segunda-feira, 20 de setembro de 2010

E AGORA, O QUE FAREMOS NÓS? [1]

Religião, secularização e sociedade no Brasil
O que me ocupa incessantemente é a questão: o que é o cristianismo ou ainda quem é de fato Cristo para nós hoje. Foi-se o tempo em que se podia dizer isso para as pessoas por meio de palavras – sejam teológicas ou piedosas; passou igualmente o tempo da interioridade e da consciência moral, ou seja, o tempo da religião de maneira geral. Rumamos para uma época totalmente arreligiosa; as pessoas, sendo como são, simplesmente não conseguem mais ser religiosas. Também aquelas que se dizem “religiosas” de modo algum praticam o que dizem; portanto, é provável que com o termo “religioso” estejam referindo-se a algo bem diferente
(Dietrich Bonhoeffer, in Resistência e submissão)
Há pouquíssimo tempo atrás todos nós – teólogos(as), sociólogos(as) e cientistas da religião – concordávamos com o fato de que, com a Modernidade, a Religião havia sido exilada para a dimensão privada da vida das pessoas. Na América Latina esse processo teria um século de atraso em relação à Europa. Mas desde meados e fins do século XIX, um movimento de laicização dos estados encontrou grande adesão nesse canto do mundo. No Brasil, particularmente, o estado tornou-se laico em 1890. É verdade que tal laicização, até então, tem sido muito mais documental que experiencial. Exemplo disso é a permanência de símbolos religiosos – majoritariamente católicos – em espaços de repartições públicas, além das dezenas de feriados religiosos a cada ano.
Aqui entre nós, os Cristãos Batistas em particular estiveram muito implicados nas lutas por um estado livre da tutela religiosa. Junto aos maçons, judeus e protestantes de outras denominações, celebramos 1890 como uma conquista histórica memorável. Não sem razão! Afinal, numa sociedade e num estado tutelados há quatro séculos pela Igreja Católica, o preconceito e até a perseguição física colocavam os Batistas no rol daqueles grupos marginalizados. No nordeste do Brasil existem centenas de templos batistas que foram queimados por campanhas católicas. Milhares de cristãos protestantes, àquela época, não tinham o reconhecimento de sua condição matrimonial, já que casamentos não-católicos não eram reconhecidos pelo estado. Também estes mesmos protestantes apelaram por muito tempo para formas alternativas de sepultamento de seus mortos, já que os únicos cemitérios existentes estavam sob gerência das irmandades católicas.
Hoje, respirando ares pós-modernos, dois fenômenos integrados estão aí claros aos olhos de quem quiser ver:
(1) O estado laico se consolidou não a despeito da Religião, mas apesar dela. Uma das fundamentações para a laicização dos estados modernos havia sido científica. Ela estava relacionada à crença, àquela época, de que a Religião, enquanto fenômeno cultural, perderia seu vigor e sua influência sobre as massas, tudo por conta do progresso da ciência. Acerca disso vejam Comte, Freud, Marx, Russell, e muita gente mais;
(2) A Religião Cristã na pós-modernidade não é a mesma de outros tempos. Ela não somente volta à cena com sua força persuasiva e produtora de conduta social. Ela agora reclama seu papel no que diz respeito à construção da res-publica – da coisa pública. Banida para a dimensão privada da vida pela Modernidade, ela agora exige um espaço que gozou abundantemente em outros tempos, dos quais o mais emblemático fora a Idade Média. Acerca disso há dois autores interessantes: David Tracy e José Casanova.
Parece-me que os Cristãos Protestantes Brasileiros estão muito interessados nessa discussão. Os últimos debates sobre a possibilidade da “legalização da iniqüidade”, via PT, têm mostrado quanta gente nesses círculos está seriamente interessada em política. Mais do que isso: obedecendo ao ponto (2) acima, essas discussões mostram o quanto essa comunidade está interessada em construir um estado onde a influência da (sua) Religião seja factível.
Tentando acrescentar algum item a essa discussão, penso ser pertinente trazer à mesa alguns elementos históricos que não podem ser desprezados:
