terça-feira, 31 de julho de 2012

APONTAMENTOS SOBRE A DISCUSSÃO DO RELIGIOSO EM FOUCAULT


O tema da religião atravessa de diferentes formas quase todo o trabalho de Michel Foucault. Talvez seja possível dizer que em seus estudos da década de 1970 – que alguns identificam como a fase genealógica de sua obra – os aspectos ligados à religião se explicitem com mais força em suas análises. Isso porque nesta fase Foucault está interessado naquilo que chamava de genealogia do sujeito moderno. Este trabalho foi sendo realizado de modo fragmentário, em pesquisas muito independentes, que envolveram as temáticas da sexualidade, da loucura, da delinquência, da formação da biopolítica, entre outras.
Foucault sempre teve no Cristianismo uma das principais matrizes culturais desse sujeito moderno ocidental. Portanto, uma genealogia do sujeito moderno ocidental não poderia prescindir de uma análise atenta do lugar do religioso nesse processo. Por exemplo, Foucault faz as modernas tecnologias de exame criadas pela psiquiatria e pela psicologia derivarem das técnicas de confissão cristã, como forma de governo das almas e das condutas.
Na última fase de sua produção intelectual – que alguns chamam de fase da ética– o tema da religião também está bastante presente. O seu retorno à moral sexual dos gregos, como possibilidade da construção de uma estética da existência e do cuidado de si, é feito em constante diálogo sobretudo com autores cristãos da Patrística. Foucault vai tentando mostrar aí tanto as rupturas quanto as continuidades que o Cristianismo primitivo possuiu em relação à antiguidade grega. Seu intuito não é um retorno que reproduza o passado dos gregos, mas a demonstração do percurso histórico em que as questões relacionadas sobretudo à sexualidade e ao cuidado de si foram sendo forjadas no Ocidente.
Para nossos interesses, desejamos retomar um dos principais conceitos foucaultianos relacionados à temática religiosa, justamente o conceito de poder pastoral. Foucault desenvolveria esse conceito mais enfaticamente no cursoSegurança, território e população de 1977, no contexto das discussões acerca da nova arte de governar, que ele chamou de governamentalidade. Por governamentalidade, Foucault entendia os novos modelos de administração de Estado que foram aparecendo a partir do século XVI, principalmente em oposição àquele modelo representado pelo Príncipe, de Maquiavel. Este modelo de administração política se radica na obrigação que o soberano tem de preservar seu lugar de soberania, e de salvaguardar um território da ameaça alheia. Foucault identificará uma literatura de resistência à Maquiavel que pensará a política a partir de outros parâmetros, não mais como estratégia de fixação do poder soberano, mas sobretudo como arte de governar, conduzida a partir dos modelos do governo de si (moral) e da família (economia).
Esta arte de governar que se busca preconizar a partir de então se radica na administração de homens e coisas, e nas mútuas relações entre estes, muito mais do que na simples perpetuação do poder soberano ou da proteção de um território. É esta arte de governar homens e coisas, e de maximizar os efeitos produtivos dessa relação, que Foucault chamará de governamentalidade, e que caracterizará uma nova economia política na Modernidade. No entanto, para Foucault, é nas antigas formas de conduta religiosa presentes na pastora cristã que essa governamentalidade se inspirará. Para Foucault, o poder pastoral teria se constituído como uma primeira possibilidade para uma forma de governo individualizante e totalizante, ao mesmo tempo, como ainda não se conhecia antes deste.  
Foucault tratou de sumarizar aqueles aspectos que considerava serem os mais característicos desse poder pastoral, quais sejam:
1.    Seria uma forma de poder cujo objetivo final é assegurar a salvação individual no outro mundo;
2.    Ele não seria apenas uma forma de poder que comanda; ele deve também estar pronto ao sacrifício pela salvação do rebanho;
3.    Ele seria uma forma de poder que não cuida apenas da comunidade como um todo, mas de cada indivíduo em particular, durante toda sua vida;
4.    Essa forma de poder não poderia ser exercida sem o conhecimento da mente das pessoas, sem explorar suas almas, sem fazer-lhes revelar os seus segredos mais íntimos; seria um saber e uma forma de condução da consciência.
