quinta-feira, 15 de julho de 2010

RESENHA DE “A PROFECIA NA IGREJA” (JOSÉ COMBLIN)


RESENHA DE “A PROFECIA NA IGREJA” (JOSÉ COMBLIN)


“Não deixe cair a profecia”. Foram essas as últimas palavras de Dom Helder Câmara ditas a Marcelo Barros, num encontro derradeiro entre os dois antes da partida daquele. E é justamente com um relato deste encontro que José Comblin nos introduz ao seu livro A profecia na Igreja. Talvez essa seja a melhor maneira de introduzir uma reflexão sobre a profecia na Igreja. Dom Helder certamente é a figura que melhor encarnou o papel do profeta cristão em nosso tempo. É muito justo que em sua lápide estejam grafadas as palavras: “O profeta do século XX”.

Também é verdade que o nome de José Comblin deve ser associado ao ministério profético de nosso cristianismo latino americano. Seu vigor na produção teológica, assim como sua insistência na mensagem de cuidado dos pobres, nos assusta e nos constrange. A profecia na Igreja, portanto, não deve ser recebido como nenhuma novidade. Antes, deve ser celebrado como expressão de uma visão inquebrantável, e como testemunho de uma fidelidade pouco comum entre as gerações mais recentes de teólogos e teólogas.

Seu livro chega num momento em que necessitamos exercitar a esperança. Ele nos serve perfeitamente nesse propósito. O cristianismo latino americano, no que diz respeito à sua vocação profética, parece viver um tempo de desgaste e de exaustão. Em meio a um momento de aparente hegemonia das forças reacionárias no âmbito católico, os movimentos teológicos e eclesiais ligados à Teologia da Libertação parecem atravessar uma crise e um momento de retomada de seu vigor. No âmbito evangélico, as teologias triunfalistas e o apelo subjetivista da experiência religiosa ganham espaço e se afirmam de forma crescente. Também nesse ambiente os grupos e movimentos identificados com uma proposta progressista e libertadora enfrentam grande dificuldade de articulação e afirmação. Onde estará a profecia no atual cristianismo latino americano? Onde identificá-la? Quais são seus atuais desafios? Quem são os atuais alvos de sua denúncia?

A profecia na Igreja deseja nos situar em face desse contexto, e deseja responder a estes questionamentos. Comblin parte de uma intuição fundamental: o espírito profético sempre esteve presente na vida da Igreja. Certamente, uma das grandes contribuições da presente obra consiste em contrapor-se ao olhar viciado de nossas análises, que a partir de sua ânsia pela crítica, tendem a não dar visibilidade aos focos de resistência e às articulações proféticas sempre presentes em nosso cristianismo.

Seguindo sua veia de biblicista consagrado, o Autor dedica os três primeiros capítulos de seu livro à descrição e análise do profetismo bíblico, desde os profetas do Antigo Testamento (cap. 1), até a uma avaliação da dimensão profética do ministério de Jesus de Nazaré (cap. 2), culminando com a descrição do profetismo cristão no primeiro século, onde a ênfase recai sobre o livro de Atos dos Apóstolos (cap. 3). Em seguida, Comblin nos oferece um capítulo dedicado ao estudo da presença da profecia entre os teólogos patrísticos (cap. 4), e outro dedicado à presença da profecia na Idade Média (cap. 5). Ao período compreendido como o início da Modernidade, o autor dedicará outro capítulo, caracterizado pelo acento conferido à importância do espírito profético durante a conquista das Américas (cap. 6). Dois capítulos desta revisão histórica ocupam-se do mundo contemporâneo. No primeiro deles, Comblin destaca o lugar da profecia na construção da sociedade industrial (cap. 7), e no segundo, procede com a descrição da atuação concreta de alguns padres iminentes da América Latina no século XX (cap. 8).

