quinta-feira, 6 de novembro de 2008

OBAMA E EU


Tudo começou quando minha amiga Tatiana Paula me disse antes de todos: “Tu és a cara do Obama!”. Mal sabia ela que eu teria que enfrentar essa gozação em todos os lugares que freqüento: igreja, universidade, seminário, roda de amigos... Pensei comigo: “isso só dura até a campanha presidencial desse sujeito terminar”. Porque até ali eu não podia me dar conta de que um negro, filho de mulçumano e com o sobrenome “Hussein” pudesse mesmo chegar à presidência dos Estados Unidos.

Nenhum de nós poderia conceber que um país cuja história registra as formas mais escandalosas (porque cristãs) de segregação racial – vide, por exemplo, a saga da Ku Klux Klan –, país também que assumiu a contra-ofensiva perante o “eixo do mal” marcadamente mulçumano, e que fez de Saddam Hussein um totem disso, pudesse eleger Barack Hussein Obama Jr. seu presidente.

Estamos, portanto, alegres, mas também estupefatos.

E é impossível não estabelecer um paralelo entre Lula e Obama. Lula, na época de sua primeira vitória presidencial, era o ícone da esperança dos pobres. Além de sua significativa militância entre os metalúrgicos do ABC paulista, sua própria biografia depunha em seu favor. Some-se a isso o fim de um ciclo presidencial no Brasil, fortemente identificado com o modelo neoliberal de política, de economia e de sociedade, que foi o governo FHC. Obama representa agora algo similar ao que Lula representou em 2002. Tem uma biografia e uma atuação sócio-política que depõem em seu favor, além de também se situar no fim de um ciclo presidencial já desgastado e desaprovado por uma boa parcela dos estadunidenses e pela comunidade global (pelo menos entre as pessoas sensatas).

Mas se há algo que venho aprendendo com a história da política, é que devemos ser sempre otimistas, mas sem nunca prescindir de sermos bem realistas. Afinal, nenhum de nós recebe hoje com o mesmo entusiasmo de 2002 o mote de Lula: “a esperança venceu o medo”.

Não resta dúvida de que a assunção de um afro-americano à presidência dos Estados Unidos seja um enorme sinal de resignificação dessas relações na sociedade norte-americana. Portanto, cada lágrima derramada por Jesse Jackson, logo após a notícia da vitória de Obama, reserva um mundo de significados. É como se cada uma daquelas lágrimas fizessem uma homenagem silenciosa a cada uma das palavras do inesquecível discurso I have a dream, proferido em 1963, em Washington, por Martin Luther King Jr. Foi assim que vi aquilo tudo.

Todavia, a verdade é que o novo presidente tem diante de si uma enormidade de questões que extravasam os dilemas raciais.

O atentado contra as torres gêmeas em 2001– que permanece injustificado sob todos os aspectos – acabou servindo para legitimar o militarismo demoníaco estadunidense, além de ocultar a presença mortífera desse militarismo que vinha batendo na cifra de mais 500.000 vítimas no Oriente Médio desde a Guerra do Golfo. Ademais, desde então o mundo tem que suportar a vexatória e famigerada presença das forças militares americanas no Iraque, sob o discurso mentiroso e descarado da afirmação dos valores democráticos naquele país. Obama herda esse “balaio de gato”.

As recentes oscilações em Wall Street parecem prenunciar uma reedição de 1929. Apesar de o presidente Lula insistir no absurdo de que a presente crise econômica não afetará seriamente o Brasil, estamos todos convencidos de que o que se prenuncia é uma ampla e profunda reconfiguração no mercado internacional globalizado que de maneira alguma deixará tocar o cotidiano também em nossas terras tupiniquins. Seria a presente crise o último estertor de uma convulsão crônica atrelada a um projeto de desenvolvimento econômico que vai mostrando seus limites e sua ineficácia? Ou o que ocorre com o mercado internacional agora é somente uma azia momentânea para mostrar que uma economia não pode prescindir da total intervenção dos estados nacionais à custa da sobrevivência de seu próprio arranjo interno? Obama também herda essas questões para si.

O primeiro presidente negro dos Estados Unidos herda uma fatídica relação de seu país com os dilemas ecológicos do planeta. Levará ele a que seu país resolva assinar o Protocolo de Quioto, se comprometendo a reduzir a emissão de gazes poluentes na atmosfera? Insistirá ele num modelo de produção de biodiesel assentado no trabalho escravo nos países produtores desses bens primários – cana, soja, etc. – e que também violenta severamente o meio ambiente pelo desmatamento e pelas queimadas? Como intermediará as negociações na Faixa de Gaza? Legitimará o sistemático militarismo israelense naquela região ou dialogará com os “fanáticos homens e mulheres-bomba palestinos” que agem somente em nome de si mesmos e de seus ídolos?

É um farto e considerável leque de questões – e não lembrei nem da metade – que vão exigir muito mais que o carisma pessoal e que os discursos eloqüentes. Nem mesmo os problemas raciais nos Estados Unidos estão resolvidos com a eleição de Obama. Mas sem dúvida esta eleição é um grande sinal de esperança. Queira Deus que ela seja o prelúdio para uma série de outras transições desse tipo.

Quanto a mim, começo agora a curtir quatro anos como sósia de uma celebridade! Oxalá isso me traga sorte!

Nenhum comentário: