quinta-feira, 20 de novembro de 2008

A ESPIRITUALIDADE DE EINSTEIN E SAGAN


Cheguei à conclusão de que nem a mais profunda decepção com a Instituição Religiosa seria suficiente para que eu me tornasse um homem “sem espiritualidade”. Nem a mais profunda decepção com as pessoas mais piedosas que conheço serviria para abalar a dimensão espiritual em mim. Sim, porque tanto o referencial da Instituição Religiosa quanto o testemunho de pessoas santas servem também como uma espécie de “base complementar” para nossa experiência espiritual, além da nossa própria convicção pessoal.

Mas é bem verdade que nesses tempos atuais nem todas as pessoas pensam como eu. Muita gente se assume profundamente espiritual a despeito das Instituições Religiosas e do referencial de outras pessoas. Desde que se operou a distinção entre religiosidade e espiritualidade, muita gente se sente solta para cultivar a espiritualidade fora das paredes dos templos.

Isso nunca agradou as instâncias oficiais que gerenciam o arcabouço simbólico das religiões. E essa espiritualidade “espontânea” fica sempre com a pecha da marginalidade. De certa forma, o próprio Jesus de Nazaré teve que enfrentar esse de tipo de censura nos seus dias. Sua espiritualidade não foi oficial, mas marginal. E penso que hoje a oficialidade dos múltiplos cristianismos talvez repetissem o que a oficialidade judaica de seu tempo fez com ele.

Carl Sagan, falecido astrofísico estadunidense e popularizador da ciência [cuja réplica no Brasil tem sido a figura de Marcelo Gleiser], chega a afirmar estranhamente que a espiritualidade é um dos produtos resultantes da própria atividade científica. Obviamente, não podemos nos iludir a ponto de pensar que Sagan está falando da espiritualidade preconizada pela Religião. Não! Espiritualidade aí é o produto da contemplação de nosso lugar na inefável grandeza do universo. Em O mundo assombrado pelos demônios Sagan chega a dizer que “a ciência não é só compatível com a espiritualidade; é [também] uma profunda fonte de espiritualidade”. Segue ainda dizendo que:

“Quando reconhecemos nosso lugar na imensidão de anos-luz e no transcorrer das eras, e quando compreendemos a complexidade, a beleza e a sutileza da vida, então o sentimento sublime, misto de júbilo e humildade, é certamente espiritual”.

Antes disso, Einstein – quer era judeu de raça, mas não de religião – parece ter dito as mesmas coisas com palavras diferentes. Para mim Einstein até teve mais ousadia do que Sagan – obviamente em função de sua maior genialidade. Porque para aquele a espiritualidade não era somente um produto da atividade científica, como dizia Sagan, mas era o próprio poder oculto na biografia de cientistas famosos. Einstein falava em religiosidade cósmica. Em outras palavras, trata-se daquele mesmo vislumbre perante o universo enunciado por Sagan. Assim ele a explica em Como vejo o mundo:

“O ser experimenta o nada das aspirações e vontades humanas, descobre a ordem e a perfeição onde o mundo da natureza corresponde ao mundo do pensamento. A existência individual é vivida então como uma espécie de prisão e o ser deseja provar a totalidade do Ente como um todo perfeitamente inteligível”.

Einstein admite a presença germinal dessa religiosidade cósmica já em alguns Salmos de David e em alguns profetas bíblicos; em seguimentos do Budismo e em Schopenhauer; nos gênios religiosos e também nos hereges de todos os tempos; em Demócrito, São Francisco de Assis e em Espinoza, por exemplo. Essa religiosidade cósmica, segue Einstein, “não tem dogmas nem Deus concebido à imagem do homem, portanto nenhuma Igreja a ensina”. Em função da sempiterna voracidade de poder das Oficialidades Religiosas, explica nosso físico, homens e mulheres dessa estirpe sempre foram considerados subversivos, ou mesmo ateus. Não obstante, a vontade de fusão na totalidade do Ser encontrada nessas pessoas religiosas, é a mesma que movia as vidas de cientistas como Kepler e Newton, por exemplo.

Nunca houvesse sido erigida uma única Religião Organizada sequer, teríamos ainda mil motivos para ser profundamente espirituais. Porque não bastasse essa sublimidade estonteante do universo apontadas por Einstein e Sagan, o próprio mistério da vida convoca a uma atitude de reverência. O próprio mistério do Ser Humano, enquanto espécie sui generis na terra, nos convida a dedicar-lhe algum tempo. O que brota daí é espiritualidade em sua mais autêntica expressão.

Pequeno, eu chamava meu pai de painho. Coisa típica da Bahia. Um professor meu, gaúcho, disse certa vez que lá no sul isso soaria pouco masculino (os gaúchos e seu velho complexo de masculinidade!). Outros usam simplesmente “pai”, ou “papai”, para se referir ao seu genitor. Nós usamos “Deus” para falar da fonte primária de tudo isso. Einstein e Sagan usavam outros nomes. Somente os nomes são diferentes, mas no fundo, todos estamos falando de uma coisa só. E só se pode falar dessa “uma coisa só”, ainda que num breve texto como esse, se não abdicamos de nossa espiritualidade a despeito de nada.

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