Fica óbvio que Foucault está caracterizando um poder de tipo religioso, tornado paradigmático na Idade Média, materializado na estrutura eclesial cristã. Este é um tipo de poder centrado na salvação, e que faz gravitar em torno disto todos os aspectos da vida, sejam eles de ordem econômica, jurídica e política como um todo. Trata-se de uma forma paradigmática de poder que ainda não conhece nenhum nível das modernas dicotomias entre sagrado e profano, e em que o sagrado é o liame de todas as relações sociais.
Foucault defenderá a interessante tese de que o Estado moderno representa uma espécie de poder pastoral secularizado, mundanizado. Assim como o poder pastoral havia sido a matriz da produção da verdade e da verdade dos próprios indivíduos, o Estado moderno, segundo Foucault, poderia ser considerado a matriz moderna dos processos de individualização, como uma nova forma de poder pastoral. Essa mutação deu-se a partir de três grandes modificações: (1) no lugar de uma salvação do mundo, transcendente, espiritual, o Estado moderno buscou produzir uma salvação no mundo, imanente, como saúde, bem-estar, segurança, proteção contra acidentes; (2) no lugar da antiga centralidade da estrutura eclesial como centro irradiador do poder pastoral, a produção de um grande número de instituições acopladas como aparelhos de estado, difundidas por todo corpo social; (3) a produção de dois polos sobre os quais se produziriam conhecimentos sobre o homem – um globalizador e quantitativo, concernente à população, e o outro analítico, concernente ao indivíduo.
Afirmar que o poder pastoral se laicizou não significa dizer que ele desapareceu, mas que foi reelaborado no interior dessa nova racionalidade política que ele chama de governamentalidade, enquanto arte de governar, que marca um processo iniciado na Modernidade e que culmina na formação das democracias nacionais da atualidade. A entrada da vida biológica das populações nos cálculos políticos, a adoção do modelo da peste caracterizado pela invenção de mecanismos de vigilância e de assepsia que recobririam todo o corpo social, em oposição ao modelo da lepra caracterizado pela exclusão dos doentes, e o aparecimento da população como um problema de governo, se constituirão como as condições de possibilidade para o surgimento de uma biopolítica. Como diria Agamben, o estado assume a responsabilidade de “dar forma à vida dos povos”.
Embora tenha apontado para essa ruptura paradigmática no exercício do poder na esfera macro, Foucault não perdeu de vista as formas minúsculas, capilares, menores, cotidianas com que o poder pastoral continuou a operar. Como exemplificamos acima, em seu estudo acerca da produção do dispositivo de sexualidade, ele confere enorme relevância ao papel que as técnicas de confissão cristã tiveram no subsequente aparecimento das tecnologias normalizadoras das ciências humanas, sobretudo da psiquiatria e da psicologia, enquanto formas de invenção de uma verdade do sujeito. É importante pontuar que Foucault restringiu essas técnicas pastorais de governo das almas e de direção de consciência à análise dos modelos vigentes nos países católicos. O Protestantismo, em sua oposição às mediações sacerdotais entre o fiel e seu Deus, fez surgir um modelo de confissão diferente, em que o fiel é colocado apenas diante de si mesmo como perscrutador da consciência. Ele é incitado a confessar unicamente a si mesmo, diante de Deus, cada elemento que traz na consciência.
O poder pastoral, em sua dimensão capilar, minúscula, cotidiana, permanece aí inalterado, como um saber de tipo normalizador. Não queremos pensá-lo dicotomicamente em relação àquilo que estamos chamando de “poder pastoral reeditado”. Seguindo as intuições acerca da positividade do poder, como postulada por Foucault, diríamos que o poder pastoral, ontem e hoje, é também um poder produtivo, que não se exaure nos papéis repressivos, castradores, paralisantes. Este também é um tipo de poder formativo, produtivo. Talvez se possa afirmar que a popularidade cada vez mais crescente do poder pastoral na pós-modernidade esteja ligada justamente aos seus papéis produtivos e formativos.
Enquanto a Modernidade proporcionou o aparecimento de uma nova configuração das estruturas de poder político, em que ganha relevo uma nova arte de governar centrada no estado (mas não subsumida a ele), ela também assistiu a uma concentração cada vez maior do poder pastoral para a esfera privada da vida. Atualmente, assistimos a uma ocupação cada vez maior do discurso religioso na dimensão pública da vida. A presença religiosa na plataforma política ocorre pautada em um novo discurso que toma a vida das populações como objeto de governo e de controle. Desta forma, os temas dominantes da política religiosa podem ser resumidos às questões bioéticas relacionadas ao aborto e aos demais direitos reprodutivos, e às discussões acerca da diversidade sexual enquanto um direito humano. Esse discurso religioso pretende ser uma forma de pastoral das almas, embora seus efeitos concretos incidam sobre os corpos desses públicos-alvo. 