Os três últimos capítulos são mais construtivos que narrativos. No primeiro deles, o interesse do Autor se volta para refletir sobre os elementos constantes no espírito profético, identificáveis onde quer que a profecia tenha se manifestado no tempo e no espaço (cap. 9). A ênfase aí, obviamente, recai sobre a conversão ao pobre. O penúltimo capítulo dedica-se a uma descrição do papel atual da profecia. Nesse tocante, Comblin nos oferece uma breve avaliação do fenômeno da globalização, assim como as possibilidades de enfrentamento dos seus efeitos nocivos sobre os pobres (cap. 10). Por fim, o último capítulo é dedicado a uma avaliação de quais seriam os futuros desafios que o presente contexto coloca àqueles que se identificam com os anseios de libertação dos pobres e dos demais oprimidos de nossas sociedades (cap. 11).

O critério do Autor para discernir o espírito profético presente em um grupo ou em um indivíduo é muito simples. O profeta é aquele(a) que, a partir da escuta da Palavra de Deus e da vivência do Evangelho de Jesus Cristo, assume a causa do “povo dos pobres”, como se refere o Autor constantemente. Ele(a) é uma pessoa marcada pela liberdade. Seu aparecimento é imprevisível, sendo fruto de uma ação do Espírito Santo em favor dos sem-vez e sem-voz. A palavra do profeta é pontual. Dirige-se sempre a uma situação concreta, historicamente situada, de tal maneira que ultrapassado o desarranjo a que se dirige, esta palavra já não faz sentido. Ao mesmo tempo em que enfrenta as forças opressoras da sociedade, o profeta pede a conversão de toda a Igreja à tarefa de cuidado dos excluídos. Por isso, a profecia não se dá a despeito da Igreja, mas se dá como um carisma em seu interior.

O Autor, já próximo dos seus noventa anos de idade, encerra suas reflexões oferecendo-nos um testemunho de profunda esperança, pois deseja apostar nos jovens como os portadores da profecia atual. “Os profetas estão no meio de nós. Provavelmente são jovens, pois ainda não apareceram publicamente” (p. 286), ele nos diz. E nas últimas linhas de seu livro, conclui: “Eu estou no final da vida. Tive o privilégio de conhecer de perto e de participar da vida de grandes profetas e também de muitos pequenos profetas, homens e mulheres, que não entraram oficialmente na história. Desejo que muitos jovens possam fazer a mesma experiência” (idem).

Os olhos de José Comblin, capazes de notar a presença sempiterna do espírito profético na vida da Igreja, e seu coração, ainda capaz de apostar nos jovens de nossa geração, dão testemunho de que o Espírito Santo de fato continua a soprar entre nós. Mas os profetas, é verdade, são pouco ouvidos. Oxalá A profecia na Igreja ajude a dar audibilidade à voz do Espírito, afinal, “quem tem ouvidos, ouça o que Espírito diz às Igrejas”. E os profetas serão sempre seus portavozes prediletos. José Comblin, sem dúvida, um deles na América Latina neste tempo.

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COMBLIN, José (2008). A profecia na Igreja. São Paulo: Paulus, 287p.

3 comentários:

Anônimo disse...

Paulo, li hoje a sua resenha do livro de Comblin. Foi de fato algo providencial, pois estava com um grupo de assessores do Instituto Paulista de Juventude, discutindo esta temática para aplicá-la num encontro que vai acontecer em breve. Como manter a chama acesa da profecia? Vale mais a pena manter o "pé dentro" ou o "pé fora"?? Deu vontade de ler o livro. Parabéns.

Jeyson Rodrigues disse...

Oh Paulão... mudou a cara do seu blog. Continua muito legal. E seus textos, também muito bons. Que beleza de esperança essa nutrida por Comblin acerca da presença de profetas na igreja. Tá aí um homem que merece toda nossa atenção e respeito. Abração, cabra véi. OBS.: Desativei o J'Episteme. Quando vc puder, exclua esse link do seu blog e substitua pelo meu novo endereço, http://jeysonrodrigues.blogspot.com

Igreja Batista do Pinheiro disse...

Valeu Messias!!!