quarta-feira, 25 de março de 2009

ENTRE MAGOS, SACERTODES E PROFETAS


O protestantismo brasileiro em debate à luz de Max Weber e Paul Tillich

Abrindo a conversa

Rubem Alves tinha razão quando nos lembrava que “protestantismo” é uma palavra que nunca deveria ser pronunciada no singular. São tantas as suas faces – mormente no Brasil – que deveríamos sempre pronunciá-la no plural. Isso ele escreveria em 1978, em Protestantismo e repressão. O que ele não teria dito acerca desses mesmos grupos religiosos depois de decorridos mais de 30 anos que acumularam uma hiper-fragmentação certamente incalculável?!

A sociologia da religião no Brasil tem tido que enfrentar o dilema da hiper-complexidade e da hiper-fragmentação quando se trata de estudar esses grupos religiosos. Em função de tamanha diversidade, não se pode falar em uma teologia do protestantismo brasileiro, ou nas implicações sociais do protestantismo no Brasil, simplesmente porque são múltiplas e diversas suas faces, suas teologias e suas implicações sociais. Somos heterogeneidade pura!

Seguindo a linha de um dos aspectos metodológicos adotados por Max Weber em seu trabalho intelectual, a sociologia religiosa no Brasil tem recorrido aos tipos ideais para tornar mais leve a tarefa de entender os segredos das igrejas protestantes brasileiras. São muito conhecidas algumas dessas tipologias do protestantismo brasileiro, sobretudo as de Rubem Alves (Protestantismo e repressão), Martin N. Dreher (A Igreja Latino Americana no contexto mundial) e Ricardo Mariano (Neopentecostais – Sociologia do novo pentecostalismo no Brasil).

Para dizer alguma coisa sobre os grupos religiosos em foco, eu desejaria neste texto seguir não somente o recurso tipológico, mais também algumas intuições teóricas sugeridas por Max Weber e Paul Tillich. Eu gostaria de propor um modelo tipológico relacionado às categorias do mago, do sacerdote e do profeta como enfocados por Weber, a fim de lançar nova luz sobre o entendimento dessas igrejas brasileiras. Por fim gostaria de instigar a submissão desses três tipos à crítica baseada na noção de princípio protestante cunhada por Paul Tillich.

Sobre o protestantismo mágico

Para Weber, forças mágicas são aquelas que podem ser forçadas a servir às necessidades humanas através do uso correto de certas fórmulas[1]. O mago, portanto, é aquele que detém o poder especial (o mana¸ o maga, ou como prefere Weber, o carisma) de forçar os deuses a atenderem suas necessidades. O mago, semelhantemente ao profeta, age em função de um carisma pessoal, a despeito de qualquer ligação institucional. Dessa maneira, o fracasso do mago seria um indicativo do fim do seu carisma, o que legitimaria o abandono por parte de seus seguidores.

Fundamentados nessa definição da atividade mágica, estaríamos autorizados a reconhecer uma espécie de protestantismo mágico como uma das faces do “caleidoscópio protestante” (Neilton Azevedo) brasileiro? A relação da atividade mágica com as práticas neopentecostais se faz por uma associação quase involuntária. A teologia e a prática religiosa que derivam do neopentecostalismo se afinam muito com a definição de magia em Weber.

O neopentecostalismo, sobretudo este representado pela Igreja Universal, parece ter consagrado uma casta eclesial – obreiros, pastores, bispos, apóstolos e os papas não-confessos – a quem cabe as mesmas atribuições do mago de Weber. Mais do que isso, funda-se na convicção de que a existência de Deus tem exclusiva relação com as necessidades humanas, e que tais necessidades devem ser atendidas quando o mecanismo simbólico-religioso é manipulado dentro das normas estabelecidas por aquela mesma casta. Dentro dessas práticas mágicas, o único elemento destoante da definição de Weber é o pertencimento a uma corporação institucional.

Mas uma advertência se faz necessária. Dizer que o protestantismo mágico mostra sua face explicitamente no neopentecostalismo, não é o mesmo que dizer que eles se confundem. Depois da irrupção do fenômeno neopentecostal todas as outras faces protestantes foram marcadas por ele no seu discurso e prática. Dessa forma, há muito desse protestantismo mágico também entre históricos, tradicionais e pentecostais.

Sobre o protestantismo sacerdotal

Conforme Weber, por sua vez, o que caracteriza a função sacerdotal e a distingue da atividade mágica é, em primeiro lugar, o pertencimento a uma agência coorporativa religiosa por parte do sacerdote, e o seu compromisso irrestrito com a mesma[2]. Em outras palavras, o carisma do sacerdote não lhe pertence, mas pertence à instituição que lhe abriga e que inclusive lhe remunera. Ele é um porta-voz de seus valores e de sua visão de mundo. É um dos seus instrumentos concreção e uma das forças operantes na perpetuação de seus valores.