terça-feira, 24 de julho de 2012

NUNCA QUIS TANTO SER LIBERAL


Palavras são armas. Em sua aula inaugural no Collège de France, em dezembro de 1970, Michel Foucault dizia que o discurso, longe de ser um espelho bem polido para fazer refletir a realidade, é uma forma de “violência que fazemos às coisas”. Outra tese interessante desse filósofo é aquela que diz que o discurso “constrói as realidades acerca das quais se pronuncia”. Tese inquietante. Tendemos a pensar que o discurso é aquilo que usamos para descrever a realidade, defini-la, categorizá-la, como se houvessem referentes estáticos no mundo, aguardando nosso pronunciamento. Não. A palavra, de diferentes formas, é uma forma de tecer o real. Nas relações de poder do cotidiano, ela é uma das formas usuais com as quais lutamos uns contra os outros.
No campo estrito das lutas morais de nosso cristianismo, “liberalismo” tem sido uma dessas palavras-arma. Não descreve realidades, mas as cria. Cria sujeitos perigosos, devassos, de costumes frouxos. Os últimos debates acerca da relação religião/sexualidade vêm constituindo um palco aberto para a produção de novos liberais. Neste caso, liberais são aqueles que fazem concessões a um tratamento diferente daquele que tradicionalmente as igrejas vêm oferecendo às pessoas que estão fora da norma heterossexual. A palavra “liberal”, usada nesses embates, torna-se um fetiche, uma vez que é utilizada sem um mínimo conhecimento de sua história, de sua genealogia. Como uma pistola, que o sujeito utiliza sem se dar conta dos processos de sua fabricação, a palavra “liberalismo” é usada como arma para produzir sujeitos desqualificados em matéria de moral religiosa, sem que se saiba de fato o que ela é, ou como foi inventada.
Em termos teológicos, convencionou-se chamar de Teologia Liberal àquela forma de prática teológica que teve lugar no século XIX, no contexto europeu, ancorada em dois movimentos intelectuais distintos.
Chamaram-se de teólogos liberais, em primeiro lugar, àqueles estudiosos do cristianismo que se utilizaram de ferramentas do historicismo crítico inventado no século XIX, para analisar os textos bíblicos e a história eclesiástica. Dois nomes de destaque dessa tendência foram Adolf von Harnack e Albert Schweitzer. Esses teólogos pressupunham que os textos bíblicos, em sua produção histórica, obedeciam aos mesmos processos de composição encontrados em outros tipos de narrativa. Isso não significava um esvaziamento do caráter sagrado desses textos. Mas significava dizer que uma narrativa, mesmo que construída com base na fé, não está livre dos condicionamentos históricos que estão na sua base.
Em segundo lugar, chamaram-se de teólogos liberais àqueles estudiosos do cristianismo que tomaram como horizonte intelectual o idealismo histórico, principalmente aquele ligado a uma tradição hegeliana. O nome de destaque aqui é do Daniel Schleirmacher. Alguns incluem aí também os nomes de Ludwig Feuerbach e Rudolf Otto (este último mais ligado à tradição de Kant). Também afinados com as novas concepções do estudo da história, mas de base filosófica, o idealismo se estrutura na ideia do espírito universal como fonte racional de todas as produções simbólicas, incluindo as religiosas. A religião aí não perde sua aura de conhecimento sagrado, sublime, numinoso, ou mesmo revelado. Apenas é identificada como uma das maneiras com que o espírito universal se dá a conhecer. Junto com a Filosofia e a Arte, o conhecimento religioso seria uma das formas da fenomenologia do espírito.  
