia.

Não acredito que ser homossexual é ser igual a bandido, como acredita e afirma Silas Malafaia.

Não acredito que seremos uma nação justa se negarmos direitos aos homossexuais, como acredita Silas Malafaia.

Não consigo ver nos evangelhos Jesus falando mais sobre o inferno do que sobre qualquer outra coisa, com o objetivo de convencer as pessoas a partir do medo da punição, como vê Silas Malafaia.

Não consigo respeitar a autoridade celestial de Silas Malafaia.

Não acredito no Deus anunciado por Silas Malafaia. Prefiro acreditar no Deus que, nas terras empoeiradas da Palestina, foi condenado à morte por ter preferido a companhia dos pobres, das prostitutas... E afastou-se dos “santos”, daqueles que faziam orações altas nas esquinas, que se sentavam nos primeiros lugares do templo...

É, abandonei a fé.