sábado, 12 de dezembro de 2009

A GRAÇA EM TODAS AS COISAS


Esboço do sermão pregado por mim no dia 07/12/2009, no Acampamento da Família da Igreja Batista do Pinheiro, ocorrido em Paripueira-AL.





A GRAÇA EM TODAS AS COISAS

Mateus 6,25-33

INTRO: Embora tudo mundo que usa esse texto se fixe no tema do controle da ansiedade, coisa e tal, eu desejo fazer outro uso dele hoje. O que eu desejo trazer à nossa reflexão é algo na atitude de Jesus bastante de acordo com a toda tradição bíblica, mas freqüentemente ignorado pelos Cristianismos, que é a percepção da presença da graciosidade de Deus em todas as coisas. Não é verdade que o salmista dizia que “os céus proclamam a glória de Deus e o firmamento anuncia a obra de suas mãos”? O Salmo 104, por exemplo, nada mais é que uma confissão apaixonada nessa graça presente em todas as coisas, graça que é o poder que dá a vida a toda biosfera. Essa compreensão de que a graciosidade de Deus está em todas as coisas é tão natural para o salmista que ele chega a fazer um pedido meio louco: “tudo que tem fôlego louve ao Senhor” (150,6).

[Giordano Bruno e a idéia de Deus como a “vida do mundo”. Por que não pensarmos na graça onipresente de Deus como força de resistência às desgraças globais humanas?]

PONTE: Como eu disse a vocês, o que mais me chama a atenção aqui não é o conselho de Jesus sobre a ansiedade, mas a percepção de que passarinhos e flores podem nos ensinar sobre isso, pois até eles estão na “agenda da Graça”.

1. DE COMO A GRAÇA FOI SE DOMESTICANDO AOS MUROS DAS IGREJAS

a) Antes de prosseguir, deixem-me relatar rapidamente um pouco da estória do Sr. Miguel: o homem que seqüestrou o mar (Drummont);

b) Um dos maiores pecados das igrejas é o da tentativa de domesticação e encastelamento da graça de Deus. Os ideólogos da igreja, escandalizados diante de algo tão diferente (a graça onipresente de Deus), inventaram uma dicotomia que divide a graça em natural e especial: a primeira seria essa, derramada sobre todas as coisas, e a segunda seria a graça salvífica – pra Jesus isso soaria bastante estranho, pois tudo é graça!

c) São dois os problemas dessa teologia de encastelamento da graça: (1) primeiro, ela ficou restrita à experiência humana, e (2) segundo, ela ficou restrita aos humanos que freqüentam igrejas cristãs; e eu entendo minha gente que seria bom voltarmos a ver, como Jesus, a graça em todas as coisas, mesmo que o mundo de fato pareça uma desgraça.

2. ALGUNS TESTEMUNHOS DA “GRAÇA EM MEIO AO LIXÃO DA DESGRAÇA”

a) Em 2000 o Frei Betto publicou um artigo na revista Concilium chamado Graça em meio ao lixão da desgraça – Dádivas inesperadas. Trata-se desse exercício de ver, como Jesus, a graça de Deus como resistência à desgraça do mundo. Deixem-me contar alguns desses testemunhos a vocês:

b) Quatro testemunhos: 1, 3, 5, 6 (p. 102-105).

c) Eu sei que alguém poderia dizer: “mas isso não muda nada, os problemas estruturais continuam os mesmos”. Nossa teologia progressista gosta de fazer esse discurso (eu mesmo me vejo fazendo-o bastante!). Porém, ainda que isso seja verdade – a permanência dos problemas estruturais – faz bem ao coração saber que a graça de Deus continua viva e atuante mudando a história de vida de muita gente;

d) Uma citaçãozinha do Marcos, no Um jumentinho na avenida (p. 74);

3. A GRAÇA DE DEUS COMO “MICRO-RESISTÊNCIA”

a) Um dos teóricos que tem balançado um pouco a minha forma de ver as coisas é o francês Michel Foucault. Ele escreveu um livro chamado Microfísica do poder, onde postulava a idéia de que os movimentos de resistência a toda forma de opressão devem ter micro-formatos. Ou seja, ele acreditava que são os pequenos atos de resistência cotidianos que fazem diferença prática na vida das pessoas. O Morin também dizia que todos os grandes movimentos revolucionários da história começaram minusculamente;

b) E eu gostaria, meus irmãos, de terminar esse sermão fazendo uma confissão de fé: eu creio que nossas maiorias populares (especialmente em Alagoas) têm resistido de pé até aqui por conta da graça de Deus (embora as estruturas de nossa sociedade necessitem urgentemente de transformação);

