segunda-feira, 20 de setembro de 2010

E AGORA, O QUE FAREMOS NÓS? [1]

Religião, secularização e sociedade no Brasil
O que me ocupa incessantemente é a questão: o que é o cristianismo ou ainda quem é de fato Cristo para nós hoje. Foi-se o tempo em que se podia dizer isso para as pessoas por meio de palavras – sejam teológicas ou piedosas; passou igualmente o tempo da interioridade e da consciência moral, ou seja, o tempo da religião de maneira geral. Rumamos para uma época totalmente arreligiosa; as pessoas, sendo como são, simplesmente não conseguem mais ser religiosas. Também aquelas que se dizem “religiosas” de modo algum praticam o que dizem; portanto, é provável que com o termo “religioso” estejam referindo-se a algo bem diferente
(Dietrich Bonhoeffer, in Resistência e submissão)
Há pouquíssimo tempo atrás todos nós – teólogos(as), sociólogos(as) e cientistas da religião – concordávamos com o fato de que, com a Modernidade, a Religião havia sido exilada para a dimensão privada da vida das pessoas. Na América Latina esse processo teria um século de atraso em relação à Europa. Mas desde meados e fins do século XIX, um movimento de laicização dos estados encontrou grande adesão nesse canto do mundo. No Brasil, particularmente, o estado tornou-se laico em 1890. É verdade que tal laicização, até então, tem sido muito mais documental que experiencial. Exemplo disso é a permanência de símbolos religiosos – majoritariamente católicos – em espaços de repartições públicas, além das dezenas de feriados religiosos a cada ano.
Aqui entre nós, os Cristãos Batistas em particular estiveram muito implicados nas lutas por um estado livre da tutela religiosa. Junto aos maçons, judeus e protestantes de outras denominações, celebramos 1890 como uma conquista histórica memorável. Não sem razão! Afinal, numa sociedade e num estado tutelados há quatro séculos pela Igreja Católica, o preconceito e até a perseguição física colocavam os Batistas no rol daqueles grupos marginalizados. No nordeste do Brasil existem centenas de templos batistas que foram queimados por campanhas católicas. Milhares de cristãos protestantes, àquela época, não tinham o reconhecimento de sua condição matrimonial, já que casamentos não-católicos não eram reconhecidos pelo estado. Também estes mesmos protestantes apelaram por muito tempo para formas alternativas de sepultamento de seus mortos, já que os únicos cemitérios existentes estavam sob gerência das irmandades católicas.
Hoje, respirando ares pós-modernos, dois fenômenos integrados estão aí claros aos olhos de quem quiser ver:
(1) O estado laico se consolidou não a despeito da Religião, mas apesar dela. Uma das fundamentações para a laicização dos estados modernos havia sido científica. Ela estava relacionada à crença, àquela época, de que a Religião, enquanto fenômeno cultural, perderia seu vigor e sua influência sobre as massas, tudo por conta do progresso da ciência. Acerca disso vejam Comte, Freud, Marx, Russell, e muita gente mais;
(2) A Religião Cristã na pós-modernidade não é a mesma de outros tempos. Ela não somente volta à cena com sua força persuasiva e produtora de conduta social. Ela agora reclama seu papel no que diz respeito à construção da res-publica – da coisa pública. Banida para a dimensão privada da vida pela Modernidade, ela agora exige um espaço que gozou abundantemente em outros tempos, dos quais o mais emblemático fora a Idade Média. Acerca disso há dois autores interessantes: David Tracy e José Casanova.
Parece-me que os Cristãos Protestantes Brasileiros estão muito interessados nessa discussão. Os últimos debates sobre a possibilidade da “legalização da iniqüidade”, via PT, têm mostrado quanta gente nesses círculos está seriamente interessada em política. Mais do que isso: obedecendo ao ponto (2) acima, essas discussões mostram o quanto essa comunidade está interessada em construir um estado onde a influência da (sua) Religião seja factível.
