segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

MEUS "10 MAIS" DA TEOLOGIA (2001-2010)



Difícil e instigante esta tarefa proposta pela revista Novos Diálogos: a de listar os dez melhores livros de Teologia da década de 2001-2010 [para ver a lista de outros teólogos, clique aqui]. Eu me acerquei da literatura teológica somente no fim da década de 1990, por conta dos estudos no seminário. Logo, os clássicos tinham primazia nesse momento de formação. Terminei minha graduação em Teologia em 2002, e logo fui catapultado para o campo das Ciências Humanas, dividindo com essas a atenção nas leituras e nas pesquisas. Portanto, eleger os “10 mais...” neste tempo de foco dividido, para mim, não foi tarefa fácil. Eu desejaria muito incluir outros livros que, por conta da fração de um ou dois anos, não puderam entrar. Mas segue uma lista de livros que, com certeza, têm sido muito importantes na minha formação. Sei que outros tantos caberiam aí. Devo ter esquecido outros melhores. Acho que alguns destes que trago são quase unanimidades. Outros nem tanto. Todos, obviamente, discutíveis em seus conteúdos.

Eu os apresento em ordem de publicação. São estes:  

FRAIJÓ, Manuel. O Cristianismo: uma aproximação ao movimento inspirado em Jesus de Nazaré. São Paulo: Paulinas, 2002
Palavras-chave: Jesus Histórico, Cristianismo, futuro.
Por um inusitado golpe do acaso proporcionado por uma queima de estoques encontrei-me com a reflexão de Manuel Fraijó, um teólogo espanhol com uma profícua carreira acadêmica na área dos estudos do Novo Testamento. O Cristianismo é uma meditação atualizada sobre a temática do Jesus Histórico, onde Fraijó busca problematizar os caminhos mais ou menos consensuais que envolvem este debate. Sua preocupação, entretanto, não é fazer resenha dos estudos acerca deste tema, mas conduzir-nos por uma reflexão que seja pertinente em face dos desafios com os quais a religião se defronta atualmente. Em outras palavras, sua intenção é fazer-nos pensar em como os estudos acerca do Jesus Histórico podem contribuir para que o Cristianismo siga sendo um caminho pertinente em face do mundo contemporâneo. Embora o Jesus Histórico seja tema central no livro, é o futuro do Cristianismo no mundo que está em questão nesta obra.
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SOARES, Afonso M. L. Interfaces da revelação: pressupostos para uma teologia do sincretismo religioso no Brasil. São Paulo: Paulinas, 2003  
Palavras-chave: Sincretismo religioso, Juan Luis Segundo, teologia.
Este livro é uma adaptação da tese de doutorado do Autor. A presença do livro de Afonso Soares em minha lista dos “10 mais...” se dá pela importância que ele teve em minha introdução aos temas do diálogo interreligioso, e especialmente ao tema das teologias das religiões de matriz africana. Outro aspecto que me liga aos trabalhos de Afonso Soares é seu conhecido diálogo com a obra de Juan Luis Segundo, a quem também estimo sobremaneira. Assim, os três elementos que me atraíram a esta obra foram a pouca explorada contribuição de Juan Luis Segundo como horizonte teórico-metodológico das investigações em Teologia, a importância que os estudos sobre o pluralismo religioso estão ganhando na América Latina, e especialmente a abordagem dialógica em relação à teologia das religiões de matriz africana que o autor adota. Para mim, um teólogo negro para quem os temas desta teologia estão ainda pouco revirados, este livro representou uma excelente porta de entrada.
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SHAULL, Richard. Surpreendido pela Graça: memórias de um teólogo. Estados Unidos, América Latina, Brasil. Rio de Janeiro: Record, 2003
Palavras-chave: Richard Shaull, autobiografia, reino de Deus.
Este livro é o “canto do cisne” de uma das figuras mais impactantes que o Cristianismo brasileiro já conheceu. A autobiografia de Richard Shaull deveria ser leitura obrigatória em todos os cursos de teologia evangélica deste país. Tendo sido escrito nos últimos anos de sua vida, em Surpreendido pela Graça Shaull descreve seu itinerário intelectual, profético e pastoral, desde seus primeiros passos na fé, até sua passagem pela América do Sul, América Central e retorno aos Estados Unidos. A narrativa flui saborosa e instigante desde seu encontro com a realidade de pobreza e miséria na Colômbia, passando pelos convulsionamentos provocados por Shaull na Igreja Presbiteriana do Brasil, à época da Ditadura Militar, e pela militância no campo da educação teológica na América Central. Mais do que a proposição de uma dezena de princípios missiológicos a serem aplicados à realidade, a força desta autobiografia consiste no testemunho real de um legado teológico marcado pela audácia, pela coragem, e pela insistência no fato de que a instauração do Reino de Deus é a tarefa precípua das igrejas.
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BONHOEFFER, Dietrich. Resistência e submissão: cartas e anotações escritas na prisão. São Leopoldo: Sinodal, 2003
Palavras-chave: Bonhoeffer, resistência, nazismo, teologia.
Bonhoeffer tem sido um teólogo intensamente festejado por aqueles e aquelas que se interessam em fazer da teologia um saber que fomente movimentos de resistência a autoritarismos e ao abuso de poder na sociedade. Sua postura frente ao nazismo e seu martírio em 1945 tornaram-no uma figura célebre, num século em que o Cristianismo europeu perdeu quase que por completo sua vitalidade enquanto proposta de encantamento da cultura. Em minha opinião, a peculiaridade desta coletânea de correspondências organizada por Eberhard Bethge, está no fato dela nos apresentar um Bonhoeffer “despido” dos floreios que hoje cercam sua figura. Ali, o próprio teólogo da resistência ao nazismo se mostra em seus momentos de crise existencial, sem prejuízo para sua vocação intelectual. Esta crise se traduz numa reflexão onde as insatisfações junto ao Cristianismo de seus dias ficam notórias. O escandaloso conceito de “Cristianismo arreligioso”, esboçado em algumas das cartas escritas na prisão, é um desses sintomas dessa crise.  
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SATHLER-ROSA, Ronaldo. Cuidado pastoral em tempos de insegurança: uma hermenêutica teológico-pastoral. São Paulo: ASTE, 2004
Palavras-chave: Ministério pastoral, igreja, sociedade.
O livro de Ronaldo Sathler-Rosa, no campo das obras dedicadas à teologia pastoral no Brasil, pode ser considerado como uma enorme e feliz exceção. Isso porque não faltam publicações para pastores traduzidas do contexto norte-atlântico, inteiramente desvinculadas das questões tipicamente brasileiras. Além do mais, a maior parte dos livros dedicados ao aprimoramento da atividade pastoral oferece receitas prontas, além do insistente equívoco de confinarem a atuação pastoral ao campo do religioso. Cuidado pastoral em tempos de insegurança é uma rara exceção justamente por problematizar todas essas tendências. Escrito a partir do diálogo com a realidade brasileira, problematiza o contexto social no qual atuam pastores e pastoras, o que acaba por problematizar os próprios papéis destes e destas. Como conseqüência disso, Sathler-Rosa propõe que a atividade pastoral alcance também o horizonte da vida pública, para além das fronteiras das comunidades religiosas.
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HORSLEY, Richard. Jesus e o império: o reino de Deus e a nova desordem mundial. São Paulo: Paulus, 2004
Palavras-chave: Jesus Histórico, imperialismo, resistência.
Richard Horsley e John Dominic Crossan são os dois autores que mais têm me ajudado a seguir fazendo dos estudos bíblicos um exercício contínuo. Jesus e o império é o livro em que descobri Horsley. Se o tema da resistência palestino-judaica à dominação romana no primeiro século da Era Cristã é o tópico central da atividade acadêmica de Richard Horsley, esta obra se torna ainda mais atraente por ter sido escrita em explícita confrontação ao “atual império” mundial. Este é o livro ideal para quem deseja encontrar uma fundamentação bíblico-exegética para uma “teologia de espiritualidade anti-imperial” nos dias atuais. Jesus de Nazaré é apresentado pelo Autor como alguém que deve ser compreendido à luz da profunda tradição israelita de resistência às dominações imperiais, sobretudo naquelas representadas pelos profetas. A força de sua argumentação reside na consistência exegética que lhe subjaz, situando a atuação de Jesus como responsável por revitalizar as tradições comunitárias e libertárias de sua gente. Horsley não deixa de ligar seu trabalho exegético aos novos contextos de dominação imperial da atualidade. E neste contexto de novos imperialismos com os quais nos defrontamos, Jesus e o império torna-se significativamente importante.
Uma meditação próxima da resenha a este livro, de minha autoria, pode ser acessada em Novos Diálogos:
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D’ARAÚJO FILHO, Caio Fábio. Sem barganhas com Deus. São Paulo: Fonte Editorial, 2005
Palavras-chave: Teologia Moral de Causa e Efeito, Bíblia, evangélicos.