c) Mas eu quero crer que o pai e a mãe de família que levantam cedo para o trabalho o fazem pela graça de Deus; que a mulher e o homem que em meio a uma vida tão difícil, ainda conseguem sonhar com dias melhores por vias legais, fazem-nos pela graça de Deus; que os atos de justiça que gente pobre pratica, essa gente faz pela graça de Deus;

d) Por que isso é importante minha gente? Será que isso produz alienação e imobilidade? Não! Isso é importante porque quando a gente se foca apenas nas desgraças do mundo, a gente acaba ficando meio desgraçado também, gente sisuda, ressentida. Eu fico pensando como é que Martin Luther King Jr., em meio àquele inferno chamado Sul dos EUA, ainda podia afirmar que “o arco moral do universo, no fim, penderá para justiça”. Eu fico pensando como é que Isaías, em meio àquele contexto de injustiça e prostituição de Israel, podia dizer que (...). Tudo isso só é possível quando se crê que a graça de Deus está atuando no mundo, e lá na frente triunfará definitivamente!

CONCLU: Resumindo irmãos: mesmo reconhecendo que os homens têm feito desse mundo uma desgraça, eu quero, a exemplo de Jesus de Nazaré (pardais e lírios), ter a capacidade de enxergar a graça de Deus em todas as coisas, sobretudo nos pequenos gestos de resistência do povo pobre. É mais ou menos como dizia o Ernesto Che Guevara: “Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás...” a gente se endurece, se aborrece, esbraveja, protesta contra a desgraça dos homens. Mas sem perder a capacidade de se invadir pela ternura de quem consegue ver, em meio a isso tudo, a presença da graça de Deus.

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sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

REINVENTANDO A IGREJA


Esboço do sermão pregado por mim no dia 06/12/2009, no Acampamento da Família da Igreja Batista do Pinheiro, ocorrido em Paripueira-AL.





REINVENTANDO UMA COMUNIDADE CHAMADA “IGREJA”

Mateus 5,21-48

INTRO: Hoje eu quero falar de “coragem”! Porque há muito prognóstico sobre a situação sobretudo dos cristãos batistas, dizendo muita coisa. Mas em minha opinião, o que nos tem faltado mesmo é a coragem dos profetas e a coragem de Jesus. Coragem para sermos uma igreja relevante, pertinente, que de fato faça diferença na sociedade. Mas eu não quero que você pense que estou falando da coragem para enfrentar os opressores de nossa sociedade. Embora isso também não possa ser negligenciado, eu estou me referindo é à coragem de romper com aquilo que é opressor dentro de nossas próprias igrejas.

PONTE: Meus irmãos, uma das coisas mais difíceis de fazer é transformar o nosso pensamento dito “natural” sobre as coisas. Quando algo se torna natural para nós, dificilmente mudamos de idéia e de comportamento. Quanto mais se esse natural vem com o “carimbo divino”. Vejamos como Jesus foi corajosamente destruindo essas “naturalidades divinas” no pensamento do povo, e como nós podemos fazer isso hoje.

1. JESUS E A EXEGESE REVOLUCIONÁRIA DIANTE DA LEI

a) Reinterpretou o mandamento sobre os homicídios (21-26); o mandamento sobre o adultério (27-32); o mandamento sobre os juramentos (33-37); o mandamento sobre a vingança (38-42); o mandamento sobre a geografia do amor (43-48);

b) Engraçado que Jesus, ao proceder essa exegese revolucionária, não fazia nada novo. Os profetas haviam feito o mesmo: Isaías existencializou o jejum (58,6-14); Oséias existencializou os sacrifícios do Templo (6,6); Amós existencializou a prática do culto (21-27); só pra ficarmos com esses exemplos;

c) O que eu desejo dizer meus irmãos, é que a melhor forma de transformarmos nossa igreja numa comunidade revolucionária, não é olhando para os problemas de fora, mas olhando primeiro os de dentro por meio de uma nova leitura da Bíblia que ponha em cheque nossas convicções tão arraigadas. Foi o que Jesus fez com o povo;

