segunda-feira, 25 de outubro de 2010

NOTAS SOBRE O PNDH-3


Para quem não leu o PNDH-3, e prefere formar opinião com base no que os outros dizem, vão essas breves notas.

(1) O PNDH-3 não é uma inciativa do Governo Lula, mas é uma iniciativa de porte global, iniciada na década de 1940, por conta dos efeitos da 2ª Guerra Mundial. A Conferência de Viena, em 1993, é o momento base dessa iniciativa. Veja o que diz o prefácio do próprio documento:

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, lançada em 10 de dezembro de 1948, fundou os alicerces de uma nova convivência humana, tentando sepultar o ódio e os horrores do nazismo, do holocausto, do gigantesco morticínio que custou 50 milhões de vidas humanas em seis anos de guerra. Os diversos pactos, tratados e convenções internacionais que a ela sucederam construíram, passo a passo, um arcabouço
mundial para proteção dos Direitos Humanos.

Em 1993, a comunidade internacional atualizou a compreensão sobre os elementos básicos desses instrumentos na Conferência de Viena, da ONU, fortalecendo os postulados da universalidade, indivisibilidade
e interdependência. Universalidade estabelece que a condição de existir como ser humano é requisito único para a titularidade desses direitos. Indivisibilidade indica que os direitos econômicos, sociais e culturais são condição para a observância dos direitos civis e políticos, e vice-versa. O conjunto dos Direitos Humanos perfaz uma unidade indivisível, interdependente e inter-relacionada. Sempre que um direito é violado, rompe-se a unidade e todos os demais direitos são comprometidos.

A Conferência de Viena também firmou acordo sobre a importância de que os Direitos Humanos passassem a ser conteúdo programático da ação dos Estados nacionais. Por isso, recomendou que os países
formulassem e implementassem Programas e Planos Nacionais de Direitos Humanos.

(2) No Brasil, o primeiro Governo a implementar essas diretrizes foi o de FHC, em 1996, sendo que o atual PNDH-3 é somente a continuidade de um movimento que se inicia muito antes do Governo Lula. Veja se não é isso que diz o prefácio do próprio documento:

As diretrizes nacionais que orientam a atuação do poder público no âmbito dos Direitos Humanos foram desenvolvidas a partir de 1996, ano de lançamento do primeiro Programa Nacional de Direitos Humanos – PNDH I. Passados mais de dez anos do fim da ditadura, as demandas sociais da época se cristalizaram com maior ênfase na garantia dos direitos civis e políticos. O Programa foi revisado e atualizado em 2002, sendo ampliado com a incorporação dos direitos econômicos, sociais e culturais, o que resultou na publicação do segundo Programa Nacional de Direitos Humanos – PNDH II.

A terceira versão do Programa Nacional de Direitos Humanos – PNDH-3 representa mais um passo largo nesse processo histórico de consolidação das orientações para concretizar a promoção dos Direitos
Humanos no Brasil. Entre seus avanços mais robustos, destaca-se a transversalidade e inter-ministerialidade de suas diretrizes, de seus objetivos estratégicos e de suas ações programáticas, na perspectiva da universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos.

(3) Quem quer assuma a presidência vai ter que lidar com essa demanda, que, repito, não é parte da ideologia política do PT, mas é parte de uma consciência global, peculiar aos Estados laicos do Ocidente, assentada numa visão totalmente secularizada dos seres humanos e de suas comunidades.

(4) É óbvio que o texto tem pontos de choque com a sociedade. Apesar de representar, como eu disse, uma perspectiva totalmente laica da vida, o texto se dirige a uma sociedade plural, onde a religião ainda tem poder de influência. Acho que nós, religiosos, enquanto cidadãos, temos direito de contestar o documento em muitos de seus pontos. Não é esse o problema. O problema é a forma ideologizada com que a coisa tem sido feita. Quantos crentes conheciam o PNDH-3 antes de Pirajine e Malafaia começarem sua campanha anti-PT?

(5) Eu vos rogo (como meu homônimo Apóstolo Paulo) pelas compaixões de Deus, que acabemos com essa mentalidade de rebanho manso, cuja tática principal é lançar mão do famoso "argumento de autoridade". Ives Gandra, por exemplo, embora seja um jurista virtuoso e renomado, não é Deus! Ives Gandra é um ser tão condicionado e ideologicamente posicionado como qualquer um de nós! Sua interpretação do PNDH-3 é somente "uma interpretação", ideologicamente situada. Vejam no vídeo em anexo quantos outros ótimos juristas interpretam o PNDH-3 de forma bem diversa.


