sábado, 14 de março de 2009

PENSO, LOGO RESISTO



Formação teológica e comunidades eclesiais reflexivas


Todos/as aqueles/as que ingressarem na gestão e/ou no magistério teológico vão se defrontar com uma incômoda situação: um grande contingente de alunos e alunas nesse universo enxerga sua formação como um mero trampolim para a ordenação ao pastorado. É óbvio que cada pessoa tem o direito de autosignificar suas atitudes como bem quiser. No entanto, também é óbvio que ao proceder daquela forma, o/a estudante de teologia opera uma triste minimização no próprio conhecimento teológico do qual participa.

Tenho dito freqüentemente que o/a estudante de teologia talvez seja o/a único acadêmico/a que, concluídos os anos de sua formação, se desfaz de tudo aquilo com o que se ocupou em termos intelectuais. Se o que temos chamado de formação continuada tem sido um dilema em termos amplos no universo profissional, em termos estritamente teológicos a formação continuada sequer chega a ser uma suspeita para muitos daqueles/as que agora se ocupam da chefia de suas comunidades. Obviamente corro o risco inerente a toda generalização. Portanto, falo em termos de média.

Logo, havendo alguma pergunta a ser feita com santa honestidade pelo/a estudante de teologia, ela deve ser esta: o que farei com o amontoado de discussões a que fui submetido/a nesses anos? Porque se não nos expusermos a tal questionamento, nós mesmos reificaremos as representações às quais o conhecimento teológico é submetido, por exemplo, nas universidades.

Quem transita no ambiente universitário conhece muito bem tais representações. Todas elas confinam o conhecimento teológico no anacronismo e na impertinência, como um saber tipicamente medieval. Falar em teologia na universidade é o mesmo que falar em alquimia ou em astrologia. Os próprios estudantes de teologia, portanto, reificam essas representações quando fazem de sua graduação um mero trampolim para o pastorado. Quando descartam o conteúdo intelectual das discussões, das leituras e da produção acadêmica ao ingressarem no pastorado, eles/as mesmos/as endossam a percepção de que a teologia é imprestável e nada tem a contribuir no plano das questões humanas de nosso tempo.

Nesse tocante, já ultrapassamos o momento de romper com determinados preconceitos. É correto dizer que as representações que se dão no ambiente universitário relacionadas ao conhecimento teológico sejam preconceituosas. Mas devemos admitir que boa parte da atitude dos/as teólogos/as em descartar conhecimento burilado na graduação também é fruto de certos preconceitos. Quais seriam esses preconceitos?

Talvez o principal deles seja o preconceito muito arraigado de que a comunidade não esteja em condições de refletir sua fé teologicamente. Ou de que essa não é uma necessidade da comunidade. A meu ver, estamos aqui diante de dois fatos terríveis. Primeiro, eu diria que é terrivelmente paradoxal o fato de que a maioria de nossas comunidades não reflita sua fé teologicamente. Segundo, é mais terrível ainda é o fato de que a reflexão dada nos centros de formação teológica seja antagônica ao pensamento das comunidades. Infelizmente, toda essa atitude ocorre numa atmosfera de profundos preconceitos mútuos historicamente constituídos, contra os quais é mister rebelar-nos, caso essa coisa toda faça sentido de fato para nós.

Eu gostaria de suscitar brevemente aquilo que considero serem os pontos fulcrais a ser revolvidos tanto na dinâmica dos seminários quanto das comunidades.

Toda representação social é coletivamente construída. Este também é o caso do seminário como trampolim. Enquanto tal, esta é uma representação coletiva e socialmente construída no interior das próprias igrejas. As próprias igrejas são responsáveis pela infeliz representação do seminário como simples casa formadora do quadro operário-religioso da sociedade. O que quero dizer é que a “casa dos profetas” não é o seminário, mas a própria comunidade em seu contato com o mundo.

Se por um lado o trabalho intelectual é uma poderosa arma de que dispõe o profeta, por outro lado ele não é a fonte de onde deriva sua atividade. Nenhum autêntico profeta se faz nos bancos dos seminários. Essa atividade nasce do contato com o mundo. Isto é, todo profeta deve ser forjado em contato concreto com a vida, sobretudo com suas contradições e com suas negações. O profeta nasce do contato com a opressão, com a espoliação, com o cerceamento do direito de ser gente imposto por uns homens a outros. O útero de onde se fecunda todo profeta é o próprio mundo e suas contradições.

Mas nem por isso o seminário deixa de ser pertinente. Enquanto instituição identificada com os rigores acadêmicos e intelectuais, seu papel é oferecer as ferramentas fundamentais com as quais o profeta pode fazer uma leitura adequada da situação contemporânea. Ninguém deveria se matricular no seminário com a expectativa de aprender a teologizar, como se não o fizesse antes na igreja. Antes, tal expectativa deveria consistir em se munir de ferramentas acadêmicas com as quais se reflete tanto a fé em si mesma quanto a fé em sua relação com o mundo contemporâneo.

Mas se o seminário está firmado como ambiente de reflexão da fé, a comunidade eclesial também tem o dever de está-lo, na medida de suas possibilidades. Karl Barth dizia que uma comunidade autenticamente interessada no discernimento da verdade do Evangelho deve ser necessariamente uma comunidade interessada em teologia. A teologia que se praticaria aí cumpriria a função de sentinela. Vigiaria a comunidade em relação à sua aproximação à verdade do Evangelho. Porque o apego cego aos tradicionalismos e o ativismo alienante são todos elementos corriqueiros da vida eclesial que as distanciam sempre mais da verdade do Evangelho. Portanto, uma comunidade evangelicamente preocupada será não somente missionária e celebrante, mas também será forçosamente pensante e teologante.

Em palavras muito simples: lugar de se fazer teologia é na igreja. O seminário é parceiro desse ofício.

Eu sugeriria aos/às teólogos/as que ainda insistem no preconceito de que o povo não saber pensar e que a comunidade não tem necessidade de reflexão, que atualizassem sua leitura da sociedade. Foi-se o tempo em que as verdades pastorais eram aceitas passiva e incontestavelmente. A superafirmação da subjetividade, enquanto marca de nosso tempo, tem como um de seus produtos um super-relativismo que nenhum de nós, pastores/as, conseguirá domar. Foi-se o tempo em que uma tradição confessional determinava todo o perfil de um cristão. Cada vez mais a espiritualidade dos cristãos é produto sínteses pessoais forjadas à base de um superecletismo colorido e multifacetado confessionalmente.

Eu sugeriria aos/as teólogos/as que declinassem de pensar pela comunidade, e passassem a pensar com a comunidade. Porque esse pensar pela comunidade, notemos, se faz sempre à base de repetições estéreis, enfadonhas, pouco criativas e, o que é pior, mantenedoras de certas relações de poder às quais Jesus de Nazaré se opôs veementemente. Não seja assim entre vós, ele nos diria.

Que temores de fato guardamos nos nossos corações pastorais? Tememos de fato que o pensamento teológico “desvirtue” o povo de sua fé simples, como se costuma dizer? Ou tememos que uma comunidade pensante, teologante e reflexiva se encontre com certas emancipações ameaçadoras para o nosso status? Em verdade, o que mais nos assombra: um povo “desvirtuado” ou um povo “adulto”?



2 comentários:

Waldir disse...

Paulo,
Ainda não nos conhecemos apenas nos vimos rapidamente aqui em Salvador durante a Assembléia da Aliança de Batistas. Óbvio que não vou perguntar se vc lembra, pois não tivemos nenhum contato, mas estou embevecido com seus textos e contribuições para uma vivência mais lúcida de um cristianismo trôpego como esse que afirmamos viver.Como vc trilha por caminhos que já trilhei com muito mais vigor, pois hoje de alguma forma me encontro meio cansado e porque não dizer "desesperançado".
Vendo o seu entusiasmo, sua lucidez e vontade de dizer a que veio confesso que vigor transmitido chega a mim de modo muito positivo, suscitando o desejo de uma aproximação, pois vejo que vc circula em ambientes que me são familiares a exemplo do SETBAL, Neilton e cia.Vou ficar por aqui, depois comento seu belíssimo texto.
Um abraço e prazer em conhecer
Waldir Martins
Salvador

Rogério Calew disse...

Oi Paulo, andei lendo seus pensamentos recentemente, gostei muito de descobrir 'sua idéia', sou um arapiraquense cara aqui em fortaleza, confesso q não lembro de ter tido contato com vc, formei em 2004 no seminário de norte e venho tentando fazer uma pastoral interessante aqui em fortal, dá uma passadinha no meu blog parceiro...vamo afinar essas idéias aew! te aguardo!