2. UM PEQUENO PROGRAMA DE REVOLUÇÃO PARA NOSSA FÉ

a) Um exemplo prático sugerido por L. Boff, em Ética e ecoespiritualidade (p. 73-84). Depois, minhas sugestões pessoais;

b) “Ouvistes o que foi dito aos antigos: o homem é o cabeça da mulher; Eu porém vos digo: na comunidade do Reino ninguém é cabeça de ninguém, pois Cristo é o único cabeça, e todos nós, homens e mulheres, somos seus membros e uns dos outros”. A igreja deveria ser, antes de qualquer outra instituição, o lugar de vanguarda pela paridade de gênero. Mas o pior de tudo não o silêncio cristão sobre essas questões: o pior de é que com sua teologia de jerico, ela ajuda a naturalizar as desigualdades de gênero;

c) “Ouvistes o que foi dito aos antigos: somente aqueles e aquelas que se enquadrarem na nossa perspectiva de conversão serão membros da igreja; eu porém vos digo: a igreja, como comunidade do Reino, abrirá suas portas e receberá TODOS aqueles e aquelas que assim desejem a ela se agregar, pois o juízo sobre qualquer ser humano cabe somente a Deus, e não à igreja”. Eu tenho um sonho nesse quesito: que os estatutos de nossas igrejas, na seção sobre a admissão ao rol de membros, se baseie na Parábola da rede. Leiamos: Mt 13,47-50;

d) “Ouvistes o que foi dito aos antigos: o Espírito Santo age somente na igreja e por meio da igreja; eu porém vos digo: o Espírito Santo é vento que sopra onde quer, age onde quer e por meio de quem quer”. Harvey Cox, um dos grandes teólogos batistas de nosso tempo, dizia que o dever maior da Teologia (e por que não dizer, de nossas igrejas) deveria ser o de reconhecer onde o espírito profético estava atuando no mundo, e apoiar a isso;

e) “Ouvistes o que foi dito aos antigos: serão chamadas de co-irmãs somente as igrejas batistas da mesma fé ordem; eu porém vos digo: serão chamados de co-irmãos todos aqueles movimentos e grupos, religiosos ou não-religiosos, que lutam pela vida, por uma sociedade mais justa e fraterna, pelo cuidado com a natureza, e pela paz entre os povos”. Aqui a coisa é séria irmãos. Se Deus tem algum representante nessa terra, é preciso coragem e humildade pra reconhecer que tem mais dessa gente por aí, para além dos muros de nossas igrejas;

3. REINVENTAR PRA QUE, AFINAL?

a) Muita coisa já se tentou no nosso meio. Muitos esboços de reinvenções. O problema é que nenhuma delas teve coragem de ir aos fundamentos. Era o Nietzsche quem dizia que “vai-se ao fundo sempre que se vai aos fundamentos”. Jesus foi aos fundamentos, e por meio de uma exegese revolucionária reinventou a fé para o povo;

b) Portanto, precisamos reinventar nossas comunidades por que:

(1) No fundo, lá no fundo, nem nós mesmos não agüentamos mais esse estado de normose (Jean-Yves Lelup). Normose (normal + neurose = normose) é quando alguém vive um estado patológico como se fosse a coisa mais normal do mundo. É quando o doente não mais se reconhece doente, pois aquele estado para ele é o natural;

(2) “Ouviste o que foi aos antigos: a igreja é o lugar de preparar as pessoas para a eternidade; eu porém vos digo: a comunidade chamada igreja deve ser já um ensaio da Nova Humanidade, que mostra ao mundo que a justiça, o amor, a fraternidade, a dignidade, não são utopias irrealizáveis, mas são objetivos alcançáveis, aqui, agora e sempre”. É isso que a gente quer: sermos “as primícias” da Nova Humanidade. Mas para isso é preciso muita coragem!

CONCLU: Amém!

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

A ESPIRITUALIDADE DO "PAI NOSSO"



Esboço do sermão pregado por mim no dia 05/12/2009, no Acampamento da Família da Igreja Batista do Pinheiro, ocorrido em Paripueira-AL.




UMA ESPIRITUALIDADE VIVA

A PARTIR DO “PAI NOSSO”

Mateus 6,9-15



INTRO: O Dalai Lama tem uma passagem no Ética para um novo milênio, onde afirma que “o que necessitamos hoje é de uma revolução de espiritualidade”. A princípio, desconfiei dessa proposta. Mas lendo o livro do monge tibetano eu entendi o que ele quis dizer. No entanto, para mim, é Jürgen Moltmann quem melhor nos ajudou nesses últimos anos, pelo menos de um ponto de vista acadêmico, a entender o que quer dizer “espiritualidade”. Ele nos remete ao potencial semântico de Ruah, e nos explica que quando essa palavra foi traduzida para nossos idiomas ocidentais (pneuma, spirit ou ghost, geist, esprit, espírito) ela perdeu sua força. Então, entendemos “espiritualidade” hoje como algo morto, abstrato, contrário à vida. Quem é o crente espiritual? É aquele que “dominou a carne”: não bebe, não fuma, não... joga, etc.