Tentando acrescentar algum item a essa discussão, penso ser pertinente trazer à mesa alguns elementos históricos que não podem ser desprezados:
(1) Nós, Protestantes Brasileiros, e nós, Cristãos Batistas em particular, ajudamos a construir o estado laico no Brasil. Quando éramos minoria perseguida e esmagada pelo totalitarismo católico, nós fomos um dos bastiões para que um projeto liberal-modernizante se implantasse no Brasil. Esse projeto liberal-modenizante, que copiávamos de nossas matrizes européia e norte-americana, tinha os seguintes motes: a) no aspecto econômico, reforçava a modernização e industrialização contra as velhas oligarquias senhoras da terra; b) no aspecto político, levantava a bandeira da democracia representativa; c) no aspecto cultural, disseminava a escola para todos e a promoção do indivíduo e de sua liberdade. Conseguimos, com o sacrifício literal de muitos crentes, fazer com que nossa sociedade desse esses passos que, àquela época, considerávamos um avanço civilizatório.
(2) Naquela época, a Igreja Católica havia sido eleita como a grande antítese para os protestantes. E não somente em função das discrepâncias doutrinárias. Além desse inquestionável elemento, havia uma leitura político-econômica feita pelos protestantes que identificavam o atraso do Brasil com a influência do catolicismo. Era a essa época que Max Weber (em outro contexto sócio-geográfico, obviamente) escreveriaA ética protestante e o espírito do capitalismo. Weber mostraria como o ethos protestante ligado à ascese intramundana, à disciplina, à poupança, e a uma teologia que identificava os eleitos de Deus com o sucesso nos empreendimentos humanos, tornariam o Protestantismo numa das alavancas para o progresso do Capitalismo. O Catolicismo, por sua vez, com sua ética frouxa no que tange à disciplina social, produziria cidadãos pouco produtivos, e pouco afeitos ao “desenvolvimento” promovido pelo Capital. O “atraso brasileiro” estava assim explicado em função de sua matriz religiosa principal: o Catolicismo.
(3) A luta pela liberdade religiosa empreendida pelos nossos primeiros protestantes, sobretudo pelos Batistas, tornou-se uma luta ampla, que beneficiaria a outros sujeitos além dos protestantes. Maçons, judeus, candomblecistas, ateus, agnósticos, materialistas, todos eles sairiam ganhando. Eles não seriam meros beneficiados, mas em comunhão de pensamento com os Batistas, também entre esses os sacrifícios foram muitos. Para quem servir um exemplo alagoano, sugiro uma investigação acerca do Quebra de Xangô em 1912. Um dos maiores formadores de opinião entre os batistas brasileiros, Edgar Young Mullins, chegou a escrever o seguinte a esse respeito: “Os batistas crêem na liberdade religiosa para si próprios. Mas eles crêem também na igualdade de todos os homens. Para eles, isso não é um direito; é uma paixão. Embora não tenhamos nenhuma simpatia pelo ateísmo, agnosticismo ou materialismo, nós defendemos a liberdade do ateu, do agnóstico e do materialista em suas convicções religiosas ou não-religiosas”. Em nome da liberdade de consciência, algo que os Batistas, em todo mundo, sempre consideraram como de importância pivotal, nossos primeiros irmãos e irmãs pausaram por um momento suas diferenças em relação a grupos francamente distintos de seus pontos de vista fundamentais.
Tudo isso nos ajuda, inclusive, a dirimir algumas leituras parciais sobre nosso Protestantismo Brasileiro. Quase sempre reclamamos o fato de que este tem sido marcado historicamente pela letargia social. Quase sempre cobramos deste uma postura mais engajada quanto à transformação da sociedade brasileira. Tudo correto! Mas essa contribuição histórica existe, e está aí sucintamente descrita. Se temos hoje uma sociedade onde a liberdade de expressão é um direito garantido, aos Protestantes Brasileiros deve-se uma boa parcela dessa conquista. Muito sangue de crente simples, muito templo evangélico no interior desse país precisou ser sacrificado para tal.
Resumindo a coisa toda, eu diria que quando éramos minoria perseguida, a laicização do estado era uma benção! Quando éramos minoria silenciada e esmagada, a secularização da sociedade era uma benção! Quando éramos os esquisitos, os diferentes, os excluídos e marginalizados, defendíamos um estado isento da influência religiosa!