Do ponto de vista de sua localização geográfica e político-social, esses estudos são produções alemães, concebidos num contexto pequeno-burguês e universitário. Embora se tenha tentado vender a qualquer custo o simplismo de que o liberalismo teológico do século XIX tenha sido a razão do enfraquecimento do cristianismo na Europa, a verdade é que tais tendências liberais nunca chegaram a se popularizar, devido à sofisticação intelectual que exigiam. Ocorre com o liberalismo teológico o mesmo que ocorre com o Iluminismo. O etnocentrismo de parte dos historiadores europeus do século XX elege o Iluminismo – um movimento circunscrito à burguesia intelectual e universitária franco-germânica – como um “ciclo da mentalidade universal”. O sujeito europeu burguês é elevado à categoria de “sujeito universal”, em total desprezo aos movimentos de pensamento que ocorriam em outras partes do mundo. Trata-se aqui do próprio modo positivista de narrar a história. O que quero dizer é que, semelhantemente, o liberalismo nunca chegou ao status de paradigma teológico, a ponto de ser vinculado com a derrocada do cristianismo europeu. Esta deve ser buscada em razões mais amplas, que certamente não são monocausais. Fazer a história delas é tarefa para uma tese de doutorado...
Na maior parte das vezes em que a palavra “liberalismo” é usada hoje em nossas lutas morais envolvendo o cristianismo, o que se tem é o uso de um simulacro. Ela não descreve sujeitos, mas os cria por conta própria. O que se tem com seu uso é uma forma discursiva de desqualificação daqueles contra quem se luta. Tal confusão, contudo, não é nada nova. Karl Barth e Rudolf Bultmann, por exemplo, sempre foram considerados no Brasil como “teólogos liberais”, enquanto os mesmos se identificavam como reativos ao liberalismo da teologia acadêmica de Tübingen. Barth chegou a ser chamado de “neo-ortodoxo” na Europa, enquanto era rotundamente taxado e evitado no Brasil como um “teólogo liberal”.
Em minha opinião, há uma série de razões que levam ao uso da palavra “liberalismo” como recurso discursivo de desqualificação do outro nas atuais lutas morais de nosso cristianismo. Elas teriam a ver com a tradição protestante a que somos devedores no Brasil. Não compete listar todas essas razões históricas. Basta dizer que a grande confusão diz respeito ao fato de se confundir uma teologia que deseja ser libertadora com relativismo teológico. Foi o século XX que produziu as teologias libertadoras, embora elas já estivessem presentes em muitas tradições cristãs do Ocidente. Essa “função libertadora”, no século XX, teve início tendo o pobre como sujeito de discurso privilegiado. Atualmente (sem que a questão da pobreza tenha sido resolvida!), essa mesma função libertadora se estende para outras demandas, pois se descobriu que esse pobre é atravessado por outras contingências. O pobre tem gênero, tem sexo, tem etnia, e a libertação de seu cativeiro econômico não significa necessariamente a libertação das relações de poder que se dão nessas outras esferas. Em sua analítica do poder, Foucault sempre colocou a seguinte questão: “uma sociedade que produzisse plena equidade econômica, seria uma sociedade sem relações de poder?”
Creio que essas teologias reconhecem, inclusive, que o conhecimento religioso tem sido um dos principais saberes mantenedores de relações de poder assimétricas, dando suporte a sujeições pecaminosas e anti-evangélicas. E aqui está o ponto nevrálgico desse papo todo: chama-se de “liberalismo teológico” justamente àqueles discursos teológicos de resistência a isso, e que buscam desconstruir um discurso religioso opressor e mantenedor de relações de poder anti-evangélicas.
Qual a diferença entre o antigo discurso da Teologia Liberal e o destas teologias com desejo de libertação? A diferença consiste em que aquele – o discurso liberal – estava interessado em debater os pilares da fé cristã, submetendo seus fundamentos à investigação científica, como forma de dar contas a uma mentalidade burguesa e acadêmica que flertava com a liberdade da razão. No fundo, ele consistia em dizer àquela burguesia que o Cristianismo ainda poderia ter lugar num contexto “ilustrado”, ainda que fosse necessário negociar certos pressupostos. Essa teologia libertadora que hoje se estende à discussão acerca da sexualidade quer outra coisa completamente diferente. Ela está ligada a minorias concretas cuja vida é desqualificada de diversas formas no contexto social. Essa teologia desconfia que o discurso religioso pode ser fonte de sustentação para injustiças, e os coloca em cheque. Não relativiza os fundamentos da fé cristã, mas relativiza um certo tipo de apropriação desses fundamentos, que não percebe seus próprios efeitos opressores.
