terça-feira, 4 de março de 2014

NA EPIDERME DO COTIDIANO


Encontros e desencontros. A vida da gente bem que poderia ser resumida assim. Completamente sem querer eu encontrei Antonio Marcos – que é um pseudônimo – guardando carros à noite, num estacionamento da orla de Jatiúca. Antonio Marcos tem 34 anos de idade, é do interior de Alagoas, mas vive sozinho, segundo ele, em um barraco na favela do Brejal, aqui em Maceió. É solteiro, mas vive um romance de quase dez anos com uma mulher dez anos mais velha. É que segundo Antonio Marcos, “menina nova não sabe de nada!”.

Voz mansa e bem articulada, Antonio Marcos me disse que não gosta de drogas, mas curte uma cachacinha de tempos em tempos. Ninguém é de ferro! É que é preciso trabalhar pra dar conta da vida. E Antonio Marcos vende cerveja na praia. Mas para tanto, ele primeiro cata as latinhas usadas deixadas no chão e as vende. Um quilograma, segundo me contou, custa em média R$ 2,50, ou na melhor das hipóteses R$ 3,00. Com o dinheiro, compra cerveja em lata e as vende em dia de sol. Depois cata as latas de novo... E assim a vida vai caminhando, não em círculos, mas sempre pra frente.

Eu encontrei Antonio Marcos sentado em seu carro de mão, feito de madeira e pneus de verdade, usados. Na verdade, não era dele propriamente. Ele havia tomado emprestado de um amigo. Antonio marcos me dizia que bom pra guardar carros mesmo é durante o dia. E me explicou. No carro havia várias folhas de papelão, que eu julguei que também tivessem sido catadas para a venda. Nada disso. As folhas de papelão cobrem os parabrisas dos carros, pra diminuir o calor dos motoristas. Com o papelão, me dizia Antonio Marcos, o trocadinho é garantido. Mas a noite, sem calor e sem papelão, me confessava ele, poucos querem deixar o trocadinho.

Antonio Marcos precisava de R$ 100,00 pra terminar seu barraco no Brejal. Foi por isso que ele decidiu esticar o expediente até a noite. De fato, eu não sei ao certo a distância que separa o Brejal da Jatiúca. Mas suponho, bem por baixo, que devam ser uns 10 km. É esse o seu percurso, empurrando o carro de mão emprestado do amigo, catando as latinhas de cerveja do caminho, para guardar carros à noite, à espera de trocados possíveis, mas não certos. E sem “moral da história”. Porque o que a vida tem a ensinar está na superfície dos fatos, na epiderme do cotidiano, e não oculto nas profundezas de nossas quase sempre hipócritas “morais da história”. 

Um comentário:

Cláudio Márcio disse...

Bom ter seus textos de volta meu camarada...No meio do caminho, "Antonios, Zés e Marias"...A luta pela vida em cada esquina da nação.