sexta-feira, 8 de julho de 2011

RESENHA DE "HOMOSSEXUALIDADE: PERSPECTIVAS CRISTÃS"

Homossexualidade: perspectivas cristãs é sem dúvida uma publicação corajosa e desafiadora. Seu aparecimento poderia ser considerado à luz dos novíssimos debates sobre a homossexualidade e suas reivindicações civis, quando os evangélicos brasileiros mostram que seu dissenso chega até esses campos, onde aparentemente habitava algum consenso. Entretanto, o livro é de 2008, quando essas discussões ainda não estavam na crista da onda. E é exatamente isso, a meu ver, que o torna atraente e especial. Não obstante, é impossível que uma resenha desse livro não seja afetada pelo debate que está em alta agora na comunidade evangélica brasileira, justamente porque é feita visando contribuir para ele.

O livro foi publicado pela Fonte Editorial, tem 184 páginas e está dividido em 12 capítulos. Os textos, embora estejam todos relacionados à mesma temática, são independentes, de tal maneira que a leitora e o leitor podem iniciar a leitura do ponto que quiser, sem prejuízo para a compreensão. Há uma breve apresentação de Sandra Duarte de Souza, doutora em Ciências da Religião pela UMESP (1999), e a tradução dos capítulos é de Jaci Maraschin.
Antes de entrar nos pormenores da discussão do livro, compete chamar a atenção para alguns elementos prévios que necessitam ser levados em consideração. É preciso levar em consideração a data do aparecimento dos textos. A maioria dos capítulos do livro foi escrita no fim da década de 1970. Alguns outros em meados da década de 1990 e outros na década de 2000, todos nos Estados Unidos. Esses três períodos onde os textos foram escritos devem sinalizar para o leitor acerca do pano-de-fundo que fomentou tais discussões. E não se pode perder de vista que, primariamente, é a estes contextos específicos que as reflexões presentes em Homossexualidade: perspectivas cristãs estão tentando responder. Também o fato de todos os textos terem sido escritos nos Estados Unidos deve ser levado em conta. As diferenças culturais, a terminologia, e os tópicos específicos que aparecem nos capítulos não são os mesmos que envolvem o atual debate sobre a homossexualidade e as igrejas no Brasil. 
Algumas diferenças em relação ao nosso atual contexto brasileiro dizem respeito, em primeiro lugar, ao fato de que o livro debate além da aceitação dos homossexuais como membros legítimos da comunidade cristã, a legitimidade de sua ordenação ao ministério eclesiástico. No Brasil, este segundo tópico parece ainda não ser o centro das discussões, visto que aqui as questões acerca dos direitos civis ganharam predileção, em função da eminência de certas políticas públicas com objetivos anti-homofóbicos (Programa Brasil sem homofobia e PL 122/2006).
Outra diferença diz respeito a certos modos de se tratar a problemática que foram profundamente modificadas desde então. Entre essas modificações, está o fato de que não se trata mais de focar o debate num suposto “estilo de vida homossexual”, naquela época compreendido como um “grupo de risco”. Todas as políticas de saúde pública da atualidade tratam com a categoria “comportamento de risco”, que se estende a homossexuais, bissexuais, travestis, e também aos heterossexuais.
Não obstante essas considerações, acreditamos que a publicação de Homossexualidade: perspectivas cristãs pode contribuir em muito para a qualificação do debate atual acerca da legitimidade da homossexualidade enquanto orientação sexual. A contextualidade das reflexões que o livro apresenta não nos desautoriza a recomendá-lo como ótima fonte de consulta na discussão deste tema. Além das contribuições de conteúdo, o livro também oferece uma metodologia a seguir quando se trata de pensar a homossexualidade com categorias bíblicas e cristãs. Tal metodologia pode ser resumida como um diálogo constante entre a tradição das fontes bíblicas e os resultados das ciências humanas e sociais.
Os autores, em sua maioria professores em instituições de ensino teológico protestantes, assumem uma postura de inclusão e de aceitação da legitimidade da experiência homossexual. As fontes bíblicas, constantemente reviradas em diversos capítulos, são consultadas com a mediação de recursos da exegese, que nos ajudam a compreender o pano-de-fundo de cada declaração bíblica acerca do tema. Uma linha comum de argumentação do livro reside na constatação de que a Bíblia não oferece categorias objetivas para se tratar do tema da homossexualidade, visto ser esta uma categoria muito tardia, ausente nas culturas que geraram o texto bíblico.
Os autores do livro tratam de separar aquilo que seria um comportamento homossexual praticado por pessoas heterossexuais num contexto de opressão, idolatria e auto-alienação, das atuais relações homoafetivas marcadas pela cumplicidade, pela reciprocidade e como decisão deliberada entre duas pessoas adultas do mesmo sexo. Os autores da Bíblia não conheceriam esta novíssima categoria, sendo que a negação dos comportamentos homossexuais, presente na Bíblia, se dirigiria a pessoas heterossexuais nos contextos rapidamente descritos logo acima.
Os três textos usados tradicionalmente pelas igrejas cristãs como fundamentos bíblico-teológicos para a negação da homossexualidade – Gn 19, Lev 18/22 e Rm 1 – recebem atenção especial emHomossexualidade: perspectivas cristãs. Os autores do livro revisitam a narrativa de Gn 19 em diálogo com recursos da exegese bíblica, para concluírem que, no lugar da negação de um determinado comportamento sexual, o texto apontaria para a denúncia da falta de hospitalidade, e para a prática da opressão e da injustiça social. Para reforçar esse ponto de vista, os autores apontam para o modo como a própria tradição bíblica, mormente o profetismo, releu o problema da “sodomia” não como uma transgressão da sexualidade, mas como um problema ético/social (cf. Ez 16,49). 
A tradição levítica é situada à luz do contexto social do Israel bíblico. No entanto, o ponto áureo desse tópico é a denúncia da seletividade ideológica que caracteriza a maioria dos intérpretes atuais do livro de Levítico, ao relegarem a perenidade e a obrigatoriedade da observação de tantos outros preceitos morais para além daqueles ligados aos comportamentos homossexuais. Rm 1, referência majoritária no Novo Testamento neste debate, é meditado à luz daquilo para o qual já apontamos, acerca da diferença não concebida por Paulo entre comportamento homossexual por pessoas heterossexuais num contexto de idolatria e auto-alienação, e as atuais relações homoafetivas que buscam se afirmar sobre outras bases. 
Além desse diálogo com as tradições bíblicas, outra interessante marca desta publicação é sua consulta constante ao material oriundo das ciências sociais e humanas, pelo menos no que se dispunha disso no período de produção desses textos. E é justamente a aproximação da produção científica que traz para essa discussão a categoria de “orientação sexual”, em lugar de “opção sexual”. O livro apresenta algumas discussões acerca da natureza e da gênese da homossexualidade, e reflete bem as inconclusões da época (que permanecem) quanto a este tópico. Um dos pontos mais controversos desse tópico em especial, é uma resenha de The construction of homossexuality (David Greenberg) presente no livro, de autoria de Don Browning. O autor do livro resenhado se utiliza de categorias do construcionismo social para pulverizar as concepções essencialistas que tentam explicar a gênese da sexualidade humana.
Se Homossexualidade: perspectivas cristãs já era um livro corajoso e interessante em 2008, quando silenciávamos acerca desse tema, agora muito mais quando certos discursos e ações tentam vender a impressão de um falso consenso na comunidade evangélica brasileira em relação aos homossexuais. É interessante saber que esse consenso nunca existiu, nem no Brasil nem em outros contextos. É interessante saber que, se por um lado o tema é tratado apressada e preconceituosamente por uma grande parcela de líderes e igrejas, por outro lado ele é tratado com preocupação séria, esforço disciplinado e mente aberta por líderes e igrejas pertencentes à mesmíssima comunidade evangélica.
É interessante saber que no lugar de uma perspectiva cristã, caracterizada pelo trato sisudo e rancoroso com que enfrenta a temática, há outras perspectivas cristãs para pensar as reivindicações civis e religiosas da homossexualidade, marcadas pela inclusão e pelo acolhimento de uma comunidade de pessoas historicamente consideradas de segunda categoria.
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VV. AA. Homossexualidade: perspectivas cristãs. Tradução de Jaci Maraschin, São Paulo: Fonte Editorial, 2008

