sábado, 18 de outubro de 2008

O NOSSO LINDEMBERG


Que novas lições pode nos oferecer o desfecho trágico do caso envolvendo os jovens Lindemberg e Eloá?

Serviria ele para nos lembrar outra vez os aspectos sombrios da natureza humana? Não, nisso a vida nossa de cada dia é pródiga. Serviria este caso para nos lembrar dos perigos irracionais de uma paixão neurótica? Também não. Eu e você já conhecemos a fundo essa história, seja por meio da própria mídia, seja por meio da dramaturgia ou quem sabe por meio de algum infortúnio desse tipo experimentado ou perto de nós ou por nós mesmos. Serviria esse caso para nos alertar contra a voracidade sensacionalista e carniceira da TV pelos pontos no IBOP? Não, é seu procedimento de todo fim de tarde. Então, serviria esse caso para nos alertar acerca do despreparo e da imperícia de nossa polícia? Também não. Precisaríamos ser pessoas muito mal informadas para chegarmos a essa conclusão somente agora.

Minha conclusão pessoal, portanto, é: esse caso não nos ensina nada novo. Nada acrescenta a nossa percepção das coisas humanas. Nada traz de inédito quanto a nossa visão das potencialidades latentes do ser humano. Somente confirma aquilo que sabemos: somos anjos e demônios ao mesmo tempo.

[Mas ainda assim dói]

Toda cultura humana pode ser entendida como um esforço do homem no sentido de transcender sua condição animal. Religião, arte, ciência, filosofia, são todos parceiros desse esforço colossal. As instituições sociais são as entidades responsáveis por nos inserir no mundo da cultura humana. A igreja, a escola, a família, o clube, são os locais aonde vamos internalizando esse mundo humano.

Quando eu era criança, a Globo exibia uma série chamada Humanimal. Basicamente se tratava de um sujeito (não me lembro o nome) cujo metabolismo permitia-lhe mutações biofísicas das mais diversas. O resultado era um híbrido. Hora homem-lobo, hora homem-águia. Tava na cara o que se pretendia com aquilo. Tava na cara que era uma forma disfarçada de resignação diante de nossa condição animal. Era uma espécie de rendição a isso.

A cultura humana, fortemente impregnada de idealismo, não quer somente saltar sobre a nossa condição animal. Quer, ademais, subjugá-la. A religião, via de regra, procura projetar na exterioridade essa condição intrínseca da experiência humana e dar-lhe nomes como espíritos, diabos, demônios e satans. A filosofia, como caminho refinado do homem, fez parecido. Chamou esses conteúdos de paixões e afetos, negando-lhes sempre como inimigas do homem e da razão, sua princesa. A diferença é que nunca deu estatuto ontológico nem aos afetos nem às paixões. Algumas das ciências humanas não fizeram diferente. Entre elas a psicanálise. A Jung, pelo menos, devemos reconhecer a coragem de tentar “integrar” esse aspecto animal do homem (a que chamava de “sombra”) na experiência da personalidade. A finalidade, todavia, também é domesticá-la. E com razão, óbvio. Caso contrário seria a barbárie.

Lindemberg e sua paranóia passional nada nos acrescentam de novo. Pelo contrário, nos recordam uma lição antiqüíssima. Nos lembram de uma obviedade sempre negligenciada: estamos acima dos animais em tudo – tanto no bem quanto no mal. Porque nenhum animal é capaz do bem altruísta, só o homem. Mas também nenhum animal é capaz da violência premeditada e sem razões pragmáticas, só o homem.

E sem querer ofender, o caso também nos lembra que, dados os devidos ingredientes e o devido contexto, eu e você podemos despertar o “nosso Lindemberg” latente. Ou antes disso tudo Lindemberg não passava de um “Paulo”, de um “José”, de um “Antonio” e de um “João”? É um sobreaviso da vida. Nada disso justifica a ninguém. Todas as implicações legais devem ser impetradas com o máximo rigor possível em quaisquer casos dessa natureza. Mas a ira nessas horas tende camuflar essa realidade vergonhosa de nós mesmos: somos todos um pouco Lindembergs.

Deus nos ajude a mantê-los bem domesticados em nós.

Amém!

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