quinta-feira, 20 de novembro de 2008

LEIA MENOS, PENSE MAIS!


“Quem pensa por si mesmo é livre, e ser livre é coisa muito séria...” (Renato Russo)

Há bem poucos dias eu andava por aqui me queixando da queda em meu ritmo pessoal de estudos. É um tipo diferente de neurose, que tem forma de autopunição intelectual, e se manifesta nessa cobrança auto-imposta por leituras e estudos. Voltei a pensar que aquele adágio popular, “quem estuda demais fica doido”, pudesse ser verdadeiro. Como se o sumo bem da vida consiste em devorar pilhas de livros. E como se precisássemos disso como forma de auto-afirmação diante dos outros.

Bobagem pura!

Ser um devorador de livros, pelo contrário, denuncia o quanto somos tolos!

Comumente reverenciamos as pessoas ditas “inteligentes”. Olhamos os acadêmicos com uma admiração silenciosa, e por vezes nos projetamos neles. E sempre que fazemos isso repetimos a confusão entre ciência e sapiência.

Eu, pessoalmente, ando mesmo é desencantado com a maioria dos intelectuais e acadêmicos que conheço. Não estou a fim de seguir os passos de nenhum deles. E não tenho dúvidas de que a própria Universidade, enquanto espaço de produção de novos intelectuais e acadêmicos, também aliena por formar justamente esses acadêmicos irrelevantes com os quais não quero me aparentar.

Paulo Freire (Pedagogia da Autonomia) falava sobre uma espécie de intelectuais a quem chamava criticamente de “memorizadores”:

“O intelectual memorizador, que lê horas a fio, domesticando-se ao texto temeroso de arriscar-se, fala de suas leituras quase como se estivesse recitando-as de memória – não percebe, quando realmente existe, nenhuma relação entre o que leu e o que vem ocorrendo no seu país, na sua cidade, no seu bairro. Repete o lido com precisão mas raramente ensaia algo pessoal. Fala bonito de dialética mas pensa mecanicistamente. Pensa errado. É como se os livros todos a cuja leitura dedica tempo farto nada devessem ter com a realidade de seu mundo (...).

Mas antes de Paulo Freire, quem “pegou pesado” mesmo com os intelectuais memorizadores, acadêmicos universitários e eruditos puros foi Arthur Schopenhauer. Numa fantasia do pensamento, pensei que se eu fosse reitor de Universidade, de Seminário, ou diretor de Escola, promulgaria lei que levasse à leitura em cada classe, no primeiro dia do ano letivo, da seguinte passagem de Schopenhauer (A Arte de Escrever):

“A peruca é o símbolo mais apropriado para o erudito puro. Trata-se de homens que adornam a cabeça com uma rica massa de cabelo alheio porque carecem de cabelos próprios. (...) O excesso de leitura tira do espírito toda elasticidade, da mesma maneira que uma pressão contínua tira a elasticidade de uma mola. O meio mais seguro para não possuir nenhum pensamento próprio é pegar um livro nas mãos a cada minuto livre. (...) Os eruditos são aqueles que leram coisas nos livros, mas os pensadores, os gênios, os fachos de luz e promotores da espécie humana são aqueles que as leram diretamente no próprio livro do mundo. (...) Assim, uma pessoa só deve ler quando a fonte de seus pensamentos próprios seca, o que ocorre com bastante freqüência mesmo entre as melhores cabeças. Por outro lado, renegar os pensamentos próprios, originais, para tomar um livro nas mãos é um pecado contra o Espírito Santo. (...) Ler significa pensar com uma cabeça alheia, em vez de pensar com a própria. Nada é mais prejudicial ao próprio pensamento".

Confesso que tomei um susto quando li pela primeira vez, em Discurso do Método, Rene Descartes afirmando que para alcançar um conhecimento verdadeiro sobre as coisas, o primeiro passo que ele tomou foi o de esquecer tudo o que aprendeu no melhor colégio da Europa de então – La Fleche:

“Eu sempre tive um enorme desejo de aprender a diferenciar o verdadeiro do falso, para ver claramente minhas ações e caminhar com segurança nesta vida. (...) Após dedicar-me por alguns anos em estudar assim no livro do mundo, e em procurar adquirir alguma experiência, tomei um dia a decisão de estudar também a mim próprio e de empregar todas as forças de meu espírito na escolha dos caminhos que iria seguir. Isso, a meu ver, trouxe-me muito melhor resultado do que se nunca tivesse me distanciado de meu país e de meus livros”.


Mas não são justamente as Escolas, as Universidades e os outros Centros de Formação da vida que carregam a tarefa de nos “instruírem” e nos ajudarem a “forjar nossos conhecimentos”?

Sim, salvo se eles não esquecerem o fato de que não é de “perucas” que precisamos. O que nós precisamos é de centelhas de conhecimento que aticem nosso pensar próprio. Porque nossas cabeças são fogueiras! O conhecimento alheio só será pertinente na medida em que for fomento para a liberdade do próprio pensar de cada um de nós. Caso contrário, no lugar de nos “instruir” esse conhecimento vai “destruir” nossa liberdade criativa e nossa inventividade. E no lugar de “forjar nossos conhecimentos” vai “forjar nosso aliciamento às algemas epistemológicas alheias”.

Eu já decidi que não quero isso pra mim! Parei de reclamar pelo fato de estar lendo pouco. Porque, reitero, não quero peruca: quero fogo!

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