5 comentários:

Luiz Nascimento disse...

Muito boa resenha, Paulo. Eu ainda não conhecia a tradução desse livro para o português. O livro é realmente muito interessante e chega em boa hora para a presente discussão no contexto brasileiro.

Alexandre Feitosa disse...

Olá, Paulo. Tudo bem? Graça e paz.

Muito boa sua resenha. Sou estudioso e defensor da Teologia Inclusiva, inclusive com 2 livros publicados sobre o tema.

"Homossexualidade: perspectivas cristãs" fez e faz parte de minhas pesquisas constantes acerca do tema. Assim como você, mantenho um Blog. Gostaria de postar sua resenha, com citação da fonte, na seção "dicas de leitura", caso você autorize.

Parabéns pelo trabalho.

Abraços fraternos,

Alexandre Feitosa

Paulo Nascimento disse...

Caro Alexandre!

Prazer em conhecê-lo. Fique à vontade para publicar a resenha meu mano. Grande abraço!

Paulo

Alexandre Feitosa disse...

Caro Paulo,

Obrigado pela autorização! Fique à vontade para nos visitar e conferir nosso trabalho!

Abraços fraternos,

Alexandre Feitosa

Alexandre Feitosa disse...

Olá, Paulo. Tudo bem? Graça e paz! Demorou mas publiquei sua resenha em meu Blog! Segue o link:

http://teologiaeinclusao.blogspot.com/2011/11/dica-de-leitura-homossexualidade.html

Obrigado pela autorização!

Abraços!

Alexandre Feitosa