E agora que já não somos tão esquisitos assim, que faremos com os esquisitos e os diferentes? E agora que já somos quase 40% dos 190 milhões de brasileiros, que faremos com os diferentes e minoritários? E agora que somos a bola da vez em matéria de religião, que faremos com os atuais pagãos e hereges? E agora que nos fazemos representar na arena político-partidária, que faremos daqueles que outrora, junto a nós, engrossaram as fileiras dos “ratos da sociedade”? E agora que estamos pacificados em nossos templos de domingo a domingo, que faremos com uma sociedade que deseja tocar sua vida para além de nossa influência religiosa?
A gente segue conversando!

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

ELEIÇÕES 2010 - PRONUNCIAMENTO DA ALIANÇA DE BATISTAS DO BRASIL


PRONUNCIAMENTO DA ALIANÇA DE BATISTAS DO BRASIL
ELEIÇÕES 2010
A Aliança de Batistas do Brasil vem por meio deste documento reafirmar o compromisso histórico dos batistas, em todo o mundo, com a liberdade de consciência em matéria de religião, política e cidadania. A paixão pela liberdade faz com que, como batistas, sejamos um povo marcado pela pluralidade teológica, eclesiológica e ideológica, sem prejuízo de nossa identidade. Dessa forma, ninguém pode se sentir autorizado a falar como “a voz batista”, a menos que isso lhe seja facultado pelos meios burocráticos e democráticos de nossa engrenagem denominacional.
Em nome da liberdade e da pluralidade batistas, portanto, a Aliança de Batistas do Brasil torna pública sua repulsa a toda estratégia político-religiosa de “demonização do Partido dos Trabalhadores do Brasil” (doravante PT). Nesse sentido, a intenção do presente documento é deixar claro à sociedade brasileira duas coisas: (1) mostrar que tais discursos de demonização do PT não representam o que se poderia conceber como o pensamento dos batistas brasileiros, mas somente um posicionamento muito pontual e situado; (2) e tornar notório que, como batistas brasileiros, as idéias aqui defendidas são tão batistas quanto as que estão sendo relativizadas.
1. A Aliança de Batistas do Brasil é uma entidade ecumênica e dedicada, entre outras tarefas, ao diálogo constante com irmãos e irmãs de outras tradições cristãs e religiosas. Compreendemos que tal posicionamento não fere nossa identidade. Do contrário, reafirma-a enquanto membro do Corpo de Cristo, misteriosamente Uno e Diverso. Assim, consideramos vergonhoso que pastores e igrejas batistas histórica e tradicionalmente anticatólicos, além de serem caracterizados por práticas proselitistas frente a irmãos e irmãs de outras tradições religiosas de nosso país, professem no presente momento a participação em coalizões religiosas de composição profundamente suspeita do ponto de vista moral, cujos fins dizem respeito ao destino político do Brasil. Vigoraria aí o princípio apontado por Rubem Alves (1987, p. 27-28) de que “em tempos difíceis os inimigos fazem as pazes”? Com o exposto, desejamos fazer notória a separação entre os interesses ideológicos de tais coalizões e os valores radicados no Evangelho. Por não representarem a prática cotidiana de grande fração de pastores e igrejas batistas brasileiras, tais coalizões deixam claro sua intenção e seu fundo ideológico, porém, bem pouco evangélico. Logrado o êxito buscado, as igrejas e os pastores batistas comprometidos com as coalizões “antipetistas” dariam continuidade à prática ecumênica e ao diálogo fraterno com a Igreja Católica, assim como com as demais denominações evangélicas e tradições religiosas brasileiras? Ou logrado o êxito perseguido, tais igrejas e pastores retornariam à postura de gueto e proselitismo que lhes marcam histórica e tradicionalmente?