Abraços!

sábado, 23 de outubro de 2010

ONDE ESTÁ A “OUTRA IGREJA POSSÍVEL”?


O Evangelho e suas topologias alternativas

Não me interessa o estudo das utopias, mas sim das heterotopias de nosso tempo

(Michel Foucault)

Em agosto de 2005, por conta de circunstâncias da época, eu chegava à conclusão num artigo não divulgado de que não queria mais ser identificado como “evangélico”. Hoje eu gozo o privilégio da proximidade de muita gente que divide angústias semelhantes. Naquela época, entretanto, eu experimentava uma espécie de exílio geográfico, pastoral e teológico. Em 2005 as mídias digitais ainda não eram, para mim, um espaço cotidiano de consumo de informação. Portanto, eu chegava à tal conclusão sozinho.

Eu dizia que o termo “evangélico” havia se tornado uma alcunha religiosa sem sentido. Melhor, dizia que o seu sentido atual destoava totalmente daquilo que se poderia depreender dos Evangelhos da Bíblia. E se eu discordava de Nietzsche quando ele dizia que o único cristão havia morrido na cruz, concordava com ele quando dizia que depois da cruz, a boa nova entre nós havia se tornado uma “má nova”, e o Evangelho um “desevangelho”.

Por outro lado, eu também já estava bem consciente de algumas coisas importantes: (1) que a diferença qualitativa entre os “evangélicos” e o Evangelho não iria mudar, mas iria aumentar gradativamente conforme tais grupos fossem conquistando mais adesões e mais poder de influência na sociedade brasileira; (2) que o aumento numérico dos “evangélicos” traria mudanças significativas à sociedade brasileira, ainda que essas mudanças fossem contrárias àquelas com as quais eu sonhava; (3) que a despeito de tudo isso, havia entre os “evangélicos” uma espécie de “minoria abraâmica” (para usar uma expressão de Dom Helder), progressista, ecumênica, libertária, reflexiva, atuante, que poderia ser um caminho interessante de militância cristã.

Me converti no fim de 1997. No início de 1999 fui para o seminário, que concluí em 2002. Desde cedo eu quis conhecer e me aproximar daquelas minorias abraâmicas. Do ponto de vista da reflexão teórica, ainda no seminário a Teologia da Libertação me aparecia como um vislumbre, embora fosse para mim, desde sempre, uma coisa distante e impraticável no meu círculo eclesial batista. O encontro com a Fraternidade Teológica Latino Americana (FTL), sobretudo pela via dos fóruns de reflexão em Paripueira-AL, chegaram depois disso como um renovo, testemunhando e sinalizando concretamente para a possibilidade de efetivação de toda aquela visão evangélica progressista, politizada, inclusiva e reflexiva.

Mas aos poucos eu ia descobrindo que muitos entre os “evangélicos”, antes identificados com essas minorias abraâmicas, haviam decidido fazer outros caminhos, para além dos grupos progressistas que existiam entre nós. Eu ia descobrindo que alguns deles, sem perder a consciência identitária do Evangelho, haviam decidido trocar de trincheira. Três campos pareciam ser as alternativas preferidas para essas pessoas: a política partidária, as ciências humanas e a educação. Estes foram três os movimentos feitos por muitos pastores/as e professores/as de seminários evangélicos, sobretudo durante a Ditadura Militar no Brasil (1964-1985). Apesar de esse ter sido o caminho de muitos/as, alguns casos são emblemáticos por conta da divulgação que ganharam. Entre eles estão casos de Rubem Alves, Júlio de Sant’ana, Hugo Assmann e Paulo S. Wright.

Nos últimos dias tenho conversado com muitos “evangélicos” no ambiente universitário, e embora a diversidade de opiniões seja uma marca indelével entre nós, pode-se notar um clima predominante de decepção em face das últimas convulsões envolvendo as igrejas e as eleições presidenciais no Brasil. O grosso da decepção gira em torno de poucos tópicos: (1) a infantilidade e a parcialidade dos argumentos usados na campanha anti-PT pelas igrejas; (2) a facilidade com que boatos e difamações encontram espaço e se propagam entre/através dos “evangélicos”; (3) a identificação dos “evangélicos” com as ideologias políticas conservadoras da direita.

