terça-feira, 11 de janeiro de 2011

“TUDO FLUI”

Sobre a dança dos átomos e a dança da vida

Para Theo, João Pedro, Alex, Sarah, Gabriel, Mateus, Mariana, João Davi, Manuel Carlos, Artur, Valdemar Neto, Said e Emille

A metáfora de Heráclito do conceito filosófico do Ser como um rio em seu fluxo permanente, parece ser uma das coisas mais difíceis de serem contestadas por quem quer que seja. “Não se entra duas vezes no mesmo rio, porque nem o rio nem nós somos mais os mesmos a cada vez que nele entramos”, diz Heráclito num de seus fragmentos. Lembro-me com alegria nostálgica o tempo em que, na Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), as discussões entre Heráclito e Parmênides nos ocupavam intensamente nas aulas de História da Filosofia Antiga. Heráclito, com sua perspectiva do Ser em eterno movimento e devir, afirmava que “tudo flui” (panta rei). Parmênides, por sua vez, na perspectiva da imobilidade do Ser, pontificava a condição estática de todas as coisas. Nesses malabarismos intelectuais, São Tomás de Aquino fazia as vezes de mediador, com sua clássica reflexão sobre O Ser e o Ente, onde o Ser, em sua imobilidade, tinha na mobilidade dos entes sua epifania. 
Também na física quântica moderna há uma belíssima metáfora para se discursar sobre o mundo. Se Heráclito dizia que “tudo flui”, os físicos quânticos dizem que “tudo dança”. A física quântica nos possibilitou o conhecimento da realidade subatômica, que, surpreendentemente, revelou-se como um movimento intermitente de onda e partícula. Na dimensão mais ínfima da matéria estaria uma espécie de “dança dos átomos”. Em outros termos, isso corresponde a dizer que na dimensão mais ínfima da constituição de todas as coisas há o movimento, a mudança, a dança, o fluir, mesmo que nossa consciência insista em nos convencer da imobilidade das coisas. Caetano Veloso deve ter lido Werner Heisenberg antes de compor o verso onde ele canta: “Os átomos todos dançam, madrugam... Reluz neblina... Ele também se movia pela nostalgia em relação a Santo Amaro da Purificação, sua cidade natal.
Há cinco anos, no meio do rio da vida, eu entraria num afluente chamado Barra do Rocha, ao sul da Bahia, na famosa região do cacau. Era a minha primeira experiência pastoral em tempo integral, aos vinte e cinco anos de idade. Nesta cidade pequena, feita de um povo afetuoso e de vida simples, eu misturava meu destino ao destino das pessoas, às suas alegrias, às suas dores e às suas esperanças. Como um pastor de primeira viagem, fiz daqueles dias uma mistura de êxtase ministerial e inevitáveis cabeçadas. Fiz amigos e amigas na Igreja Batista e na comunidade em geral. Depois de três anos, fui me banhar em outro afluente da vida. O reencontro com Barra do Rocha serve agora para reforçar o aforismo de Heráclito: “tudo flui”. Como o caudaloso Rio de Contas que corre aos seus pés, essa cidade também é um rio no qual não se entra duas vezes. Nem eu sou mais o mesmo, nem a cidade é mais a mesma, muito menos as pessoas são mais as mesmas.   
É muito bom que as coisas mudem. É muito bom que as pessoas mudem. Falando sobre a vida espiritual das pessoas, o poeta inglês oitocentista Willian Blake também usou uma metáfora. Ele dizia que “a pessoa que nunca muda suas idéias é como água parada: gera répteis em sua mente”. Nietzsche, por sua vez, se utilizou de uma metáfora que evoca a dança para falar de Deus: “Eu só serviria a um Deus que soubesse dançar”, dizia ele pela boa de Zaratustra. Obviamente, Nietzsche espetava os teólogos da “imobilidade e imutabilidade de Deus”, e cuspia na cara daqueles que insistem em crer que a fé necessita arrancar a alegria e a paixão pela vida.
Mas, o que seria da vida se, no lugar de um rio caudaloso que corre em seu fluxo constante, ela se assemelhasse a uma poça d’água em sua fétida condição estática? Nem tudo muda para melhor, é verdade. Sobretudo na vida das comunidades eclesiais, nem toda mudança é aquela que esperávamos. Há pessoas queridas que se foram porque faleceram. Mas também há gente nova que nasceu trazendo alegria à comunidade. Há aqueles e aquelas que, por alguma circunstância, desistiram da caminhada. Mas há aqueles e aquelas que se agregaram à caminhada cristã e vivem agora uma vida cheia de entusiasmo e esperança.
É bom saber que no lugar de uma eterna letargia, que certamente mataria a vida em pouco tempo e tornaria tudo sem graça e enfadonho, o rio caudaloso do Ser segue em sua dança e em sua mutação ininterrupta. Fazia tempo que Heráclito estava ausente de minhas reflexões. Fico grato, portanto, pela experiência de reencontrar o amor, o afago, o carinho e o respeito de pessoas tão queridas com quem partilhei a vida há cinco anos atrás. Fico feliz em poder reforçar, a partir de uma experiência tão gratificante de reencontro com o passado, o aforismo de Heráclito de que “tudo flui”.    
        
                                                                  Barra do Rocha-BA,10 de Janeiro de 2011



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