PONTE: Bem, o que eu desejo fazer hoje em breves palavras é trabalhar uma proposta de espiritualidade “viva” tomando como base a oração do Pai Nosso. Ela não esgota as possibilidades de uma espiritualidade cristã, mas nos dá dicas legais. Vejamos:

1. A espiritualidade do Pai Nosso é ecumênica – O Pai é “Nosso” (v. 9)

a) Eu já prometi a mim mesmo um dia começar um estudo psicológico sobre essa coisa que nossa turma tem de negar a experiência do outro com Deus. Eu não tenho dado um passo nesse sentido em minha experiência como professor de Teologia;

b) Mas tenho uma hipótese: evito o outro não porque estou certo de minha verdade, mas porque temo que suas verdades esfacelem minhas falsas certezas sobre ele e sobre mim mesmo;

c) Minha posição quanto ao ecumenismo é esta: ele é para mim o maior sinal que as igrejas cristãs podem dar à sociedade, maior até que as ações político-sociais;

2. A espiritualidade do Pai Nosso se guia pelo anseio do Reino de Deus, e não pelos programas denominacionais e/ou religiosos (v. 10)

a) Isso é algo que venho repetindo muito, e disse no Pinheiro há uns dias atrás. A agenda dessa espiritualidade são as necessidades humanas: a luta pela justiça, contra todo preconceito, pela dignidade de cada ser humano;

b) Olhem, se dependermos da agenda denominacional, nossa espiritualidade será denominacional (102 municípios não alcançados? Com o quê?). Mas se dependermos da agenda do Reino, nossa espiritualidade terá a cara do Reino;

3. A espiritualidade do Pai Nosso reconhece até nas pequenas coisas – nesse caso, no pão diário – um favor de Deus (v. 11)

a) A espiritualidade do Pai Nosso também se interessa por coisas ditas “pequenas”, como o pão cotidiano. Geralmente a gente pensa que a agenda do Reino só tem a ver com coisa grande: justiça social, militância política, transformação estrutural, denúncia profética;

b) Mas entram aí também coisas “pequenas” como o pão cotidiano, o brincar, o beijar, o fazer amor, o jogar conversa fora, o tocar violão. Entra aí, porque não, o cultivo da família. Muito me admirei com as afirmações de Francisco Rodez e Jung Mo Sung (Cristianismo de Libertação) nesse tocante;

4. A espiritualidade do Pai Nosso sabe que o tamanho de nossa comunhão com Deus é do tamanho de nossa comunhão com os seres humanos (v. 12,14/15)

a) Gente, quantos de nós já notaram que a petição do versículo 12 tem cara de blasfêmia? “Pai, me perdoa da mesma maneira como eu tenho feito com os outros”, ou seja, “Pai, olha meu modelo e age como eu”. Não é não?

b) Mas não é blasfêmia não. Essa petição tem a ver com uma antiga tradição bíblica que afirma que “não existe amor a Deus que não seja mediado pelo amor a um ser humano” (1Jo). Esse blá-blá-blá todo da musicalidade evangélica (“eu te amo Senhor, eu te amo Senhor”) é palavra ao vento sem a mediação de ações concretas feitas em favor dos outros. Em caso de dúvida, veja Mt 25,31-40 (“foi a mim que fizeste”);

5. A espiritualidade do Pai Nosso assume (não maquia) a ambigüidade humana, e que o mal, apesar de tudo, permanece como desafio cotidiano (v. 13)

a) Não sei se é sensato um pregador dizer que tem dúvidas sobre uma passagem bíblica na hora da pregação, mas nunca consegui entender direito se esse “livra-nos do mal” é “livra-nos da tentação e do mal feito pelos outros”, ou “livra-nos da tentação de praticar o mal”;

b) Bem, qualquer que seja o caso (o mal dos outros ou o nosso mal), esta é uma espiritualidade que assume a nossa ambigüidade. Edgar Morin (filósofo francês vivo) dizia que somos homo sapiens-demens, isto é, sábios e dementes ao mesmo tempo, e isso a espiritualidade do Pai Nosso também já havia reconhecido;

c) Jung dizia que a única forma de domesticar a presença do mal (sombra) em nós é assumindo-o com coragem. Não tem jeito, quanto mais reprimimos, mais nos vemos à volta com ele. Me fascina o fato de que aqui é o próprio Jesus quem roga: Pai, me livra do mal!

CONCLU: Desculpe se lhes cansei. Eu não desejava esgotar o tema da espiritualidade nesse sermão. O próprio Pai Nosso não o esgota. Mas acredito que as sugestões aqui colocadas podem nos ajudar a construir uma espiritualidade melhor, mais parecida com a vivida por Jesus de Nazaré.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

TEOLOGIA DA INDIFERENÇA


É “a verdade” o valor fundamental da Teologia?


