quarta-feira, 12 de novembro de 2008

RELIGIOSIDADE E ESPIRITUALIDADE


Hoje (12/11), enquanto uma de nossas colegas do curso de Psicologia apresentava seu pré-projeto de pesquisa perante a turma, surgiu uma discussão acerca das palavras religiosidade e espiritualidade. Seriam essas palavras sinônimas? Não seriam? Se não forem sinônimas, qual a distinção entre elas?

Engraçado que depois de expor seu ponto de vista, o jovem professor exclamou diante de todos, se referindo a mim: “e o que diz o nosso teólogo?” E eu tive que me manifestar. Sim, disse na sala o que já havia dito em público, no mês de maio desse ano, num encontro estadual sobre adolescência, onde me incumbiram de falar justamente sobre espiritualidade.

Segue aqui o conteúdo transcrito de minha fala[1] ali sobre o mesmo tema que voltou hoje, em nossa aula de Pesquisa em Psicologia I.

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Quero iniciar minha fala com um trecho do Dalai-Lama. Escrevendo sobre esse tema que por hora nos ocupa, diz ele: “Uma revolução se faz necessária, com toda a certeza. Mas não uma revolução política, ou econômica, ou mesmo tecnológica. (...) O que proponho é uma revolução espiritual”[2].

Uma revolução de espiritualidade! Sim, o Dalai-Lama é um desses magníficos mestres do espírito que vem, junto com tantos outros, tentando fazer as pessoas compreenderem o conteúdo profundo da espiritualidade. Isso porque essa palavra, já consagrada no Ocidente, está atrelada demasiadamente à religiosidade, de forma que seu núcleo essencial ficou quase perdido. Falar em espiritualidade em nossa sociedade é o mesmo que falar em religiosidade. Num primeiro momento permitam-me fazer uma breve distinção entre esses dois conceitos.

Quero pontuar a espiritualidade como fenômeno humano. E por que não dizer, em consonância com o pensamento do grande filósofo Nietzsche, que se trata de um fenômeno “demasiadamente humano”?! Assim, devemos compreender a espiritualidade como expressão de uma das dimensões profundas da experiência humana a que as religiões deram o nome de espírito. Não se trata de algo que seja monopólio das religiões, embora possa perpassar todas elas.

Acreditamos que no seio da religião se encontram grandes testemunhos históricos de ícones de espiritualidade. Da mesma forma como acreditamos que em todos os tempos a religião testemunha também o quanto pode estar diametralmente oposta à espiritualidade. Chamamos, portanto, de religiosidade a todo o construto cultural-simbólico erigido pelo homem na tentativa de codificar a dinâmica da transcendência. O homem é homo-religiosos. No dizer de Leonardo Boff, o homem é um projeto apontado para o infinito. Às produções culturais que veiculam essa faceta humana da transcendência damos o nome de religiosidade. A ela estão apegados o Dogma, os Credos, os ritos, os Livros Sagrados, os símbolos.

Mas não se pode dizer que isso tudo já encerre o que entendemos por espiritualidade.

Enquanto expressão da profundidade do ser humano, eu desejo pensá-la a partir de três eixos fundamentais: ela está atrelada à dimensão da alteridade, do encantamento do mundo e do sentido da vida. É assim que em minha trajetória pessoal tenho cruzado com pessoas profundamente espirituais, ainda que sem nenhuma filiação religiosa institucional. Por essa razão as palavras iniciais dessa reflexão – as do Dalai-Lama – ganham grande importância, porque nosso momento histórico pós-moderno e neoliberal guia-se à base da negação dessas três dimensões.

Nega-se aí a dimensão da alteridade como descartável e desnecessária num ambiente onde vige a competição e o individualismo. Nega-se também a dimensão da alteridade pela massificação da barbárie, que se concretiza nas milhares de vítimas desse sistema excludente no qual vivemos. Nega-se o encantamento do mundo, visto somente como campo da árdua tarefa de viver. Campo de batalha mesmo. Não mais Casa Comum, Mãe Terra, Pachamama ou Jardim Edêmico, lugar de fruição. Por fim, nega-se a dimensão de sentido profundo da existência humana, substituindo-a por uma mesquinha corrida pela satisfação de desejos insaciáveis de consumo.

Diante disso algumas questões que me inquietam: como falar dessa espiritualidade para as crianças, jovens e adolescentes dessa geração? O que dizer-lhes? Por onde começa essa tal “revolução de espiritualidade” ensejada pelo Lama tibetano? Eis algumas pistas a partir da realidade alagoana.

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Alteridade, encantamento do mundo e plenificação do sentido da vida são manifestações espirituais do homem. Não necessitam sequer fazer referência nominal aos símbolos da religião. Nascem espontaneamente nas pessoas. Não necessitam de templos, ritos ou dogmas. Mas mesmo assim são manifestações do sagrado, que, insistimos em crer, é a “vida do mundo” (Giordano Bruno).


[2] Cf. DALAI-LAMA. Uma ética para o novo milênio, p. 22.

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