quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

A ESPIRITUALIDADE DO "PAI NOSSO"



Esboço do sermão pregado por mim no dia 05/12/2009, no Acampamento da Família da Igreja Batista do Pinheiro, ocorrido em Paripueira-AL.




UMA ESPIRITUALIDADE VIVA

A PARTIR DO “PAI NOSSO”

Mateus 6,9-15



INTRO: O Dalai Lama tem uma passagem no Ética para um novo milênio, onde afirma que “o que necessitamos hoje é de uma revolução de espiritualidade”. A princípio, desconfiei dessa proposta. Mas lendo o livro do monge tibetano eu entendi o que ele quis dizer. No entanto, para mim, é Jürgen Moltmann quem melhor nos ajudou nesses últimos anos, pelo menos de um ponto de vista acadêmico, a entender o que quer dizer “espiritualidade”. Ele nos remete ao potencial semântico de Ruah, e nos explica que quando essa palavra foi traduzida para nossos idiomas ocidentais (pneuma, spirit ou ghost, geist, esprit, espírito) ela perdeu sua força. Então, entendemos “espiritualidade” hoje como algo morto, abstrato, contrário à vida. Quem é o crente espiritual? É aquele que “dominou a carne”: não bebe, não fuma, não... joga, etc.

PONTE: Bem, o que eu desejo fazer hoje em breves palavras é trabalhar uma proposta de espiritualidade “viva” tomando como base a oração do Pai Nosso. Ela não esgota as possibilidades de uma espiritualidade cristã, mas nos dá dicas legais. Vejamos:

1. A espiritualidade do Pai Nosso é ecumênica – O Pai é “Nosso” (v. 9)

a) Eu já prometi a mim mesmo um dia começar um estudo psicológico sobre essa coisa que nossa turma tem de negar a experiência do outro com Deus. Eu não tenho dado um passo nesse sentido em minha experiência como professor de Teologia;

b) Mas tenho uma hipótese: evito o outro não porque estou certo de minha verdade, mas porque temo que suas verdades esfacelem minhas falsas certezas sobre ele e sobre mim mesmo;

c) Minha posição quanto ao ecumenismo é esta: ele é para mim o maior sinal que as igrejas cristãs podem dar à sociedade, maior até que as ações político-sociais;

2. A espiritualidade do Pai Nosso se guia pelo anseio do Reino de Deus, e não pelos programas denominacionais e/ou religiosos (v. 10)

a) Isso é algo que venho repetindo muito, e disse no Pinheiro há uns dias atrás. A agenda dessa espiritualidade são as necessidades humanas: a luta pela justiça, contra todo preconceito, pela dignidade de cada ser humano;

b) Olhem, se dependermos da agenda denominacional, nossa espiritualidade será denominacional (102 municípios não alcançados? Com o quê?). Mas se dependermos da agenda do Reino, nossa espiritualidade terá a cara do Reino;

3. A espiritualidade do Pai Nosso reconhece até nas pequenas coisas – nesse caso, no pão diário – um favor de Deus (v. 11)

a) A espiritualidade do Pai Nosso também se interessa por coisas ditas “pequenas”, como o pão cotidiano. Geralmente a gente pensa que a agenda do Reino só tem a ver com coisa grande: justiça social, militância política, transformação estrutural, denúncia profética;

b) Mas entram aí também coisas “pequenas” como o pão cotidiano, o brincar, o beijar, o fazer amor, o jogar conversa fora, o tocar violão. Entra aí, porque não, o cultivo da família. Muito me admirei com as afirmações de Francisco Rodez e Jung Mo Sung (Cristianismo de Libertação) nesse tocante;

4. A espiritualidade do Pai Nosso sabe que o tamanho de nossa comunhão com Deus é do tamanho de nossa comunhão com os seres humanos (v. 12,14/15)

a) Gente, quantos de nós já notaram que a petição do versículo 12 tem cara de blasfêmia? “Pai, me perdoa da mesma maneira como eu tenho feito com os outros”, ou seja, “Pai, olha meu modelo e age como eu”. Não é não?

b) Mas não é blasfêmia não. Essa petição tem a ver com uma antiga tradição bíblica que afirma que “não existe amor a Deus que não seja mediado pelo amor a um ser humano” (1Jo). Esse blá-blá-blá todo da musicalidade evangélica (“eu te amo Senhor, eu te amo Senhor”) é palavra ao vento sem a mediação de ações concretas feitas em favor dos outros. Em caso de dúvida, veja Mt 25,31-40 (“foi a mim que fizeste”);

5. A espiritualidade do Pai Nosso assume (não maquia) a ambigüidade humana, e que o mal, apesar de tudo, permanece como desafio cotidiano (v. 13)

a) Não sei se é sensato um pregador dizer que tem dúvidas sobre uma passagem bíblica na hora da pregação, mas nunca consegui entender direito se esse “livra-nos do mal” é “livra-nos da tentação e do mal feito pelos outros”, ou “livra-nos da tentação de praticar o mal”;

b) Bem, qualquer que seja o caso (o mal dos outros ou o nosso mal), esta é uma espiritualidade que assume a nossa ambigüidade. Edgar Morin (filósofo francês vivo) dizia que somos homo sapiens-demens, isto é, sábios e dementes ao mesmo tempo, e isso a espiritualidade do Pai Nosso também já havia reconhecido;

c) Jung dizia que a única forma de domesticar a presença do mal (sombra) em nós é assumindo-o com coragem. Não tem jeito, quanto mais reprimimos, mais nos vemos à volta com ele. Me fascina o fato de que aqui é o próprio Jesus quem roga: Pai, me livra do mal!

CONCLU: Desculpe se lhes cansei. Eu não desejava esgotar o tema da espiritualidade nesse sermão. O próprio Pai Nosso não o esgota. Mas acredito que as sugestões aqui colocadas podem nos ajudar a construir uma espiritualidade melhor, mais parecida com a vivida por Jesus de Nazaré.

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