A maioria dessas pessoas com quem converso é muito jovem. A maioria delas não vê possibilidades de que algo criativo surja de entre a massa “evangélica” no Brasil nos próximos anos. Uma boa parte desses jovens não conhece os caminhos que aqui estamos chamamos de “minorias abraâmicas”, e entre aqueles que os conhecem, vigora bastante descrença. Muitos desses jovens, encantados com as possibilidades da vida acadêmica, pensam em deixar suas igrejas para se embrenhar nas causas humanas pela via única dos meios seculares. Para os tais, o caminho do Evangelho se confunde exclusivamente com o caminho das igrejas, de tal maneira que se estas se corrompem, aquele também.

Por outro lado, há pouquíssima gente com a consciência de que o caminho do Evangelho é multiforme, e ultrapassa a ação das igrejas. Pouca gente sabe que a política partidária, as ciências humanas e a educação podem ser alguns dos veículos legítimos a serem trilhados com a consciência do Evangelho. Afinal, “toda boa dádiva e todo dom perfeito procedem de uma única fonte, que é Deus” (Tg 1,17). Pouquíssima gente tem a consciência de que tais caminhos não precisam ser alternativas que excluam a caminhada institucional das igrejas. É perfeitamente possível conjugá-las, desde que a atitude de crítica e autocrítica recíprocas estejam presentes.

Eu estou entre aqueles que insistem em crer que “outra igreja é possível”. Mas, com toda honestidade, eu não ficaria triste se a presente desilusão com os “evangélicos” produzisse novos Rubems Alves, novos Júlios de Sant’ana, novos Hugos Assamann, novos Paulos Wright. Eu não ficaria triste se a presente decepção com nossas igrejas produzisse mais gente que, com a consciência identitária do Evangelho, invadisse o seio do mundo por novas trincheiras: da política, da ciência ou da educação. Eu não ficaria triste se essas pessoas, por meio desses meios ditos seculares, contribuíssem na afirmação da vida, na promoção da justiça social, na inclusão dos neo-impuros, na promoção da alegria e da beleza.

Porque se o papelão que igrejas, líderes e crentes “evangélicos” estão produzindo nessa campanha presidencial é decepcionante, também é decepcionante não reconhecer que os caminhos do Evangelho são maiores que os caminhos dessas igrejas.

Não penso que isso seja uma regra geral, mas há casos em que é necessário desertar das igrejas para ser fiel ao Evangelho, que é promoção de vida com abundância (Jo 10,10). Temos nos dedicado por muito tempo à construção de nossas utopias, de nossos sonhos, que são mais do que legítimos. Mas acho que seria a hora, seguindo uma dica de Foucault, de pensarmos tanto nas utopias quanto nas heterotopias, isto é, de darmos atenção a esses “lugares estranhos” por onde Deus também vai deixando suas pegadas, porém sem os carimbos eclesiais.

sábado, 2 de outubro de 2010

CRESCER, APARECER... E AMADURECER


Sete teses sobre a teo-ideo-logia evangélica no Brasil
Há mais de ano atrás, em maio de 2009, eu havia escrito o seguinte sobre os evangélicos e a política no Brasil: Sim, os evangélicos cresceram e apareceram! Saltamos de 5 ou 7 por cento no início da década de 1990 para mais de 15 por cento em dez anos. Em 2000 o IBGE dizia que éramos uns 26 milhões de crentes tupiniquins. Talvez beiremos os 30 milhões atualmente. Tamanho crescimento religioso é um dado sociológico impossível de passar despercebido por quem quer que seja. Já que crescemos tanto e já estamos aparecendo positivamente até na Rede Globo, seria também o momento de não entrarmos num jogo cuja regra maior parece evidente: fazer-nos massa de manobra! Afinal, gente crescida é gente que deve aprender a cuidar bem de si!
Ao que parece, até o momento continuamos a crescer e a aparecer, mas ainda não amadurecemos.
Admito que as últimas convulsões no mundo evangélico brasileiro, relacionadas ao futuro político de nosso país, ajudaram a reforçar a incômoda tese acima. Vou tentar expor minhas razões em forma de sete pequenas teses (hipo-teses), bem no estilo de Karl Popper.
Minhas hipo-teses são as seguintes:
1. Não aprendemos com nossos próprios equívocos históricos.
2. Não ultrapassamos a mentalidade de gueto.
3. Preferimos os conteúdos prontos da difamação ao debate franco e aberto de idéias.
4. Continuamos a ver na iniqüidade social um fato natural.
5. Desprezamos o fato histórico de que já fomos minoria desprivilegiada.
6. Tememos as conseqüências de um Estado totalmente laico.
7. Confundimos crítica com desunião, sectarismo e desamor.
***
1. Não aprendemos com nossos próprios equívocos históricos. Não amadurecemos ainda porque desprezamos o fato de que a estratégia de demonização de partidos de esquerda no Brasil não é nova. Na verdade, tanto a demonização quanto a criminalização de partidos e movimentos de esquerda – dos quais o MST é só um exemplo – têm sido uma constante no nosso país. O campo religioso evangélico brasileiro parece extremamente fértil aos conteúdos desse tipo de ardil ideológico. Em 1989 e em 2002 tais conteúdos se apresentavam sob a ameaça do fechamento das igrejas e do cerceamento da liberdade religiosa, por conta de uma suposta ideologia comunista defendida por Lula. Àquela época, tal como se vê agora, a mobilização anti-Lula e anti-PT tornou-se amplamente aceita por nossas igrejas. Duas coisas poderiam ser ditas em função disso: a) ou a falta de memória histórica permanece sendo um mal incurável entre nós, ou,b) de fato, não estamos dispostos a interpretar aqueles fatos como um terrível equívoco histórico com o qual deveríamos aprender a corrigir nossos procedimentos atuais.
2. Não ultrapassamos a mentalidade de gueto. Não amadurecemos ainda devido ao fato de que não desejamos romper com a mentalidade de gueto. A mentalidade de gueto se caracteriza, entre outras coisas, pelo fenômeno grupal da formação de uma consciência de status de superioridade em relação a outros grupos sociais. Em decorrência disso, aparece a dificuldade de relacionamento com grupos diferentes. Erich Fromm chamava a esse fenômeno de “narcisismo de grupo”. No entanto, quando tais grupos sentem que seus valores estão sendo ameaçados, e tais valores coincidem com os de grupos outrora antagônicos, “os inimigos fazem as pazes”. Nós gostaríamos muito de ver ocorrer no Brasil, por exemplo, uma aproximação sincera entre evangélicos e católicos. Além de ser um grande sinal de fraternidade para a sociedade, muita coisa interessante em termos missionários poderia aparecer daí. Mas a aproximação que se assiste agora, fundamentada somente na necessidade de proteger interesses particulares, demonstra o quanto ainda somos marcados pela mentalidade de gueto. O “ecumenismo interesseiro” que a gora se vê, e que certamente se dissolverá após a eleição, deve ser visto por nós com profunda vergonha.
3. Preferimos os conteúdos prontos da difamação ao debate franco e aberto de idéias. Não amadurecemos ainda porque continuamos, como povo evangélico, avessos ao pensamento e à reflexão. É lamentável que pacotes ideológicos profundamente questionáveis sejam aceitos entre nós com base unicamente no “poder pastoral” (Michel Foucault). Digo isso não somente em relação às informações recentemente veiculadas pela campanha anti-PT nas igrejas evangélicas. Essa postura se estende a muitos outros pacotes teo-ideo-lógicos que encontram fácil adesão no campo religioso evangélico brasileiro, sem qualquer reflexão crítica. Pastores e pastoras estão sujeitos aos mesmos condicionamentos histórico-sociais que qualquer pessoa. Disso deriva o fato de que eles também erram. A verdade de suas declarações, portanto, não deve repousar apenas em seu status de líderes religiosos. Junto com a confiança que devemos àqueles e àquelas que se dedicam aos cuidados de nossas almas, deveríamos deixar de prontidão o nosso senso crítico. Por exemplo, quantos pastores e pastoras que encabeçaram mobilizações anti-PT de fato discutiram o PNDH-3 ou a PL-122/2006 com suas igrejas? João Alexandre parece ter toda razão quando canta “É proibido pensar!”.
