segunda-feira, 27 de outubro de 2008

DE VOLTA AO SAMBA DE UMA NOTA SÓ


Semana passada, durante um estudo bíblico em nossa comunidade aqui na Forene, fiz uma digressão no tema e voltei ao espinhoso caso da relação entre os usineiros da cana de açúcar e a sociedade alagoana. Depois daquela exposição fiquei meio abatido. Fiquei com a impressão de que o povo já estava meio enfadado de me ouvir falar daquilo. Senti que minha fala já não rendia mais nada. Me senti como quem entoa um “samba de uma nota só”. Decidi esquecer esse assunto por hora.

Mas aí, nesse fim de semana fui parar em Luziápolis, pequeno distrito do agreste alagoano. Fui a convite de meus amigos John e Bia, que trabalham há um ano junto à recém formada Igreja Batista naquela localidade.

Em Luziápolis foi impossível não voltar ao meu “samba de uma nota só”!

Assim que cheguei quis dar uma volta. E logo algumas questões ficaram muito claras. São aproximadamente dezesseis mil pessoas que vivem ali, numa cidade totalmente plana, sem ladeiras. Não há pavimentação e saneamento básico para quase noventa por cento da população [mas há muita propaganda política pelas ruas!]. Não há assimetria social porque simplesmente todos pertencem à mesma condição sócio-econômica de pobreza. O distrito, na realidade, se constitui num lugar de descanso para os trabalhadores das usinas sucroalcooleiras do entorno, sendo a principal a Usina Sinimbu. O que antes era um “lugar de pouso” para esses trabalhadores, por via das necessidades provocou o sedentarismo dos mesmos ali. Fez-se assim Luziápolis.

Enfim, Luziápolis é um desses cantos de Alagoas que empresta a sua existência à manutenção da concentração da riqueza produzida nesse chão.

John me levou a uma caminhada por aquelas ruas. Fez questão me dizer que estava empenhado na tarefa de catalogar as instituições religiosas ali presentes. “São dezesseis igrejas evangélicas”, me dizia ele, além da Igreja Católica. Então nos pusemos a cogitar sobre esse fato. A maioria dessas igrejas, como não é de espantar, são neopentecostais, ou como chamaria Martin Dreher transconfessionais, isto é, novas congregações sem qualquer vínculo denominacional ou confessional. O discurso da sociologia religiosa acerca da relação neopentecostalismo/pobreza tem insistido numa hermenêutica inflexível que vê no neopentecostalismo ou uma das formas religiosas da ideologia neoliberal, ou um sufrágio psíquico-religioso bem apegado ao modelo das hipóteses marxistas – a religião como ópio do povo.

Se os pobres, como dizemos, devem ser os sujeitos de sua própria libertação, por que resistimos aos caminhos de libertação eleitos por eles mesmos, taxando-os de ideológicos? Libertação será sempre a nossa idéia de libertação?

Pelo que pude notar, em Luziápolis também temos uma boa amostra de uma sociedade visceralmente patriarcal. A própria Igreja Batista ajuda nessa percepção, embora seja ainda um grupo pequeno. Não há homens entre seus membros. Pela primeira vez em minha vida estive numa congregação eminentemente feminina. Cem por cento! Conforme John, isso é um pequeno reflexo das relações de gênero ali presentes. As representações sociais forjadas acerca da família seguem fiéis aos parâmetros coloniais-patriarcais: o homem trabalha fora, sustenta a casa, e vadeia entre outras mulheres, enquanto a mulher cuida da casa, vai à igreja e suporta elegantemente o vexame da traição conjugal. Ao que parece, faltam ainda estudos dedicados às relações entre o imperialismo da cana e a sociedade patriarcal no Nordeste. Sem dúvida, essa relação é estreitíssima.

Todos nós andamos meio dependentes do “mundo virtual”, assim mesmo como o drogado depende de sua droga. Já não podemos conceber nossas vidas sem essa coisa. Então, saí à cata de uma lan house. Encontrei. Lá dentro uma outra imagem provocadora reunia os mundos do Norte e do Sul: garotos fascinados com a interconectividade dessa teia chamada Internet. Fiz questão de olhar seus rostos. Eram todos rostos marcados pelo trabalho infantil. Marcados em sentido literal. Cicatrizados mesmo pela dura lida, certamente do corte da cana. Ali, de mãos dadas, o submundo do trabalho infantil nos canaviais e o mundo da interatividade eletrônica. Uma síntese interessante que revela o desejo de libertação do flagelo da miséria, libertação da castração da alegria e libertação dos condicionamentos impostos por homens sem coração. Os meninos da lan pareciam dizer que queriam mais que uma foice e uma enxada: queriam o mundo!

E, como se vê, eu não pude deixar de regressar ao meu “samba de uma nota só”. É preciso continuar falando, escrevendo, fazendo, pensando, sonhando, estimulando, esclarecendo, pesquisando, enfim, buscando a chave que desvende o segredo para uma sociedade mais justa. Aqui em Alagoas, não se pode fazer isso sem fazer referência a esse “samba de uma nota só” que é a opressão sucroalcooleira.

Nenhum comentário: