quarta-feira, 24 de novembro de 2010

INTOLERÂNCIA RELIGIOSA E DIREITOS HUMANOS


Olá todos(as)!

Compartilho o esboço de minha participação na Jornada Religare "Mídia e religião", organizada pelo prof. Dr. Dalmer Pacheco, no dia 23/11, na UFAL.

Abraços!

INTOLERÂNCIA RELIGIOSA E DIREITOS HUMANOS*
Tensões e desafios no Brasil contemporâneo

Tensões entre pensamento religioso e Modernidade
Gostaria de focar minha fala na relação entre intolerância religiosa e Direitos Humanos. Nesse sentido, penso que minha abordagem levará em conta uma perspectiva mais ampla do problema da intolerância religiosa, porque esta não se dirige somente a outras formas de crença religiosa, mas talvez, muito mais a outras formas de comportamento social que extrapolam a esfera da religião. Mas do que a simples manifestação de antigas querelas entre diferentes confissões religiosas, o problema da intolerância extrapola até a transgressão de certos Direitos Humanos, que são conquistas legítimas de nossas sociedades, pelo menos em estados democráticos de direito como o Brasil.
Os Direitos Humanos, obviamente, são uma construção da Modernidade Tardia. A igrejas cristãs, no entanto, têm tido enorme dificuldade de equacionar sua concepção religiosa do mundo com a concepção secularizada que é produto da Modernidade. Poderíamos citar aqueles que consideramos serem alguns dos produtos dessa relação mal digerida:
- o fundamentalismo religioso, que é uma reação às influências do conhecimento científico e sua abordagem do fenômeno religioso (tanto no campo ideológico quanto prático);
- a dificuldade de aceitar que certas conquistas de grupos e indivíduos, mais do que afrontas à religião alheia, são Direitos Humanos conquistados com luta e perseverança na arena democrática;
- as próprias manifestações de intolerância devem ser vistas como resquícios de uma mentalidade alicerçada na ideologia do pensamento único;
- mas também seria importante destacar os setores eclesiásticos (talvez somente algumas vozes isoladas) para quem a “maioridade do mundo” e a “secularização” não representam obstáculos, mas desafios com os quais as igrejas deveriam dialogar constantemente. Cito essas tendências no conjunto daqueles produtos da tensão entre igrejas e pensamento Moderno, justamente porque nas igrejas, os movimentos e indivíduos que propuseram uma postura dialógica frente aos desafios da Modernidade nunca foram aceitos. Alguns deles foram até perseguidos e exilados de suas funções.
Para mim, uma das grandes contradições disso tudo, reside no fato de que muitas dessas igrejas, sobretudo no Brasil, tenham ajudado a construir um estado laico, secularizado, propício à diversidade. Isso se deu num momento da história em que esses grupos eram minoria perseguida. Hoje, com status de religiões amplamente aceitas pelas massas, invertem a situação, sendo que elas agora se tornaram promotoras da intolerância aos grupos diferentes. 
Novas estratégias de enfrentamento na pós-modernidade
Nos dias atuais, estamos assistindo a um fenômeno novo, que, pela qualidade de sua novidade, ainda não tem sido muito bem pensado pelas ciências humanas. Me refiro à tentativa da volta do discurso religioso e de sua influência na esfera pública e na governamentalidade (M. Foucault) estatal. Lembremos que um dos efeitos produzidos na Modernidade é o exílio do papel da religião para a esfera pessoal da vida. A Modernidade confinou a importância da religião exclusivamente na condução pessoal da vida das pessoas, mas sem qualquer poder de influência na esfera pública.
Considero alguns casos emblemáticos desse retorno da religião à influência na esfera pública no ocidente. Um deles é o 11 de Setembro de 2001, assim como o próprio governo Bush (legitimado por uma plataforma explicitamente marcada por valores religiosos), e o último processo eleitoral no Brasil, onde o discurso religioso conservador quase determina a pauta de discussões das campanhas eleitorais. O que quero dizer, é que para além das práticas cotidianas de intolerância religiosa que se dão nas relações entre as pessoas, a esfera pública passa a ser um local de enfrentamento entre concepções religiosas conservadoras e o pensamento laico e secularizado da Modernidade.
Intolerância religiosa e Direitos Humanos
Tenho falado em Direitos Humanos de forma muito genérica, e agora gostaria de ser mais preciso. Primeiro, gostaria de nomear alguns deles:
- o direito à própria diversidade e pluralidade de expressões religiosas;
- o direito à diversidade da experiência da sexual;
- o direito à pluralidade étnica e racial;
- o direito à democratização da terra como habitação e meio de produção;
- entre outros, devidamente representados pelas respectivas políticas públicas de amparo a esses grupos.
Em segundo lugar, gostaria de perguntar: o que são esses Direitos Humanos?
- não são concessões, mas são produto de lutas levadas à cabo sempre por grupos minoritários de nossa sociedade;
- são o produto de possibilidades inerentes a qualquer estado moderno, laico, cujas bases da governamentalidade estatal devem estar apartadas de concepções religiosas de um grupo em detrimento dos demais;
- são conquistas formalmente construídas e representadas pelas políticas públicas, legitimadas pelos meios democráticos dos estados modernos.
Finalizando, o que eu gostaria de trazer para a discussão é o fato de que hoje o problema da intolerância religiosa é muito mais amplo do que as históricas querelas entre as diferentes religiões. A intolerância religiosa dirigida contra as religiões afro-brasileiras (ou contra qualquer outro grupo religioso), contra as pessoas LGBTS, contra os movimentos sociais articulados com a luta pela terra, deve ser encarada como um atentado contra direitos humanos fundamentais, que consideramos como conquistas legítimas dos respectivos grupos.
Para os grupos considerados como vítimas históricas do preconceito religioso, acho que estamos num momento extremamente favorável, já que cada formulação daqueles direitos que citei como Direitos Humanos e sua tradução como políticas públicas, vem acompanhado com um amparo legal de proteção a esses grupos.


* Esboço de palestra apresentada na Jornada Religare “Mídia e religião”, na Universidade Federal de Alagoas, no dia 23 de novembro de 2010.
** Teólogo e pastor batista.

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