4. Continuamos a ver na iniqüidade social um fato natural. Não amadurecemos ainda, pois os novos fatos que circulam entre nós, sobretudo aqueles ligados às advertências contra a “legalização da iniqüidade” via PT, evidenciam o quão pobre permanecem as nossas análises sociais. É quase inacreditável que nossas melhores lideranças aceitem e divulguem a idéia de que somente agora corremos o risco da legalização da iniqüidade. E é vergonhoso que isso encontre ampla aceitação em nossas igrejas. Os crimes contra a liberdade de expressão cometidos durante a Ditadura Militar entre 1964 e 1985 não foram expressões de iniqüidades legalizadas? A desigualdade social de nosso país não é produto de uma iniqüidade historicamente legalizada? O tratamento desigual dado pelo nosso Código Penal aos magistrados, parlamentares e portadores de curso superior no Brasil, não é expressão de iniqüidade legalizada? A coexistência de latifúndios e favelas não é expressão de iniqüidade legalizada? Ou nada disso seria iniqüidade? Ou são fatos naturais da vida social, de tal maneira que sequer pensamos neles como problemas? Será que nossa falta de percepção desses fatos como iniqüidades não está ligada com nossa visão de mundo tacitamente burguesa? Sei que não há quem falte, entre nós, quem enxergue tudo isso como “vontade de Deus”. Lamentavelmente.
5. Desprezamos o fato histórico de que já fomos minoria desprivilegiada. Ainda não amadurecemos porque nos falta memória histórica. Sabemos quase tudo sobre a Bíblia, mas quase nada acerca de nossa própria História como grupos religiosos no Brasil. Hoje, achamos ruim que grupos minoritários se articulem em função dos seus interesses. Mas esquecemos que já passamos pelo mesmo estágio quando éramos minoria desprivilegiada. Hoje, trememos de medo perante os desafios de um Estado laico. Mas esquecemos que fomos uma das principais forças históricas para a construção do Estado laico brasileiro. Como pastor batista, eu desejo muito que um dia possamos ter uma Nação cristã. Mas também afirmo sem medo de ser mal compreendido: Deus nos livre de um Estado cristão! Uma Nação cristã não necessita de um Estado cristão. A História já mostrou o quão perigosos, sanguinários, perseguidores e anticristãos são todos os Estados cristãos.
6. Tememos as conseqüências de um Estado totalmente laico. Nosso pavor diante de um Estado radicalmente laico prova que não amadurecemos ainda. Afinal, onde se radica nosso desejo por parlamentares evangélicos? Onde se radica nosso desejo por leis estatais que reflitam nossa visão de mundo? Onde se radica nossa rejeição aos projetos de Lei e às políticas públicas de inclusividade de certas minorias? Em nosso apreço pela família? Em nosso zelo pela herança doutrinária cristã? Talvez seja, em parte. Mas eu acrescentaria mais uma razão. A campanha anti-PT entre os evangélicos, sua defesa por leis que reflitam seus valores religiosos, e sua recusa a um Estado totalmente laico, refletem também seu desejo por seguridade. Não queremos enfrentar, como os primeiros cristãos, as conseqüências de um Estado que nos desafie com sua visão secularizada do ser humano. Queremos seguridade e conforto. Nossa honra seria muito melhor afirmada no enfrentamento corajoso das conseqüências de um Estado totalmente laico, do que com a influência da religião sobre nossas Leis. Conforto e seguridade são itens da teo-ideo-logia evangélica média que quase ninguém está disposto a negociar.
7. Confundimos crítica com desunião, sectarismo e desamor. Não amadurecemos ainda porque não sabemos lidar bem com a crítica, confundindo-a com desunião, sectarismo e desamor. Na contramão dessa postura, Paul Tillich dizia em sua Teologia Sistemática que “a crítica é também uma forma de comunhão”. Um dos conceitos mais caros da obra tillicheana é o conceito de “princípio protestante”. No que isso consiste? Consiste no fato de que deveríamos, como grupo religioso, estar sempre abertos à crítica e sempre prontos para a autocrítica. Conforme Tillich, mais do que qualquer confissão doutrinária, é essa honestidade crítica aquilo que mais deveria caracterizar as igrejas protestantes. Mas, na prática, os debates envolvendo o futuro político do Brasil revelam o quanto a crítica é um demônio contra o qual não sabemos lidar. Entre as táticas mais imundas encontradas nessas discussões está a rotulação do outro como “fundamentalista”, “reacionário”, “...ólogos espirituais”, “marxistas”, “liberais” etc. Quase sempre a rotulação é produto de quem se considera acima da crítica. Quase sempre ela é a forma covarde de se furtar a um exame sério das idéias em jogo.