2. Como entidade preocupada e atuante em face da injustiça social que campeia em nosso país desde seu “descobrimento”, a Aliança de Batistas do Brasil sente-se na obrigação de contradizer o discurso que atribui ao PT a emergente “legalização da iniqüidade”. Consideramos muito estranho que discursos como esse tenham aparecido somente agora, 30 anos depois de posicionamentos silenciosos e marcados por uma profunda e vergonhosa omissão diante da opressão e da violência a liberdades civis, sobretudo durante a ditadura militar (1964-1985). Estranhamos ainda que tais discursos se irmanem com grupos e figuras do universo político-evangélico maculadas pelo dinheiro na cueca em Brasília, além da fatídica oração ao “Senhor” (Mamon?). Estranhamos ainda que tais discursos não denunciem a fome, o acúmulo de riqueza e de terras no Brasil (cf. Isaías 5,8), a pedofilia no meio católico e entre pastores protestantes, como iniquidades há tempos institucionalizadas entre nós. Estranhamos ainda que tais discursos somente agora notem a possibilidade da legalização da iniquidade nas instituições governamentais, e faça vistas grossas para a fatídica política neoliberal de FHC, além da compra do congresso para aprovar a reeleição. Estranhamos que tais discursos não considerem nossos códigos penal e tributário como iniqüidades institucionalizadas. Os exemplos de como a iniqüidade está radicalmente institucionalizada entre nós são tantos que seriam extenuantes. Certamente para quem se domesticou a ver nas injustiças sociais de nosso Brasil um fato “natural”, ou mesmo como a “vontade de Deus”, nada do mencionado antes parece ser iníquo. Infelizmente!
3. Como entidade identificada com o rigor da crítica e da autocrítica, desejamos expressar nosso descontentamento com a manipulação de imagens e de informações retalhadas, organizadas como apelo emocional e ideológico que mais falseia a realidade do que a apreende ou a esclarece. Textos, vídeos, e outros recursos de comunicação de massa, devem ser criteriosamente avaliados. Os discursos difamatórios tais como os que se dirigem agora contra o PT quase sempre se caracterizam por exemplos isolados recortados da realidade. Quase sempre, tais exemplos não são representativos da totalidade dos grupos e das ideologias envolvidas. Dito de forma simples: uma das armas prediletas da difamação é a manipulação, que se dá quase sempre pelo uso de falas e declarações retiradas do contexto maior de onde foram emitidas. Em lugar de estratégias como essas, que consideramos como atentados à ética e à inteligência das pessoas, gostaríamos de instigar aos pastores, igrejas, demais grupos eclesiásticos e civis, o debate franco e aberto, marcado pelo respeito e pela honestidade, mesmo que resultem em divergências de pensamento entre os participantes.
4. A Aliança de Batistas de Brasil é uma entidade identificada com a promoção e a defesa da vida para toda a sociedade humana e para o planeta. Mas consideramos também que é um perigo quando o discurso de defesa da vida toma carona em rancores de ordem política e ideológica. Consideramos, além disso, como uma conquista inegociável a laicidade de nosso estado. Por isso, desconfiamos de todo discurso e de todo projeto que visa (re)unir certas visões religiosas com as leis que regem nossa sociedade. A laicidade do estado, enquanto conquista histórica, deve permanecer como meio de evitar que certas influências religiosas usurpem o privilégio perante o estado, e promova assim a segregação de confissões religiosas diferentes. É mister recordar uma afirmação de um dos grandes referenciais teológicos entre os batistas brasileiros, atualmente esquecido: “Os batistas crêem na liberdade religiosa para si próprios. Mas eles crêem também na igualdade de todos os homens. Para eles, isso não é um direito; é uma paixão. Embora não tenhamos nenhuma simpatia pelo ateísmo, agnosticismo ou materialismo, nós defendemos a liberdade do ateu, do agnóstico e do materialista em suas convicções religiosas ou não-religiosas” (E. E. Mullins, citado por W. Shurden). Nossa posição está assentada na convicção de que o Evangelho, numa dada sociedade, não deve se garantir por meio das leis, mas por meio da influência da vida nova em Jesus Cristo. Não reza a maior parte das Histórias Eclesiásticas a convicção de que a derrota do Cristianismo consistiu justamente em seu irmanamento com o Império Romano? Impor a influência de nossa fé por meio das leis do estado não é afirmar a fraqueza e a insuficiência do Evangelho como “poder de Deus para a salvação de todo o que crê”? No mais, em regimes democráticos como o estado brasileiro, existem mecanismos de participação política e popular cuja finalidade é a construção de uma estrutura governamental cada vez mais participativa. Foi-se o tempo em que nossa participação política estava confinada à representatividade daqueles em quem votamos.
