segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

DISCUTINDO POLÍTICAS PÚBLICAS E HOMOFOBIA

Recebi o vídeo abaixo de um amigo, tratando do tema das políticas públicas ligadas à homofobia. Assista ao vídeo, e logo abaixo segue meu comentário.






Meu caro irmão Fulano de Tal!

Que bom vê-lo de volta interessado em dialogar e suscitar reflexões. Vamos a elas.

Em minha opinião, as políticas públicas relacionadas aos Direitos Humanos -- e o direito à diversidade da experiência sexual é um Direito Humano -- servem justamente para dissolver a dicotomia homofobia X heterofobia. Elas objetivam justamente fazer com que esses embates se tornem supérfluos, pois numa sociedade onde a diversidade e o respeito são amplamente valorizados, as fobias não fazem mais sentido.

Também acho que não se trata de heterofobia. O que temos, de fato, é uma heteronormatividade. Temos uma sociedade que é heteronormativa, isto é, uma sociedade em que os padrões heterossexuais são considerados naturais, e as demais manifestações da sexualidade humana são consideradas desviantes dessa norma dita natural. Independentemente de acharmos isso certo ou errado, peço-lhe que me acompanhe com calma nesses raciocínios:

1 - Você concorda comigo que a heteronormatividade -- isto é, a visão de que a heterossexualidade é o padrão natural da sexualidade humana -- é um legado religioso e cristão no Ocidente? Sem colocar a verdade disso em questão, todos nós concordamos que foi com o Cristianismo, enquanto uma das matrizes culturais do Ocidente, que aprendemos acerca dos papéis sexuais. Em psicologia nós diríamos que fomos todos "subjetivados" a partir de uma concepção heteronormativa, de tal maneira que isso tornou-se nossa "verdade" e "norma". Não conseguimos aceitar de jeito nenhum que existam outros pontos de vista diferentes disso. Portanto, mais do que algo que está inscrito em nossos corpos, nós todos aprendemos sobre os papéis sexuais com o Cristianismo. Nossas sociedades, de modo amplo, também têm sido subjetivadas há dois mil anos à luz dessa compreensão.

2 - Desde 1890 nosso país tornou-se um estado sem religião oficial, ou seja, laico e democrático de direito. Tudo que um estado moderno de direito faz na condição de estado laico, é feito a partir de bases puramente seculares, humanistas, ideológicas, fundadas numa compreensão do ser humano que às vezes destoa das concepções religiosas. Sobretudo ações como essa citadas no vídeo, não nascem de um estalo da cabeça de alguém. São o produto de lutas intensas, demoradas, de grupos inteiros que se consideram marginalizados. Num estado onde não existem normatividades ditadas pela religião, esses grupos têm todo direito de resistir e fazerem-se ouvir na sua compreensão acerca do que é o ser humano. As políticas públicas são o único meio de esses grupos terem ouvidas suas opiniões. Ou também achamos que eles devem permanecer calados em seus guetos?

3 - E o tal "kit-gay"? Perceba Fulano de Tal que a própria estigmatização do material como um "kit gay" (não é esse o nome do material!) já nos impede de tratar a questão de forma racional, pois de saída já está banhada em preconceitos. Mas eu diria, como alguém que estudou e debateu o programa Brasil sem Homofobia do governo federal, que o objetivo da cartilha não é doutrinário. Também não é impor uma homonormatividade, isto é, não é substituir a heterossexualidade pela homossexualidade. Não é fazer discípulos gays. O objetivo da cartilha é combater o preconceito frente a diversidade sexual, que todos nós aprendemos na infância. É fazer frente à naturalização da heterossexualidade. Repito: num estado sem normatividade religiosa, isso é perfeitamente possível. Sei que os embates são inevitáveis, por conta da cultura de nossa sociedade, que a espelho da cultura das igrejas, é abertamente preconceituosa. Mas, tomados os devidos caminhos dos mecanismos democráticos, projetos dessa natureza são perfeitamente cabíveis em estados como o Brasil. Acho até que são desejáveis!

4 - E as crianças? Bem, como eu disse, é justamente na infância que aprendemos a ler o mundo. É na infância que internalizamos a maioria das categorias com as quais damos sentido ao mundo. Os papéis sexuais, e no caso a heteronormatividade, são assimilados na infância via educação, pois não estão dados na nossa "natureza". Minha opinião é a de que, a depender de como o material possa ser utilizado com essas crianças, ele pode ser extremamente proveitoso. Pode degenerar em promiscuidade? Pode sim! Mas nós, heterossexuais, repetidamente degeneramos em promiscuidade também. Portanto, se o material for usado para fomentar processos educativos que estimulem o respeito pela diversidade, acho que chega numa boa hora. No mais, só devem estar preocupados os pais que não educam seus filhos em casa, deixando tudo nas costas da escola.

Bem, se a coisa toda está certa ou errada, que cada um decida.

Espero ter sido claro, pelo menos. Desculpe a prolixidade. Me curo disso algum dia.

Abraços meu irmão! 

Paulo

3 comentários:

Fabricio Marques disse...

A heterossexualidade não é uma coisa imposta pela "sociedade preconceituosa".

1. Nenhum animal na terra (inclusive o homem) precisa de orientação sexual para procriar, os machos procuram as fêmeas NATURALMENTE. O natural é existir atração pelo sexo oposto, a natureza nos fez assim, isso nos leva ao item 2.

2. Não existe procriação, fertilidade, ou continuidade da espécie (filhos) fruto de uma relação de duas pessoas com o mesmo sexo, isso é impossivel, portanto não é NATURAL.