Se eu amo você, isso não isenta nossa relação de tensões. Pelo contrário, se eu amo você verdadeiramente, as tensões serão algo necessário. As tensões aparecerão aí como expressão do desejo arquetípico por perfeição entre os humanos. Conquanto que as tensões levem em consideração as imperfeições que há em mim também, não haverá nenhum problema se num momento ou noutro ela surgir entre eu e você, que nos amamos. As tensões tendem a ser desagradáveis somente quando polarizadas de um lado da relação. Vejo os seus defeitos, mas não vejo os meus. Sofro suas imperfeições, mas ignoro as minhas. Então as tensões se tornam fonte de profundo desprazer.

Minha relação com a educação teológica é uma relação de amor. É uma relação erótica, observadas as resignificações de Freud e de Adélia Prado para a palavra Eros. “Erótica é a alma”, dizia a poetiza mineira. Para o pai da psicanálise Eros é a “pulsão de vida”, contrária à Tánatos, a “pulsão de morte”.

E é exatamente por causa dessa relação erótico-amorosa com a educação teológica que vou esboçando aqui um conjunto de tensões que me advém dessa relação. Vou apresentá-las em forma de perguntas, mas sem respondê-las uma a uma, a fim de que possam permanecer abertas a possíveis interlocutores interessados. Depois vou apresentar uma “hipótese geral” para algumas das questões levantadas, hipótese geral cuja intenção é provocar, só e somente só.

1. Por que o saber teológico veiculado nos centros de formação pastoral, sobretudo protestantes, é quase completamente desconhecido das comunidades religiosas que patrocinam esses mesmos centros de formação? Seria esse saber conscientemente negado a essas comunidades? Caso sim, por quê?

2. Por que o saber teológico veiculado nos centros de formação pastoral, sobretudo protestantes, é, geralmente, um saber completamente divorciado do substrato de pensamento vigente nas comunidades cristãs que patrocinam esses estudos? Sustentar uma relação tão assimétrica assim não é contraditório e prejudicial à própria dinâmica das comunidades cristãs?

3. Por que o saber teológico veiculado nos centros de formação pastoral causa uma resistência quase instantânea ao cristão não-iniciado nesse tipo de saber?

4. Por que os teólogos e teólogas que concluem sua formação acadêmica, ao ingressarem nas atividades formais do pastorado, fazem pouquíssimo uso dos conteúdos aprendidos durante a graduação em Teologia, com exceção das disciplinas mais instrumentais e de teor administrativo?

5. Se o saber teológico é tão fundamental à atividade formal do pastorado, por que os rigores da vida acadêmica em boa parte desses centros de formação são levados tão pouco a sério por docentes, discentes e gestores? Agindo assim, não estaríamos reificando um consenso social de que “qualquer um pode ser pastor e pastora”?

6. Se nossa visão está voltada para o ser humano de hoje, com suas contradições e mazelas, por que o saber teológico próprio da formação pastoral é visto comumente como uma espécie de “neo-alquimia”, sobretudo nas universidades, onde aparece sempre com cheiro de mofo medieval?

7. Se nossa formação em Teologia busca munir nossos pastores e pastoras de ferramentas que lhe permitam discernir e dialogar com o mundo contemporâneo, por que os teólogos e teólogas estão geralmente ausentes das discussões provocadas e patrocinadas pela sociedade? Por que teólogos e teólogas falam, via de regra, somente para os seus pares?

A minha “hipótese geral” tem inspiração em Karl Popper, a quem estimo profundamente o trabalho intelectual. Falando da ciência como um todo, Popper, em A lógica das ciências sociais, diria que “embora a verdade [grifo meu] seja o valor científico decisivo, ele não é nosso único princípio. Relevância, interesse e significância [grifos meus] (...) são, igualmente, valores científicos de primeira ordem; e isto é também verdadeiro acerca dos valores como fecundidade, força explicativa, simplicidade e precisão [grifos meus]”.

Minha “hipótese geral”, portanto, é a de que nosso saber teológico está tão incuravelmente marcado por uma pulsão pela verdade, que outros valores como a relevância, o comprometimento com as causas humanas, o interesse e a significância social lhe são totalmente indiferentes.

Não se trata de declinar da verdade enquanto um valor especial em Teologia. Nesse caso teríamos que mudar o nome desse saber! Mas se trata de reconhecer que, como em todo saber, a verdade, como bem apontou Popper, deve estar acompanhada por outros valores de primeira grandeza: a relevância, a pertinência, o comprometimento com o ser humano, a sensibilidade social entre eles. Em Alagoas muito mais.