(1) Nós, Protestantes Brasileiros, e nós, Cristãos Batistas em particular, ajudamos a construir o estado laico no Brasil. Quando éramos minoria perseguida e esmagada pelo totalitarismo católico, nós fomos um dos bastiões para que um projeto liberal-modernizante se implantasse no Brasil. Esse projeto liberal-modenizante, que copiávamos de nossas matrizes européia e norte-americana, tinha os seguintes motes: a) no aspecto econômico, reforçava a modernização e industrialização contra as velhas oligarquias senhoras da terra; b) no aspecto político, levantava a bandeira da democracia representativa; c) no aspecto cultural, disseminava a escola para todos e a promoção do indivíduo e de sua liberdade. Conseguimos, com o sacrifício literal de muitos crentes, fazer com que nossa sociedade desse esses passos que, àquela época, considerávamos um avanço civilizatório.
(2) Naquela época, a Igreja Católica havia sido eleita como a grande antítese para os protestantes. E não somente em função das discrepâncias doutrinárias. Além desse inquestionável elemento, havia uma leitura político-econômica feita pelos protestantes que identificavam o atraso do Brasil com a influência do catolicismo. Era a essa época que Max Weber (em outro contexto sócio-geográfico, obviamente) escreveriaA ética protestante e o espírito do capitalismo. Weber mostraria como o ethos protestante ligado à ascese intramundana, à disciplina, à poupança, e a uma teologia que identificava os eleitos de Deus com o sucesso nos empreendimentos humanos, tornariam o Protestantismo numa das alavancas para o progresso do Capitalismo. O Catolicismo, por sua vez, com sua ética frouxa no que tange à disciplina social, produziria cidadãos pouco produtivos, e pouco afeitos ao “desenvolvimento” promovido pelo Capital. O “atraso brasileiro” estava assim explicado em função de sua matriz religiosa principal: o Catolicismo.
(3) A luta pela liberdade religiosa empreendida pelos nossos primeiros protestantes, sobretudo pelos Batistas, tornou-se uma luta ampla, que beneficiaria a outros sujeitos além dos protestantes. Maçons, judeus, candomblecistas, ateus, agnósticos, materialistas, todos eles sairiam ganhando. Eles não seriam meros beneficiados, mas em comunhão de pensamento com os Batistas, também entre esses os sacrifícios foram muitos. Para quem servir um exemplo alagoano, sugiro uma investigação acerca do Quebra de Xangô em 1912. Um dos maiores formadores de opinião entre os batistas brasileiros, Edgar Young Mullins, chegou a escrever o seguinte a esse respeito: “Os batistas crêem na liberdade religiosa para si próprios. Mas eles crêem também na igualdade de todos os homens. Para eles, isso não é um direito; é uma paixão. Embora não tenhamos nenhuma simpatia pelo ateísmo, agnosticismo ou materialismo, nós defendemos a liberdade do ateu, do agnóstico e do materialista em suas convicções religiosas ou não-religiosas”. Em nome da liberdade de consciência, algo que os Batistas, em todo mundo, sempre consideraram como de importância pivotal, nossos primeiros irmãos e irmãs pausaram por um momento suas diferenças em relação a grupos francamente distintos de seus pontos de vista fundamentais.
Tudo isso nos ajuda, inclusive, a dirimir algumas leituras parciais sobre nosso Protestantismo Brasileiro. Quase sempre reclamamos o fato de que este tem sido marcado historicamente pela letargia social. Quase sempre cobramos deste uma postura mais engajada quanto à transformação da sociedade brasileira. Tudo correto! Mas essa contribuição histórica existe, e está aí sucintamente descrita. Se temos hoje uma sociedade onde a liberdade de expressão é um direito garantido, aos Protestantes Brasileiros deve-se uma boa parcela dessa conquista. Muito sangue de crente simples, muito templo evangélico no interior desse país precisou ser sacrificado para tal.
Resumindo a coisa toda, eu diria que quando éramos minoria perseguida, a laicização do estado era uma benção! Quando éramos minoria silenciada e esmagada, a secularização da sociedade era uma benção! Quando éramos os esquisitos, os diferentes, os excluídos e marginalizados, defendíamos um estado isento da influência religiosa!
E agora que já não somos tão esquisitos assim, que faremos com os esquisitos e os diferentes? E agora que já somos quase 40% dos 190 milhões de brasileiros, que faremos com os diferentes e minoritários? E agora que somos a bola da vez em matéria de religião, que faremos com os atuais pagãos e hereges? E agora que nos fazemos representar na arena político-partidária, que faremos daqueles que outrora, junto a nós, engrossaram as fileiras dos “ratos da sociedade”? E agora que estamos pacificados em nossos templos de domingo a domingo, que faremos com uma sociedade que deseja tocar sua vida para além de nossa influência religiosa?
A gente segue conversando!

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