5. A Aliança de Batistas do Brasil se posiciona contra a demonização do PT, levando em consideração também que tal processo nega o legado histórico do Partido dos Trabalhadores na construção de um projeto político nascido nas bases populares e identificado com a inclusão e a justiça social. Os que afirmam o nascimento de um “império da iniquidade”, com uma possível vitória do PT nas atuais eleições, “esquecem” o fundamental papel deste partido em projetos que trouxeram mais justiça para a nação brasileira, como, por exemplo: na reorganização dos movimentos trabalhistas, ainda no período da ditadura militar, visando torná-los independentes da tutela do estado; na implantação e fortalecimento domovimento agrário-ecológico dos seringueiros do Acre pela instalação de reservas extrativistas na Amazônia, dirigido, na década de 1980, porChico Mendes; nas ações em favor da democracia, lutando contra a ditadura militar e utilizando, em sua própria organização, métodos democráticos, rompendo com o velho “peleguismo” e com a burocracia sindical dos tempos varguistas; nas propostas e lutas em favor da reforma agrária ao lado de movimentos de trabalhadores rurais, sobretudo o MST; no apoio às lutas pelos direitos das crianças, adolescentes, jovens, mulheres, homossexuais, negros e indígenas; e na elaboração de estratégias, posteriormente transformadas em programas, de combate à fome e à miséria. Atualmente, na reta final do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, vemos que muita coisa desse projeto político nascido nas bases populares foi aplicado. O governo Lula caminha para seu encerramento apresentando um histórico de significativas mudanças no Brasil: diminuição do índice de desemprego, ampliação dos investimentos e oportunidades para a agricultura familiar, aumento do salário mínimo, liquidação das dívidas com o FMI, fim do ciclo de privatização de empresas estatais, redução da pobreza e miséria, melhor distribuição de renda, maior acesso à alimentação e à educação, diminuição do trabalho escravo, redução da taxa de desmatamento etc. É verdade que ainda há muito a se avançar em várias áreas vitais do Brasil, mas não há como negar que o atual governo do PT na Presidência da República tem favorecido a garantia dos direitos humanos da população brasileira, o que, com certeza, não aconteceria num “império de iniquidade”. Está ficando cada vez mais claro que os pregadores que anunciam dos seus púpitos o início de uma suposta amplitude do mal, numa continuidade do PT no Executivo Federal, são os que estão com saudade do Brasil ajoelhado diante do capital estrangeiro, produzindo e gerenciando miséria, matando trabalhadores rurais, favorecendo os latifundiários, tratando aposentados como vagabundos, humilhando os desempregados e propondo o fim da história.
Enfim, a Aliança de Batistas do Brasil vem a público levantar o seu protesto contra o processo apelatório e discriminador que nos últimos dias tem associado o Partido dos Trabalhadores às forças da iniquidade. Lamentamos, sobretudo, a participação de líderes e igrejas cristãs nesses discursos e atitudes, que lembram muito a preparação das fogueiras da inquisição.
Maceió, 10 de setembro de 2010.