Tendo sido um dos autores mais lidos pelos evangélicos brasileiros, principalmente na década de 1990, e para muitos experimentando atualmente uma espécie de ostracismo literário, Caio Fábio nos brinda com um dos livros mais contundentes de sua pena. O tom inconfundível de quem não deseja reconhecer-se como “teólogo” está presente em cada linha de Sem barganhas com Deus. Em minha opinião, um livro “escrito com sangue” (F. Nietzsche), pela força de suas denúncias quanto à banalização da fé presente no mundo evangélico brasileiro atual. O conceito de “Teologia Moral de Causa e Efeito” é o objeto central dessa denúncia, que busca pautar-se em uma interessante releitura de certas tradições da Bíblia. Livre de academicismos (com exceção de uma profusão de notas de roda-pé), discutível em muitas partes, mas sem prejuízo da profundidade e da concisão, esta obra merece ser lida e refletida.
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ORTIZ, Leopoldo Cervantes. A teologia de Rubem Alves: poesia, brincadeira, erotismo. Campinas: Papirus, 2005
Palavras-chave: Rubem Alves, teologia, política, erotismo.
Quem discordaria do subtítulo deste livro de Leopoldo Cervantes Ortiz, dedicado à obra de Rubem Alves? Este teólogo mexicano acertou em cheio na escolha dos termos “poesia, brincadeira e erotismo” para descrever o legado de Alves. Mas apesar desses termos descreverem muito bem o lado mais propagandeado do trabalho de Rubem Alves, a grande contribuição de Ortiz, ao esboçar uma visão panorâmica desta teologia, consiste mesmo em situar a poesia, a brincadeira e o erotismo de Rubem Alves como desdobramentos dos seus primeiros trabalhos, mais próximos às teologias de libertação e menos propagandeados. Numa referência a Gaston Bachelard, o próprio Ortiz chamaria de “diurno” a este primeiro Rubem Alves ocupado com os temas da política, da utopia e da sociedade. Sem negar a dimensão lúdica e erótica que acabou ganhando relevo nos trabalhos de Rubem Alves, a felicidade de Ortiz consiste em situar estas dimensões num continuun em relação a uma fase do pensamento de Alves que permanece ainda sob sombras para muita gente. Para quem é apaixonado pelo Rubem Alves das crônicas, do riso e da teopoética, esta obra seria importante por agregar a este o Rubem Alves da política, da esperança utópica e da libertação. Isso sem dicotomias ou binarismos.
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PADILLA, C. René. Missão integral: ensaios sobre o Reino e a Igreja. 2ª edição, Londrina: Descoberta, 2005
Palavras-chave: Teologia da Missão Integral, igreja, reino de Deus.
Julgo que a grande contribuição de minha formação em Teologia no Seminário Teológico Batista do Nordeste (1999-2002) foi o encontro com as até então desconhecidas “teologias de libertação” gestadas na América Latina. Os teólogos católicos, em sua maioria, eram os representantes dessas teologias. Somente após esse período de formação fui deparar-me com o trabalho de teólogos protestantes para quem a transformação das estruturas sociais fazia parte do programa missionário das igrejas. A obra de C. René Padilla, neste sentido, foi de significativa importância por introduzir-me às provocações da Teologia da Missão Integral. Mesmo partindo de fundamentos epistemológicos distintos daqueles referidos autores católicos, Missão integral me abriu um importante horizonte, não somente com as instigantes teses que apresenta, mas muito mais por me remeter a uma importante tradição de teólogos e de movimentos evangélicos com uma rica história na América Latina. A Fraternidade Teológica Latino Americana (FTL) foi um deles.
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COMBLIN, José. A profecia na igreja. São Paulo: Paulus, 2008
Palavras-chave: profetismo, Igreja, sociedade.
O tema do profetismo sempre foi um dos meus prediletos na teologia bíblica, e José Comblin, um dos meus teólogos latino-americanos preferidos. Em minha opinião, o mérito de Comblin neste livro consiste em nos ajudar a dirimir uma tendência comum às correntes críticas, que insistem em não perceber que os movimentos proféticos permanecem vivos e atuantes no Cristianismo atual. Comblin nos conduz pela mão através do profetismo bíblico, da história da Igreja, até a expressão dos movimentos proféticos de resistência da atualidade. Sua intuição fundamental é a de que “o Espírito profético sempre esteve presente na vida da Igreja”, e seria oportuno, junto com a crítica às arbitrariedades, aos movimentos retrógrados e aos fundamentalismos que tanto ocupam nossas análises, abrir os olhos e o coração ao “soprar do Espírito” nesses dias. Como lhe é peculiar, não falta aqui uma análise de conjuntura apurada e atenta dos dias atuais. A convocação aos jovens, no final da obra, é um de seus pontos altos e mais emocionantes.
Uma resenha deste livro, de minha autoria, pode ser encontrada em Novos Diálogos:

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