3. Anatomicamente o homem e a mulher se encaixam perfeitamente, ao contrario de relações homoafetivas, as lésbicas não tem penetração, os gays tem, mas de forma errada, quase um "improviso"de última hora.

4. A heterossexualidade é um DESVIOS DE ORDEM COMPORTAMENTAL (ex. o filho de um casal gay, pode ou não vir a ser gay, mas um filho de um casal negro vai ser sempre negro.)

E para o momento, um última reflexão:

Vamos supor que o mundo acabou e só sobrou UM casal heterossexual, ao longo de 100, 200 ou 300 anos o planeta começaria a ser habitado por uma nova geração de pessoas, MAS se nosso casal fosse homossexual o que teria acontecido? ele seriam felizes? pode ser, teriam deixado tudo arrumado, limpo e organizado? acredito que sim, mas ao logo dos anos teria sobrado alguém pra contar a história?

Espero ter sido claro nos meus comentários e que tenha contribuido um pouco para esta matéria.

Discordo de vários outros tópicos, mas fica pra próxima.

Agradeço pelo espaço.


Fabricio, casado com uma outra teologia, pai do equilíbrio e da moderação e irmão da palavra da vida.

Paulo Nascimento disse...

Querido Fabrício!

Obrigado por ler nossos artigos, e por se posicionar de forma educada e reflexiva. Mesmo discordando visceralmente de todos os seus pontos de vista, me sinto tranquilo por conversar com gente educada e de mente aberta.

Vou ser bem sucinto.

De fato, ligar os aspectos comportamentais dos seres humanos aos limites anatômicos pode ser um caminho bem infrutífero, pois se a anatomia impusesse limites às práticas humanas, não teríamos inventado cultura, instrumentos, arte, e tantas outras coisas pelas quais o ser humano transcende os limites impostos por sua estrutura anatômica. Os animais, como "sistemas fechados", estão impossibilitados disso. Nós não. Por que, então, exigiríamos que a sexualidade humana, e somente ela, se restrinjisse às imposições anatômicas? Bem tirano, não?

O exemplo do "único casal" denuncia a paranóia que envolve a discussão. Ele devedor dessa coisa terrível chamada "pensamento único". Ninguém deseja uma sociedade só de homossexuais, meu irmão. O que se deseja é uma sociedade plural, diversa, onde caiba todo mundo. Não dá pra especular mais sobre esse exemplo, pois ele é filho dessa paranóia que aí está.

Recomendo a leitura de "História da sexualidade (vol. 1)", de Michel Foucault.

Mais uma vez, obrigado por apreciar nessas reflexões.

Por uma sociedade onde caibam tod@s,

Paulo Nascimento

Fabricio Marques disse...

Oi Paulo

Obrigado pelos elogios feitos a mim, apesar de não termos a mesma opinião. Acredito que em discursões sadias deveriam ter esse espírito.

Acredito que em certos pontos eu não me fiz entender, gostaria de mais uma chance:

1. quando falo "anatomicamente" está ligado diretamente a origem do porque o homem e mulher tem orgãos sexuais diferentes e de como eles se encaixam perfeitamente, e o papel de todo esse contexto na perpetuação da espécie, E SÓ.

Não creio que isso seja uma limitação como você fala, pois tem sido assim durante milhões de anos, não é justo que isso sirva de justificativa para uma sociedade que busca a todo custo satisfazer suas necessidades de prazer, que acredito não seja necessariamente de sexo, mas de amor, carinho, compromisso, companheirismo (já que existe muitos crimes passionais entre homossexuais).

O "sistema fechado" que você fala sempre vai ser dessa forma, porque foi criado com essa finalidade, nós temos inteligência e temos capacidade de escolhas entre o bem e o mal (agora pense, porque apenas nós temos esse privilégio? porque evoluimos ou porque Deus assim nos fez?).

Como estamos falando de comportamento, devo concordar com você, que nessa sociedade contemporânea e moderna TUDO É POSSIVEL, e logo mais teremos a ZOOFILIA, em prol de uma sociedade mais livre e menos tirana.

2. a questão como você fala "único casal" acho que fui intendido mal.

a) Entre casais heteros a pluralidade é muito grande, somos todos únicos, diferentes uns dos outros fisicamente. O "o pensamento único" é a capacidade de um grupo ou sociedade de terem suas próprias opiniões e serem respeitadas. Não devemos viver em uma tirania, não acha?

b) não acredito que o homossexualismo vai deixar de existir. Isso é utopia

c)Significado de paranóia: "loucura", composto de παρα-, "desordem" e do tema afim a νοῦς "mente") é uma psicose que se caracteriza pelo desenvolvimento de um delírio crônico (de grandeza, de perseguição, de zelo etc.), lúcido e sistemático. Foi isso que você quis dizer mesmo? minha posição, acredito, foi equilibrada.

d)Se você não deseja uma sociedade só de homossexuais então você concordou comigo, pois era essa a questão do "primeiro casal" tudo começa em uma relação "hetero", uma relação "homo" por si só não se subsiste, então não podemos mudar as leis de um país baseada em mudança de COMPORTAMENTO,isso é um retrocesso.

Sem mais, estou trabalhando agora.

Desculpe, o texto saiu maior que eu esperava.

grato pela dica do livro, mas não acredito que ele vá contra o que foi colocado aqui, pois são questões básicas.

Fico a disposição

o Brasil é um pais que cabem todos,
preconceito é também um mal que atinge todos, pretos, pobres, indios, etc.