Pastora Odja Barros Santos – Presidente
Pastores/as batistas membros da Aliança
Pr. Joel Zeferino _ Igreja Batista Nazaré – Salvador-BA
Pr. Wellington Santos – Igreja Batista do Pinheiro – Maceió-AL
Pr. Paulo César – Igreja Batista Bultrins – Olinda –PE
Pr. Paulo Nascimento – Igreja Batista da Forene – Maceió-AL
Pr. Reginaldo José da Silva – Igreja Batista da Cidade evangélica dos órfãos – Bonança-PE
Pr. Waldir Martins Barbosa – Ig. Batista Esperança
Pr. Silvan dos Santos – Igreja Batista Pinheiros – São Lourenço da Mata- PE
Pr. Marcos Monteiro – Comunidade de Jesus – Feira de Santana – BA
Pr. João Carlos Silva de Araujo - Primeira Igreja Batista do Recreio
Pra. Marinilza dos Santos - Igreja Batista Pinheiros – São Lourenço da Mata- PE
Pr. Adriano Trajano – Chã Preta – AL
Pr. Pedro Virgilio da Silva Filho - Serrinha BA
Pr. Gilmar de Araújo Duarte - PIB Brás de Pina – RJ
Pr. Alessandro Rodrigues Rocha - SIB Petrópolis, Petrópolis RJ
Pr. Nilo Tavares Silva - Igreja:Batista em Praça do Carmo, Rio de Janeiro RJ
Pr.Luis Nascimento - Princeton, NJ – USA
Pr.Raimundo Barreto – USA

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

EM NOME DE d-EU-S


Ou “Quando fé e violência são uma coisa só”

Listen when the prophet
Speaks to you
Killing in the name of God
Passion
Twisting faith into violence
In the name of God
Blurring the lines
Between virtue and sin
They can’t tell
Where God ends
And manking Begins
(In the name of God, Dream Theater)

Nos últimos dias, dois pastores batistas chamaram a atenção de muita gente, um nos Estados Unidos, e outro no Brasil. O primeiro teve a repercussão de sua fala ecoada mais intensamente na TV. O segundo, na Internet. Por si só, a repercussão de suas falas nos fala muito de nosso mundo dito pós-moderno. O que quer que pós-modernidade signifique, esse conceito deve incluir a convicção do quanto a religião continua presente como força cultural que afeta não somente a vida privada das pessoas, mas também repercute e influencia a vida pública.
Se a secularização fosse um fenômeno totalizante socialmente falando, os dois pastores mencionados não chamariam tanta atenção e nem causariam tanta preocupação. Mas num mundo onde o religioso permanece como força produtora de sentido absoluto e de conduta social, não se pode desprezar o impacto que as duas falas possam vir a causar no tecido social.
Tentando exercitar a brevidade, eu desejaria avaliar as duas falas à luz daquilo que Edgar Morin (2010) costuma chamar de “ecologia da ação”. Segundo Morin, dois princípios marcam a ecologia da ação:
(1) O fato de que toda ação, uma vez iniciada, entra num jogo de interações e retroações no meio em que é efetuada, que podem desviá-la de seus fins e até levar a um resultado contrário ao esperado;
(2) As conseqüências últimas da ação são imprevisíveis.
Outros referenciais teóricos que poderiam nos ajudar na avaliação dessas falas são a “análise do discurso” (Foucault, Heritage, Pêcheux, Bakhtin, etc.) e o “construcionismo social” (Gergen, Ibañez, Haking, Berger & Luckmann, etc.). Como se tratam de referenciais teóricos muito amplos, eu me contentaria em dizer que (mesmo correndo o risco de uma extrema simplificação) sua grande contribuição está no fato de nos ajudarem a pensar nos efeitos produzidos pela rede discursiva numa determinada sociedade. Eles nos ajudam a pensar nas táticas que transformam discursos relativos em “jogos de verdade” (Foucault, 1996). E como esses jogos de verdade contribuem na construção social da realidade.
Ambos os pastores pretendem falar em nome de Deus. Deus, conforme Paul Tillich (1993), é o nome que os seres humanos dão a tudo aquilo que os toca de forma incondicional e última. É o nome daquilo que é absoluto, estando acima de todos os valores, não determinado por condicionamentos históricos ou sociais. Portanto, existirão tantos deuses quanto a iniciativa humana desejar. Porque são muitas as criações humanas elevadas à qualidade do absoluto, do incondicional e do a-histórico.