Portanto, se ser liberal consistir no exercício de relativizar certas interpretações da Bíblia, ou do que sejam os fundamentos da fé, eu nunca quis tanto ser liberal (parafraseando o Rev. Jardson Gregório)! Aviso-os somente que o dogma e o fundamento de tal teologia permanecem os mesmos dos apóstolos: quem ama conhece a Deus, porque Deus é amor. Ou ainda este: aonde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade. 

terça-feira, 10 de julho de 2012

ELEIÇÕES MUNICIPAIS – PARA INÍCIO DE CONVERSA... (JOÃO 8,32)


Por Pr. Wellington Santos
Igreja Batista do Pinheiro - Maceió-AL
Para início de conversa, gostaria de convidá-lo(a) para pensarmos juntos sobre o processo eleitoral em nossa cidade em pequenas doses, ou, como diriam os antigos: “De grão em grão”. Desde o último domingo foi dada a largada das eleições municipais 2012. Para mim, a eleição mais importante dentre as demais, pelo simples fato de que todas as nossas demandas como cidadãos acontecem no município em que vivemos. Por outro lado, na minha visão, esta é a eleição mais ignorada por parte do eleitor. Por exemplo: as cidades que conseguiram avançar em termos de solucionar seus graves problemas de saneamento básico, segurança, saúde, educação, trânsito, acessibilidade, meio ambiente, etc., conseguiram estas façanhas por conta de um gestor municipal (prefeito ou prefeita) inteligente, ético e trabalhador, além de uma câmara de vereadores atuante no seu papel fiscalizador e de proposição de leis que beneficiam o cidadão no município em que vive.
Todos os dias vemos pessoas reclamando nas redes sociais, nas ruas, igrejas, praças e nos lugares públicos da baixa qualidade dos seus representantes municipais. Fala-se muito, entretanto, as ações para mudar tal quadro parecem que ainda estão longe de acontecer. Não que as mesmas sejam difíceis de serem postas em prática. O problema é que para as mudanças começarem a aparecer, nós, os “eleitores indignados”, precisamos assumir nossa parcela de culpa quando ignoramos o processo eleitoral, trocamos o voto por cargos, facilidades, dinheiro e outras coisas banais, votamos de forma irresponsável em amigos, parentes e às vezes fazemos o discurso do voto nulo e branco que, com todo respeito, para mim não ajuda em nada. Frases no Facebook contra a propaganda nas redes sociais não mudam o processo. É preciso muito mais! Mais do que falar e falar ao vento, precisamos ter uma postura crítica, livre, responsável e ética na hora de escolher aquele ou aquela que vamos colocar na câmara dos vereadores.
É sempre bom lembrar que os cargos políticos não são alcançados pela via do concurso público, de forma que quem sempre se aproveitou destes espaços de forma imoral (compra de votos, ameaças, etc.) podem ser depostos a qualquer tempo, basta que consigamos transformar a utopia em algo concreto e real. Linhas de ônibus eficazes, passagens com preços justos, ruas iluminadas, postos de saúde com remédios, enfermeiros(as) e médicos(as) suficientes, escolas para nossas crianças, praças com condições de serem visitadas, projetos esportivos para juventude entre outras cositas mas, só serão possíveis se vencermos nossocomodismo, individualismo e desesperança e partirmos para fazer de Maceió uma cidade mais justa e cidadã. Não posso deixar de destacar por questão de justiça que algumas coisas mudaram para melhor. Entretanto, não posso viver olhando para trás! Quero uma cidade que consiga vencer os títulos catastróficos de mais violenta do país, um dos piores índices de desenvolvimento humano da região nordeste, entre outros destaques que acabam apagando as pequenas conquistas que tivemos.
Só estamos no início do processo eleitoral. Depois voltaremos a conversar sobre esta questão. Caso você leia e concorde com as ideias aqui apresentadas, lhe convido a divulgar entre seus amigos, familiares, colegas de trabalho e redes sociais. Como diria minha velha mãe: “De grão em grão a galinha enche o papo”. Quem sabe se com persistência e perseverança não conseguiremos encher o “papo” da nossa consciência para podermos assim, na hora do voto, votarmos com mais responsabilidade e compromisso ético.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

CIÊNCIA DE MENINO


Sobre o lúdico nas décadas de 1980 e 1990
Num bate-papo com meu pai durante as férias, ele se dizia estarrecido com a esperteza das crianças de hoje. Na opinião dele, os meninos de hoje são mais inteligentes, mais precoces em tudo. Usando um contra-exemplo, revelou algo inédito sobre mim. Disse que eu tive dificuldades para desenvolver a fala. Minha mãe, segundo ele, chegou a desconfiar que eu fosse mudo. A coisa de fato parece ter sido séria, já que até tratamento com fonoaudiólogo foi necessário. Falei somente após os dois anos de idade. Aí, meu pai concluiu: “parece que os meninos de hoje, ao contrário dos da sua época, já nascem sabendo tudo”.
