terça-feira, 7 de julho de 2009

NADA MAIS PRÁTICO DO QUE UMA BOA TEORIA


Para uma relativização da falsa dicotomia “teoria versus prática”

Em toda atividade humana – seja religiosa, acadêmica, política, e etc. –, aqueles e aquelas que se identificam ideologicamente com uma postura progressista e libertadora serão frequentemente confrontados com a questão da praticidade de seus discursos. Em outras palavras, quem tem um discurso libertário a todo tempo nos lábios logo-logo será argüido acerca da praticidade de tais declarações. “Onde estão os teus frutos?”, ouvirá com certeza. E nada mais justo.

Nós não podemos desprezar a possibilidade de um blá-blá-blá estéril em nossos lábios, nem de um intelectualismo vazio ou de uma teorização descolada do mundo concreto. Sim, vez por outra nossa fala contestadora, quando submetida ao crivo de uma crítica séria e sóbria, revela-se como abstração estéril, sem nenhuma correspondência com o real e sem qualquer possibilidade de factibilidade. Floreio puro e simples feito em torre de marfim.

Mas não nos enganemos: o exercício de teorização não é estéril em si mesmo! A teoria não é vazia por si própria! Esforcemos-nos sempre por ultrapassar a falsa dicotomia “teoria versus prática”, porque teorizar também é uma práxis! Essa falsa dicotomia, em seu radicalismo acrítico, se predica a esterilizar toda prática que tem a palavra como instrumento. E a palavra, tal como a pá empunhada pelo trabalhador braçal, é para o teórico o instrumento de intervenção no mundo. Eu e você, por exemplo, somos em certa medida o produto da intervenção que certos educadores fizeram em nossas biografias tendo a palavra como instrumento. Talvez essa seja a razão pela qual o psicólogo alemão Kurt Lewin tenha dito que “nada mais prático do que uma boa teoria”. A sabedoria do Evangelho também já sabia que “o destino da palavra é se fazer carne”.

E eu afirmaria ousadamente, pelo menos em relação à nossa situação aqui em Alagoas, que as intervenções populares e estruturais mais importantes de que necessitamos hoje estão no plano do simbólico – isto é, só podem ser iniciadas com a palavra.

Esqueçamos então todo blá-blá-blá e tentemos entender isso um pouco melhor com um exemplo extraído da prática!

Antes, preciso dizer que não destaco esse extraído da prática à revelia. Me oriento pelo postulado marxista de que as condições concretas da existência têm anterioridade sobre nossa reflexão acerca delas. Nos termos do barbudo, “a infraestrutura (condições materiais, econômicas, sociais) determinam a superestrutura (aspectos abstratos, leis, moral, religião)” em determinada sociedade. E aqui temos uma pista importante para discernir a validade de qualquer teorização: ela precisa necessariamente partir de uma realidade concreta e suas proposições precisam ser factíveis dentro dessa mesma realidade. O que disso passar, é blá-blá-blá!

E o exemplo concreto que eu gostaria de evocar, enfim, é a situação dos trabalhadores do setor canavieiro aqui da região dos Tabuleiros Alagoanos.

Eu acabo de finalizar uma pesquisa de estágio em Psicologia cujo título foi Trabalho e subjetividade: Um estudo de caso entre trabalhadores efetivos do setor sucroalcooleiro alagoano. Meu interesse consistiu em saber como o trabalho nesse setor influencia os processos de subjetivação desses funcionários. Afinal, Wanderley Codo parece ter razão ao afirmar que “as relações de trabalho [também] determinam o comportamento do homem, suas expectativas, seus projetos para o futuro, sua linguagem, seu afeto”, enfim, sua identidade.

É um fato indubitável que o mundo do trabalho represente em nossos dias um dos ambientes que mais favorecem os processos de exploração, humilhação e opressão dos seres humanos. No setor canavieiro de Alagoas isso é crônico.

Primeiro, porque a oligarquia agrária ainda se interpõe à diversificação da atividade agroindustrial e econômica como um todo no estado. Segundo, porque aqui, como em todo canto, a exigência sempre crescente do mercado de trabalho quanto à sofisticação profissional do trabalhador cria um exército de reserva (desempregados) incontável que se entrega com avidez à informalidade para sobreviver. Terceiro, porque a necessidade que esses trabalhadores (os formais) têm quanto ao sustento de suas famílias gera uma exploração que se traduz desde os baixíssimos salários até a negação de direitos trabalhistas fundamentais como recebimentos de horas-extras, férias e outros encargos sociais. Esse último aspecto, tão presente na dinâmica das usinas locais, se radicaliza hoje quando alguns usineiros decidiram pegar carona no discurso da crise econômica mundial e negar aos funcionários o seu sustento cotidiano, com atrasos que já chegam a mais de três meses em alguns casos.

Diante desse quadro, minhas principais inquietações se resumem a três ou quatro:

a) Uma vez que somos seres eminentemente sociais, de que maneira esses fatos todos reverberam nos processos de subjetivação desses homens e mulheres? Como isso tudo incide sobre a identidade desse povo sofrido? Essas questões me faço como pastor e como futuro psicólogo;

b) Como esse quadro triste se relaciona com as “saídas ilegais” às quais a população lança mão para dar conta de sua sobrevivência? Essa pergunta me faço como cidadão ordinário;

c) Por quais meios e sutilezas ideológicas as classes dominantes conseguem manter certa “estabilidade” e conter os ímpetos revolucionários das classes subalternas e trabalhadoras? Essa questão me faço como cidadão ordinário, pastor e futuro psicólogo indignado.

Pensemos um pouco nesta última pergunta para voltarmos ao problema central da relação dialética entre teoria e prática, e encerrarmos esse texto.

A revolução armada e a tomada dos meios de produção por parte das classes desprivilegiadas é um recurso factível hoje em dia? É verdade que os detentores do poder político-econômico em Alagoas jamais declinarão de sua posição reunidos com os trabalhadores comendo uma pizza no bar da esquina. Não! A libertação desses jamais será produto de concessões patronais. Ela deverá ser inevitavelmente uma conquista, produto de luta persistente e de enfrentamentos nem sempre pacíficos.

Mas tudo indica que os custos humanos dessa primeira via – a de uma revolução armada – não valem à pena. Particularmente, como teólogo cristão, considero-os incoerentes com meu entendimento das relações humanas e do enfrentamento dos conflitos que dela advém. “Quem fere com a espada, com a espada será ferido...”

Volta então aqui aquela “batalha no plano simbólico” à qual me referi anteriormente. E ela inicia naquilo que podemos chamar de desideologização da classe trabalhadora, seguida da potencialização das virtudes dessa classe, isto é, de seu empoderamento. Essa é uma batalha que só pode ser feita com a palavra, no plano teórico mesmo. Além disso, é uma batalha que pode arregimentar desde indivíduos, até as diversas instituições sociais como as inseridas na função educativa e também as próprias igrejas com seu poder de persuasão. Trata-se de um caminho muito mais longo e árduo que a luta armada. No entanto, bem mais compatível com nossas inclinações morais.

Mas o que quer dizer desideologização das classes populares? No que consiste a potencialização de suas virtudes, isto é, seu empoderamento? Essas são questões que merecem uma discussão mais específica. Por isso, fico por aqui e volto ao tema posteriormente.

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