Idéias filosóficas, dogmas religiosos, teorias científicas, projetos políticos, sistemas econômicos, são exemplos dos muitos deuses existentes entre os seres humanos. Tillich nos explica que toda vez que isso ocorre – ou seja, toda vez que uma realidade humana transitória, histórica, passageira, é elevada à categoria de ultimacidade e incondicionalidade –, cometemos idolatria. Toda vez que uma criação humana é revestida de valor absoluto e inquestionável, os seres humanos tornam-se idólatras. Não era a toa que João Calvino nos chamava a atenção para o fato de que a cabeça humana é uma fábrica de ídolos.
Nesse sentido, Jon Sobrino (1997) tem toda razão quando nos convida a tomar a idolatria a sério. Para ele, essa deveria ser a tarefa fundamental da Teologia nos dias de hoje. Mas por quê seria assim? Penso que por duas razões:
(1) A primeira vem de Nietzsche (1992), que nos dizia o seguinte: “o proprium de toda grande idolatria reside no fato de que ela apaga no ser idolatrado idiossincrasias e feições originais, feições com freqüência penosamente estranhas; ela mesma sequer as enxerga”. É verdade, o idólatra está cego para as feições monstruosas do deus a quem serve. Tal cegueira, conforme a antiga sabedoria do Salmo 115, faz com que idólatras e ídolos se assemelhem;
(2) A segunda diz respeito ao fato de que a sobrevivência do ídolo depende da negação e da morte dos infiéis, dos insubmissos, e dos arredios à sua vontade. O ídolo não pode suportar discursos opostos ao seu, pois ele é algo “absoluto”, “atemporal”, “inquestionável”, a quem as pessoas devem aderir sem contestação. A eliminação dos inimigos e o sacrifício de vidas humanas é o preço de sua sobrevivência.
Ambos os pastores falam, portanto, em nome de um ídolo a quem se assemelham. E o nome do ídolo é este: Religião. O sobrenome é este: Protestantismo.
O primeiro pastor o faz exigindo o sacrifício específico dos mulçumanos. O segundo, pelo viés da política, exigindo o sacrifício de gays, lésbicas, divorciados, e outros. O primeiro exige a pureza espiritual e étnica como vassoura para os impuros e hereges adoradores de Alá. O segundo exige a pureza política, moral e religiosa como vassoura para livres-pensadores, “petistas”, imorais e pagãos. Ora, ídolos não suportam diálogos, discussões francas de idéias, escuta dos outros. Para quê dialogar se de antemão estou convencido de que minha verdade deve ser o prumo do mundo? Por isso, onde os ídolos falam, seus porta-vozes apresentam-se como bastiões da moral, dos altos valores humanos, que necessitam da imposição como meio de efetivação.
Os discursos de ambos os pastores, observados os princípios da ecologia da ação, em lugar de promoverem a defesa da vida, espalham sementes de morte, de ressentimentos, e reforçam preconceitos já tão enraizados na sociedade. Em suas bocas, a palavra humana que deveria veicular a Palavra de Deus, torna-se a palavra do Diabo Humano que lateja em todos nós.
Ídolo e idólatras são cegos. Não vêem que naqueles em quem os discursos dos referidos pastores encontram adesão, cria-se e reforça-se uma legião de gente disposta a ir deixando o mundo cada vez mais feio. Não vêem que tais discursos formam gente que, por fidelidade ao ídolo, não percebem que a “cruzada pela vida” produz efeitos de segregação e morte.
O Dream Theater, numa de suas canções, nos convida a ouvir os profetas que falam em nome de Deus, misturando fé e violência. Mas para resistir a eles, e nunca acatar sua palavra.
Bibliografia
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso – Aula inaugural no Collège de France pronunciada em 2 de dezembro de 1970. São Paulo: Loyola, 1996
MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita – Repensar a reforma, reformar o pensamento. 17ª edição, Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010
NIETZSCHE, Friedrich. O Anticristo – Maldição do Cristianismo. São Paulo: Newton Compton, 1992
SOBRINO, Jon. Ateísmo e idolatria. In: SOARES, Afonso Maria Ligorio (org.). Juan Luis Segundo: uma teologia com sabor de vida. Tradução de Afonso Maria Ligorio, São Paulo: Paulinas, 1997
TILLICH, Paul. Dinâmica da fé. São Leopoldo: Sinodal, 1993