quinta-feira, 16 de outubro de 2008

O MAIOR HUMANISTA DA HISTÓRIA


“You can call me faithless,
but I believe in love and that’s faith
enough for me…” (Rush)

Com aquela astúcia do fariseu eu lhes pergunto: qual é a declaração mais profunda da Bíblia? Para mim, sem dúvida é esta: Deus é amor (1Jo 4,8). Tal como uma gota de orvalho é capaz de espelhar a imagem do sol, a declaração joanina Deus é amor é o espelho de todo o Evangelho.

Sinto que estamos condenados como espécie humana a nunca compreender o conteúdo legítimo dessa palavra – amor. Temo que estejamos condenados como Igreja Cristã a nunca compreender o conteúdo legítimo da declaração Deus é amor.

Arrisco dizer que a maior debilidade de certas religiões – entre elas as nossas – reside justamente no afã em amar a Deus. O que produzimos a partir desse afã é um amor louco e pervertido por Deus. Sim, louco e pervertido porque é em nome dele que as grandes atrocidades das igrejas cristãs foram perpetradas na história. Amor louco e pervertido que produz templos, literatura e bens simbólicos de toda espécie concomitantemente com o gesto do Levita e do Sacerdote perante o Homem do Caminho (Lc 10,25-37). Que omite, separa, segrega, disciplina, excomunga, elimina, expulsa, delimita, castra, tipifica, julga, reprime, silencia, sentencia, anatemiza. Tudo produto do amor louco e pervertido que se quer tributar a Deus, à sua obra, à sua Palavra e à sua vontade.

É inegável. Por trás de todos esses vermes religiosos e eclesiais – omissão, separação, segregação, disciplina, excomunhão, eliminação, expulsão, delimitação, castração, tipificação, julgamento, repressão, silenciamento, anatemização – você vai sempre achar um pudico “é por amor a Deus, a sua obra e sua Palavra”. Se você pudesse entrevistar um inquisidor regresso de abate a alguma bruxa, iria ouvir dele que aquilo foi feito por amor a Deus e a sua vontade.
Nosso ódio religioso e nossa violência simbólica contra a diferença é a maior prova de que estamos aquém do sentimento do autor da expressão Deus é amor.

Nossa tragédia tem consistido em amar a Deus sem a mediação do outro, qualquer que ele seja. Fatalmente, o que resulta disso é a contradição de amarmos a Deus e odiarmos o outro. A reboque surge a produção da forma mais diabólica do ódio: o desprezo. Porque o reverso do amor não é o ódio, mas o desprezo. Surge ainda a infame doença que é o ódio velado, mascarado de declarações falsas de amor.

Nossa tragédia tem consistido em celebrar o sola fide, sola gratia, sola scriptura, quando o que deveríamos fazer era celebrar somente o sola caritas. E então a melhor coisa que nós, povo protestante, deveria fazer era reconhecer que Lutero errou o alvo. A Igreja nunca precisou de 95 Teses, uma vez que Deus é amor é a tese fundamental que dispensa tudo. Nossa Reforma deveria consistir em recomeçar a partir disso, e nada mais.

Fundamental para nossa saúde é saber que nosso amor religioso e insano, formol que mantém intacto aqueles vermes todos, já cheira mal diante de Deus há tempos. Aquele amor sem a mediação do outro não chega nem a sussurrar em Suas orelhas. Porque se no tempo dos profetas bíblicos Deus havia prometido “esconder seu rosto,virar a face e tapar os ouvidos” (veja Is 1,15; Am 5,23) para aquela peça teatral da religião, é porque até ali Ele ouvia aquelas representações. Hoje, quando a performance do amor a Deus segue sem a devida mediação do outro, certamente Ele cumpriu o que prometeu: tapou os ouvidos e virou as costas.

Amemos a Deus no outro, e nada além. Nisso está toda a nossa declaração doutrinária e nossa convicção de fé quando sabemos que Deus é amor. Amemos a Deus no outro de todo coração, e nisso residirá nossa dádiva e todo nosso louvor (ainda que cantar faça bem à alma!). Porque se o outro, sobretudo o desgraçado e humilhado no chão da vida, não é essa epifania de Deus (Mt 25,31-40), Jesus então é o Charlatão da História. Porque se o encontro com o outro, seja lá quem for com suas idiossincrasias e vicissitudes, não for esse lugar e esse momento onde eu consigo cumprir toda Lei de Deus ao amá-lo (1Co 13,1-3; Gl 5,13-14), então Paulo de Tarso é o Co-Charlatão da História.

Não me lembro bem onde li isso, mas me apaixonei pela declaração de que “Deus é o maior de todos os humanistas da história”. É verdade e é simples assim, porque Deus é amor.

Um comentário:

GILLIANE disse...

OUVI QUE DEUS FOI O MAIOR PSICÓLOGO DA TERRA.