Destarte, é legítimo identificar (como outros já fizeram antes) um protestantismo sacerdotal vivo em meio às múltiplas expressões protestantes no Brasil. Em linhas gerais, se poderia identificar esse protestantismo em todos os lugares onde a preservação de tradições descontextualizadas é mais importante que os chamados do Evangelho. Ou onde a repetição acrítica do passado é um valor mais presente do que uma abertura honesta às demandas do futuro. Ou onde a repetição enfadonha de discursos, práticas, processos educativo-religiosos, organização estrutural, se petrificaram. Ou onde o medo da novidade fossilizou e anacronizou tudo. Ou onde o institucionalismo representa uma ameaça e um engaiolamento da experiência do sagrado. Ou onde o discurso (ou mesmo a ausência dele) serve para legitimar as estruturas injustas da sociedade.

Onde quer que esses elementos estejam presentes, está presente o protestantismo sacerdotal, seja entre batistas, presbiterianos, assembleianos, deuséamoreanos ou renascereanos, por exemplo.

Sobre o protestantismo profético

Weber também tentará ajustar o conceito de profecia e da atividade profética. Para ele, a profecia não se trata de um mero exercício intelectual metafísico ou de especulação teológica, como comumente se representa no próprio âmbito religioso. O critério fundamental com que ele procurará entender a atividade profética é o seu chamado ao rompimento para com o status quo[3]. Essa atividade profética, conforme nosso sociólogo, tem duas expressões práticas fundamentais: o profeta emissário e o contemplativo. No entanto, ambos criticam formas estabelecidas de convivência social e apontam para algo novo nesses mesmos termos.

Nesse sentido, seria possível falar também na existência de um protestantismo profético como parte orgânica dos protestantismos brasileiros? Eu penso que sim! É bom nunca esquecermos o fato de que em todas as manifestações culturais os grupos de tendências mais progressistas são sempre menos propagandistas que os demais. Em termos de ocupação de espaços midiáticos no Brasil então, esses grupos estão cem por cento ausentes. Todavia, existem!

Entre os protestantes brasileiros, as iniciativas identificadas com uma tendência profética existem e se articulam na medida de suas possibilidades. Semelhantemente aos demais tipos – mágico e sacerdotal – não podemos ser seduzidos pela tentação de enquadrarmos estritamente a presença desse protestantismo profético aqui ou acolá. Ele se move em muitas partes, muitas vezes como expressão de gente sufocada, amante de sua tradição, e por isso mesmo desejosa de vê-la exalando a pertinência evangélica à qual cada geração de cristãos é convocada.

Concluindo provisoriamente

Pode parecer esquisito, mas a própria expressão protestantismo profético deveria soar nos nossos ouvidos como um pleonasmo. O ideal era que ao dizermos “protestantismo” estivesse implícito na nossa fala o termo “profético”. Mas infelizmente não tem sido assim.

Digo isso à luz de uma das expressões mais caras da teologia de Paul Tillich, que é o princípio protestante. Conforme este teólogo, o princípio protestante é a força geradora da Reforma, e se caracteriza por uma crítica aguda a todas as formas de absolutismos e de reivindicações de incondicionalidade por parte de ideologias condicionadas. Trata-se da convicção de que “Deus é um somente” (Dt 6,4), e que tudo abaixo dele é relativo, condicional e sujeito à crítica (incluindo as próprias igrejas protestantes). Então, não é equivocado dizer que o princípio protestante é o espírito subversivo que julga e corrige todo absolutismo e opressão: políticos, científicos, sócio-econômicos, religiosos, e etc.

Algumas perguntas finais seriam estas: Em que medida o princípio protestante ainda reside no protestantismo brasileiro? Em que aspectos o princípio protestante critica e reformula os protestantismos mágico e sacerdotal? Em que medida esse princípio protestante migrou para outros movimentos não-religiosos da sociedade e neles atualiza as convocações evangélicas relativas à humanização dos homens e mulheres desse mundo?

Forte abraço!


[1] “Magical forces can be ‘forced’ to serve humam needs by the magician’s correct use of formulae” (WEBER, Max. The sociology of religion, p. 30).

[2] “It is the hierarchical office that confers legitimate authority upon the priest as a member of a corporate enterprise of salvation” (op. cit., p. 47).

[3] “Prophecy is by no means an intellectual exercise in metaphysical or theological speculation […]. But the essencial criterion of prophecy is wheter or not the message is a call to break with an estabelish order” (op. cit., p. 35).

Um comentário:

Francikley Vito disse...

A Paz de Cristo.
Estou te perseguindo, que Deus continue te abençoando. Um abraço.
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