Com muito respeito e reverência tive que discordar.
Na contramão da opinião do meu pai, não tenho nenhuma admiração por essa geração de crianças e adolescentes. Pelo contrário, tenho um pouco de pena deles. Melhor dizendo, tenho dó daquilo que estão fazendo deles. Fui criança na década de 1980 e adolescente na de 1990. Tenho orgulho de pertencer a essa geração por um simples motivo: entre nós havia espaço para a expansão da criatividade e da inventividade. Logo, minha tese é: aquela geração, sem Internet, sem MSN [sem Facebook], sem Playstation e sem Orkut era mais inteligente.
Na minha infância pouca coisa era necessária para a diversão. Se tivéssemos à disposição um lugar vasto (uma rua, uma várzea, uma praça, etc.), o resto era com a gente. Qualquer canto era um campo de bola. Qualquer pedra de rua era trave. Qualquer saco de plástico e meia dúzia de retalhos de pano era bola.
Mas a gente também gostava de jogo-de-botão. O problema era que nem sempre se tinha dinheiro pra comprar daqueles bonitinhos que se vendem em supermercados. Problema? De jeito nenhum! Qualquer dúzia de tampa de garrafa era um time. E se não tínhamos campo, qualquer folha de madeira lisa era transformada em um. Ganhei inúmeros campeonatos com meu “poderoso Bahia”.
Como todo menino da média, a gente adorava carrinho-de-mão. Se não tínhamos aqueles feitos em fábrica, qualquer recipiente de água sanitária cheio de areia e um barbante virava carro. E o que dizer então das patinetes, protótipos do skate,feitas de madeira e rodinhas de rolimã? Tinha até volante e freio! Meu Deus, como era bom!
E as pipas? São elas que mais revelam a inteligência peculiar daquela geração, porque sua fabricação requer conhecimentos de aerodinâmica (inconscientes até então). Os nomes eram os mais inusitados: tinha o morcego, em forma de quadrado e cruzado de uma ponta à outra por uma talisca de bambu reta e outra em forma de arco; tinha a arraia, em forma retangular e cruzada por duas taliscas retas; o tinha o bacalhau, cuja forma lembrava o emblema do Super Homem, atravessada por duas taliscas paralelas retas e outra perpendicular a elas; e tinha ainda o singelo periquito, feito com qualquer papel, sem taliscas e cuja aerodinâmica dependia apenas da exatidão das dobras.
Não tenho certeza, mas creio que eu e meus amigos tenhamos inventado oTampinha Cross. Pelo menos, nunca ouvi falar dele em outros lugares. Era simples: num chão de barro nós esculpíamos uma pista imitando um autódromo. Alisávamos o fundo de uma tampinha de refrigerante ou cerveja e cada um tinha direito a três toques (nós chamávamos de tops) na tampa alternadamente. Vencia quem cruzasse a linha de chegada primeiro, como numa corrida de Fórmula 1. E nisso a tarde ia num segundo!
Nós não nos contentávamos nem mesmo com as revistas em quadrinhos prontinhas das bancas. Produzíamos as nossas. Tínhamos os nossos próprios personagens e até nossa própria editora. Já pensou?
Qual era a vantagem daquela geração sobre a atual? A criatividade e a inventividade! Hoje a diversão exige um click insosso de mouse ou de joystick. Sem esse mundo de facilidades cibernéticas e interativas a gente tinha que fazer metamorfose das coisas. Em termos modestos a gente tinha que ser cientista, isto é, transformar a realidade bruta dos fenômenos a nosso favor. Fazíamos isso com maestria. É por isso que sinto pena dessa geração de crianças e adolescentes: estão sendo castrados em sua criatividade e inventividade em função de um click.
Eis, por fim, a diferença entre as duas gerações: a de agora goza os frutos da ciência – a de outrora fazia ciência. Rusticamente, mas fazia!
Janeiro de 2007